Instituições
morrem. Se não sofrem de morte física, padecem os tormentos da morte moral. Em
breve, o escorregador da desonra não permitirá mais a muitos de seus membros mesa
no restaurante, abraço dos amigos, pé na calçada da rua. Também assim se
evidencia a tragédia brasileira. Sem a mais tênue sintonia com a sociedade,
salvo honradas exceções, seus membros afirmam em tom orgulhoso que as
instituições “estão funcionando”. Que bolha pensam habitar?
A mais alta corte de Justiça
do país, em duas inteiras e consecutivas sessões plenárias, decidiu, por nove
votos contra um, que o líder de uma das duas maiores facções criminosas do
país, condenado por tráfico internacional de cocaína, beneficiado por habeas
corpus, deveria voltar para a cadeia... Ah! Se não houvesse tal decisão, quem
prendesse o tal André do Rap por ordem de Luís Fux, teria que soltar pela ordem
de Marco Aurélio? Note-se que André do Rap, nome de guerra do gajo, forneceu
endereço falso e saiu da prisão diretamente para seu jatinho. Com ele, bateu
asas e voou. Mas o STF brasileiro precisava confirmar que o habeas corpus
concedido pelo insólito ministro Marco Aurélio não estava mais vigendo.
Ao cabo de dois dias de
sessão, o Supremo concluiu que André, quando capturado, deve voltar para a
prisão porque seu comportamento posterior à soltura violou as condições em que
esta lhe foi concedida.
Enquanto assistia estupefato
aos votos dos senhores ministros eu me perguntava o que estaria passando pela
cabeça dos criminosos brasileiros perante aquela ridicularia, passarela de
vaidades para a qual o ministro Marco Aurélio Mello, inevitavelmente, arrasta
qualquer debate. Não lhe passa pela mente que o cidadão brasileiro,
desafortunado pagador do show, é bastante inteligente para saber que se o
ministro estivesse minimamente interessado na nação e não no conforto de seu
arbítrio, deveria ter pedido informações? Usado o telefone? Em juízo criminal, o
bom juiz deveria, sim, olhar quem é o sujeito do processo para identificar quem
lhe pede habeas corpus. Não sabe o ministro que o Brasil é um país inseguro
porque há, nas ruas, centenas de milhares de indivíduos que deveriam estar
presos porque são criminosos profissionais? Que existem mais de 300 mil
mandados de prisão para serem cumpridos? Que o Brasil, por essas sutilezas de
linguagem, trata como “presos provisórios” inclusive tipos de alta
periculosidade, condenados em duas e até em três instâncias que jogam com as
chicanas processuais enquanto buscam a prescrição?
O cidadão comum, cumpridor de
suas obrigações, trabalhador responsável, sabe que apenas um número
infinitesimal dentre os mais de 700 mil detentos nas prisões do país tem acesso
expedito a um gabinete do STF. Menos ainda a deferência de duas sessões
plenárias consecutivas para cuidar do seu caso. Chega a ser ridículo o ar
solene com que algo tão burlesco é levado à plateia nacional.
Não, leitor, não olhe para o
outro lado da praça. Lá funciona, solidário e majoritário, sem credo nem cor,
ativo mecanismo de autoproteção. Ele exerce a prerrogativa de gerar uma
legislação penal e processual para cuidar do passado, presente e futuro de
todos os seus membros enquanto as instituições morrem na alma nacional.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário,
escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus
brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
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