Em seminário on-line promovido pela FAPESP, pesquisadores do Brasil, EUA e França elencaram os impactos da pandemia no aumento da desigualdade e na educação (foto: Marc Thele/Pixabay) |
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A educação tem sido uma das grandes vítimas da pandemia em todo o mundo, sobretudo no Brasil. O fechamento de escolas, a falta de acesso à internet, de dispositivos eletrônicos e o atraso em alavancar planos de ensino remoto terão impacto em toda uma geração de estudantes e no futuro do trabalho, resultando em um aumento brutal de desigualdades.
“Neste momento, passados 12 meses de
pandemia, quando o Brasil perde por dia cerca de 2 mil pessoas para a COVID-19,
é necessário que haja um debate na sociedade sobre o acesso ao wifi e à
internet banda larga como um bem público, assim como é a água e a energia. Isso
é particularmente importante neste momento da pandemia, com benefícios
importantes para todos, especialmente para os mais vulneráveis. Garantir esse
acesso permite avançar em tecnologias digitais de ensino remoto”, disse Lorena
Barberia, pesquisadora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), durante o webinário Education: COVID-19 and social
inequalities”, no dia 3 de março, o 9º da série FAPESP COVID-19 Research Webinars, organizada com apoio do Global Research Council
(GRC).
Para a
pesquisadora, que liderou um estudo sobre o ensino durante a pandemia nos
diferentes Estados brasileiros, sobretudo neste momento de pico de
hospitalizações e morte o debate precisa ir além da dualidade de abrir ou não
as escolas. “A questão é mais profunda, o problema ainda não acabou e já está
trazendo consequências duradouras”, afirmou.
De acordo
com Barberia, além da demora em introduzir programas de ensino remoto em todos
os Estados – a média foi de mais de um mês para alavancar esse tipo de ensino
–, o que se viu em 2020 foram programas fracos, que não apresentaram soluções
para ampliar o acesso.
“Poucos
Estados no Brasil aumentaram o acesso ao ensino remoto. Falta internet e muitos
alunos não têm computador nem celular. Muitas famílias têm apenas um celular
para cinco ou sete pessoas dividirem, o que obviamente impede que um aluno
acompanhe as aulas”, disse.
Com isso,
criou-se um abismo de desigualdade entre a parte da população que teve acesso à
educação e outra que nem sequer teve um dia de aula em todo o ano. “A educação
já era extremamente desigual no Brasil e isso se ampliou ainda mais no ano
passado. Muitas escolas continuaram com as aulas, mas apenas para os que tinham
acesso à internet.”
Barberia
alertou que a avaliação sobre a reabertura das escolas deve ser diferenciada,
considerando as heterogeneidades no acesso e a intensidade da cobertura do
ensino remoto. Uma sugestão seria, por exemplo, desenhar programas para os que
tiveram algum tipo de aula remota e os que não tiveram. “Muitos ficaram meses
sem nenhum tipo de aula e outros começaram a ter aula pela televisão. Mas é
completamente diferente para aqueles que tiveram acesso ao ensino remoto por
várias horas e com supervisão. Acredito que os grupos com menor acesso ao
ensino devem receber atenção especial. Há desigualdades importantes.”
EUA: os efeitos da segregação
Nos
Estados Unidos, as desigualdades também se ampliaram ainda mais com a pandemia.
“Não é uma coincidência que haja uma desigualdade educacional entre os
diferentes bairros e vizinhanças de uma mesma cidade. Isso tem a ver com a
nossa história de segregação racial e econômica”, afirmou Prudence Carter, da
University of California, em Berkeley nos Estados Unidos, e que também
participou do seminário.
De acordo
com a socióloga, muitas das escolas que não fecharam nos Estados Unidos optaram
por se manter abertas porque são empresas. “As escolas públicas, por causa da
segregação econômica e racial, fecharam e então vimos as consequências da
segregação digital. Nem todas as casas têm internet, um computador ou um
responsável que possa ajudar os estudantes.” Carter também defendeu que o
acesso à internet seja considerado um bem público.
