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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Recusa a deixar home office e retornar ao trabalho presencial pode render demissão

Saiba os direitos e deveres de empresas e funcionários

 

A flexibilização das medidas de isolamento social no país está provocando a reabertura de empresas, escritórios, bares, restaurantes, hotéis, entre outros, em conformidade com as determinações sanitárias das autoridades de cada município ou Estado. De acordo com especialistas, é necessário que trabalhadores e empregadores se atentem aos seus direitos e deveres no momento de retomada do trabalho presencial e do encerramento do trabalho remoto. Se por um lado o funcionário é obrigado a retornar ao ambiente de trabalho sob pena de demissão por justa causa caso haja recusa, também é o seu direito questionar a mudança na Justiça.

A empresa, segundo a legislação em vigor, pode unilateralmente retirar o empregado do teletrabalho e determinar seu retorno ao trabalho presencial, afirma o doutor em Direito do Trabalho e professor Eduardo Pragmácio Filho, sócio do Furtado Pragmácio Advogados. "Por outro lado, a empresa deve observar as normas de saúde e segurança do trabalho e todos os protocolos sanitários exigidos pela Portaria Conjunta nº 20/2018 do Ministério da Saúde e da Secretaria e Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, que prevê uma série de medidas preventivas e de combate o Covid-19. Dentre elas, a criação e registro de um plano de retomada, a ostensiva informação e treinamento aos trabalhadores, a observância do distanciamento mínimo entre pessoas, ventilação e limpeza dos ambientes, a promoção de higiene das mãos e da etiqueta respiratória, entrega de máscaras e de outros equipamentos, etc".

Com o retorno ao ambiente da empresa, são retomados direitos como o vale-transporte ou meio de locomoção fornecido pelo empregador, entre outros benefícios concedidos antes da pandemia. É possível ainda que haja acréscimo na remuneração já que os empregados, em regime de home office, não estavam sujeitos ao controle de jornada e não tinham direito a verbas decorrentes de horas extras e adicional noturno.

“O que foi acordado anteriormente quanto à entrada no home office pelo trabalhador e o empregador será extinto e são retomadas as condições normais de trabalho anteriormente pactuadas, devendo se levar em consideração as recomendações do Ministério da Saúde”, observa Ruslan Stuchi, advogado trabalhista e sócio do escritório Stuchi Advogados.

professor de pós-graduação da PUC-SP e doutor em Direito do Trabalho, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, salienta que o direito de maior importância neste momento de retomada diz respeito ao ambiente sadio em relação a todas as medidas possíveis e necessárias de proteção a esses empregados. E a empresa que não seguir todas as recomendações poderá ser penalizada. "O dever principal é seguir as regras de saúde e segurança impostos pelo empregador e pelo Estado. Importante destacar decisão recente do STF que reconhece a possibilidade  de eventual responsabilidade do empregador no caso de contágio do coronavírus de seu funcionário. Assim, todos os protocolos de seguranças vigentes em razão da pandemia mais os já inseridos nas normas regulamentadoras e na CLT devem ser seguidos obrigatoriamente", orienta.


Grupo de risco

Atualmente, não há norma legal que obrigue a empresa a manter o funcionário em regime de trabalho remoto durante a crise sanitária. Entretanto, a recusa do empregado a voltar a trabalhar de forma presencial, principalmente daqueles do chamado grupo de rico - pessoas acima de 60 anos e portadores de doenças crônicas -  deve ser bem justificada, com parâmetros médicos. O simples fato de ter receio de contaminação no transporte público ou na empresa, segundo os especialistas não é motivo para a recusa ao trabalho. A empresa, por outro lado, deve deixar sempre registrado que informou trabalhadores dos riscos a que eles estão submetidos e que tomou todas as medidas preventivas para evitar a doença.

“Se o trabalhador se recusar a retornar ao trabalho sem estar no grupo de risco ou ter o nexo causal de que a empresa não atende às condições de segurança, pode ser demitido sem justa causa, com base no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Porém, recomenda-se que o empregador tenha um certo ‘jogo de cintura’ para lidar com esta situação, pois muitas pessoas estão com medo de contrair o vírus e até mesmo passar para os seus familiares”, lembra Bianca Canzi, advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

Freitas Guimarães destaca que apenas aqueles empregados que possuam uma razão fundamentada para a recusa do retorno poderão continuar em casa."Apenas como exemplo, aqueles que pertençam a eventual grupo de risco por comorbidades ou idade, essa recusa se bem documentada pode ser de maior importância que o poder de comando do empregador. Caso contrário pode ocorrer a dispensa em caso de recusa. Na verdade, é um direito do empregador, tendo em vista que nosso sistema jurídico assim admite. Havendo necessidade de retorno e o empregado se recusando sem uma razão justa e documentada, a empresa poderá convocá-lo e na hipótese de não retorno, poderá até configurar oportunamente justa causa por abandono de emprego", explica o professor.