A
pesquisadora ressaltou que os desafios impostos pela pandemia são múltiplos –
uma intersecção da sociologia, educação, saúde e economia – e, por isso,
precisam de múltiplas soluções de políticas públicas.
“Já havia
uma preocupação grande com a desigualdade histórica, recriada e aumentada
com a pandemia. Há ainda uma preocupação grande com o gargalo de oportunidades
entre os estudantes. Mas, em vez de pensar apenas na perda, precisamos pensar
em como reverter isso e também repensar o que esperamos dessa geração. O que
pode ser feito? Precisamos repensar a maneira de ensinar de maneira remota,
porque ela é diferente, precisa de maior interação e isso em todos os níveis,
do ensino fundamental até a universidade”, afirmou.
Carter
apresentou os resultados de um estudo do PEW Research Center que mostrou como a
questão da reabertura das escolas também foi politizada nos Estados Unidos.
“Entre a população negra, latina e asiática, 80%, 69% e 72%, respectivamente,
preferiam esperar a reabertura das escolas até que todos os professores fossem
vacinados. Entre os brancos esse percentual foi de 51%. Há uma diferença grande
também quanto à renda. Mas o principal destaque é que essa questão foi,
sobretudo, muito politizada. Enquanto 79% dos democratas preferiam esperar a
vacinação dos professores, apenas 34% dos republicanos tinham a mesma opinião”,
relatou.
França: educação e confinamento
Na França,
o período de dois meses em que crianças e adolescentes tiveram aulas remotas
também foi analisado por pesquisadores. “Na França não temos uma tradição
de pesquisa sobre o envolvimento parental na educação dos filhos. Também não
usávamos o ensino remoto antes da pandemia. Por isso resolvemos observar os
efeitos que o peso da educação remota teria para os pais e começamos a ver como
as desigualdades se manifestam e se ampliam nesse contexto”, disse Romain
Delès, da Université de Bordeaux na França.
Para
entender essa situação inédita de ensino remoto no país durante o período
de confinamento, o pesquisador elaborou um questionário para todos os pais e
responsáveis de alunos do sistema educacional francês e entrou em contato com
mais de 63 mil escolas públicas e privadas, do jardim de infância ao ensino
médio. Mais de 32 mil pais e responsáveis responderam à pesquisa.
“Se, por
um lado, o ensino remoto foi compulsório, por outro, todas as famílias
estavam livres para fazer o que quisessem para apoiar as crianças. Os
professores enviavam trabalhos diários, mas os pais podiam escolher como e
quando auxiliar o trabalho da escola Os professores davam suporte, mas os pais
poderiam escolher entre internet ou programas de TV exclusivos para esse
período. Essa liberdade foi uma espécie de armadilha para algumas famílias”,
disse.
De acordo
com o estudo conduzido por Delès, a participação dos pais nas atividades
escolares foi próxima de 100% entre as famílias cujos filhos cursavam
as séries iniciais e passou a cair a partir da oitava série (86%). “Os
pais das classes mais ricas afirmaram que o período de confinamento e o ensino
remoto não representaram um grande problema. Eles estavam otimistas com
essa novidade por estarem juntos fazendo algo que não faziam antes. Havia até
um mecanismo para minimizar o esforço escolar.”
Outro
achado da pesquisa foi que as classes mais ricas puderam tirar vantagens de
formas mais variadas de apoiar os seus filhos, criando situações de ensino
não tão escolares e que priorizaram as artes plásticas, cultura e música
para avançar o aprendizado. “Houve uma preocupação em garantir maior autonomia
das crianças em aprender e o uso de formas alternativas de auxiliar o ensino,
não tão focadas na lição de casa”, disse.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/especialistas-defendem-acesso-a-internet-e-tecnologias-de-ensino-como-bens-publicos/35359/
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