Para o professor Eduardo Pragmácio Filho, o retorno dos funcionários do grupo de risco é uma questão polêmica e que envolve um debate bioético. "No Brasil não existe uma norma expressa e direta que trate do assunto. O dilema é o seguinte: quem vai arcar com os custos da inatividade do trabalhador em grupo de risco? Em princípio, o trabalhador somente poderia pedir uma despedida indireta, com base na exposição ao risco considerável à sua saúde, mas isso implicaria o término do contrato de trabalho. Por outro lado, com base na aplicação dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, é possível argumentar um certo direito ao teletrabalho aos empregados do grupo de risco, fazendo com que deixe de ser uma prerrogativa oriunda do poder diretivo do patrão, escolher ou não a forma de se empreender o trabalho, passando a ser um autêntico direito fundamental inespecífico do trabalhador que está no grupo de risco, uma vez que, no caso concreto, o direito à saúde do empregado prevalece sobre a livre iniciativa do empregador. Isso, no entanto, demandaria o ajuizamento de uma ação judicial ou a negociação de uma norma coletiva a respeito, fato que seria inédito no Brasil", fundamenta. 

E Pragmácio Filho ressalta que a despedida de um empregado do grupo de risco pode ser entendida com uma despedida discriminatória. "Nesse caso a empresa deve ter cuidado redobrado, pois a dispensa de empregados no grupo de risco pode ser passível de reintegração ao emprego e de pagamento de indenização. A melhor solução, ao meu ver, seria negociar uma cláusula em acordo ou convenção coletiva, prevendo licenças ou diminuição de carga horária ou flexibilização de jornada", alerta.

Também tem sido o entendimento da Justiça de que as empresas, além de seguir as normas de segurança de trabalho vigentes antes da crise sanitária, devem atuar para prevenir o contágio dos seus funcionários por Covid-19. "Neste caso da pandemia, se necessário o trabalho presencial, as empresas deverão fornecer os equipamentos necessários à proteção do empregado, de acordo com as atividades desenvolvidas, assim como a disponibilização de álcool em gel, o distanciamento mínimo de terminais de trabalho e a fiscalização do uso da mascará", destaca Ruslan Stuchi.


Insegurança jurídica

A possibilidade de trabalhadores ingressarem na Justiça para questionar o fim do home office está inserida em um contexto onde já há uma tendência no aumento do número de ações trabalhistas por conta da crise sanitária. Conforme levantamento do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, realizado pelo site Consultor Jurídico, em conjunto com a empresa Datalawyer e a instituição de ensino Finted, o número de ações relacionadas à pandemia da Covid-19 (coronavírus) já havia crescido 522% entre março e abril. Além disso, valores relacionados a verbas rescisórias durante a crise sanitária haviam alcançado a cifra de R$ 1 bilhão no período.

advogado e professor Fernando de Almeida Prado, sócio do escritório BFAP Advogados, avalia que a pandemia tem resultado em maior judicialização das relações de trabalho. “Aumenta a litigiosidade dos ex-empregados e sindicatos. Temos visto um grande aumento de ações coletivas e individuais. As ações coletivas, ajuizadas por sindicatos ou pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), buscam condenar as empresas em obrigações de fazer consistentes em medidas de segurança. Nas ações individuais, cobram-se verbas pontuais não pagas, como as verbas rescisórias”, detalha.

O fato de a Medida Provisória (MP) 927 ter perdido a validade em julho, após não ter sido analisada pelo Congresso Nacional, pode ainda incentivar o aumento da insegurança jurídica. A medida havia sido editada pelo governo em março para determinar que as empresas poderiam instituir o home office de forma unilateral, sem a necessidade de acordos individuais ou da autorização dos sindicatos, e que o trabalho remoto também ficaria dispensado do controle de jornada.

O advogado Ruslan Stuchi explica que os atos praticados pelas empresas durante a vigência da MP são válidos, embora o teletrabalho tenha voltado a depender da autorização do trabalhador ou de entidade sindical, assim como o controle da jornada. “O texto foi uma reação do governo frente à pandemia, visando facilitar a manutenção dos postos de trabalho. Tendo assim a MP 927 perdido a sua validade, as regras nela contida estão revogadas e, consequentemente, voltam a produzir os efeitos das previsões da CLT a partir de 20 de julho de 2020”, relata.

Para os professores Freitas Guimarães e Pragmácio Filho, todos os atos consumados entre empregados e empregadores na vigência da MP 927 são válidos e não sofrem prejuízo da caducidade da Medida Provisória.

"O fato de o trabalhador estar em teletrabalho, mesmo com a caducidade da MP 927, não traz maiores preocupações quanto a passivos trabalhistas. A empresa, no entanto, deve ficar atenta a alguns pontos que podem gerar passivos ao longo do tempo, como é o caso de um eventual pedido de reembolso de despesas pela infraestrutura e funcionalidade (água, luz, telefone, internet, computador, energia etc.), ou em eventual adoecimento do trabalhador ocasionado pela inobservância das regras ergonômicas, sobretudo quanto ao mobiliário utilizado. Por fim, apesar de, inicialmente, o teletrabalhador não estar submetido ao regime de duração do trabalho, ou seja, não tem controle de jornada e portanto não tem horas extras, mesmo assim a empresa deve se certificar se não existe mesmo esse controle, ainda que indireto, para não gerar passivo de jornada extraordinária", esclarece Pragmácio Filho.



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