O limite é uma experiência afetiva que atinge tanto pais quanto filhos. Ninguém sai ileso e muitas vezes é difícil mesmo dizer um “não”. Sentimos pena, hesitamos e, às vezes, acabamos cedendo. A criança percebe tudo, inclusive nossa insegurança. Mas, nem por isso devemos deixar de impor limites. Frustrar é altamente saudável e, também, necessário para a constituição do ser humano. Ao mesmo tempo, a falta de limite é o pior estado de angústia. Ao estabelecer os limites é preciso sustentá-los com firmeza.
À primeira vista essas afirmações podem parecer
duras, mas são a pura verdade. Se você, pai ou mãe, concorda com as afirmativas
acima, então está no caminho certo na tarefa de colocar limites nos filhos e
possibilitar que eles respondam pelos próprios erros e comecem, assim, a
construir sua autonomia.
Não existe uma receita pronta que mostre como
criar e educar os filhos. Atualmente é mais difícil do que parece. Precisamos
saber que toda autoridade é construída pela palavra e é por meio dela que
construímos as regras junto com os pequenos. Se eles são informados a respeito,
é legítimo cobrá-los e exigir que as regras sejam respeitadas. Afinal, todo
limite que você coloca para seu filho é para o bem dele e seu também.
Em meio a tudo isso, há um processo que dificulta
o respeito às regras: são as mentiras. Os pais ficam de cabelo em pé quando
percebem que o filho está mentindo. A primeira reação é dar bronca, colocar de
castigo e depois tentar uma conversa. Mas, qual seria a melhor reação dos pais
quando descobrem uma mentira contada pelo filho?
De início devemos saber que crianças de até cinco
anos de idade não conseguem separar a fantasia do real. A imaginação faz parte
do desenvolvimento normal da criança e é base para o pensamento lógico que o
adulto tem. Com o passar dos anos, porém, a fantasia dá lugar à noção de
realidade, sem desaparecer totalmente.
A partir dos seis anos, a criança ainda brinca
com a sua imaginação e cria situações que não são reais. Nesse período, as
invenções já são bem menores. A mentira se torna algo intencional a partir dos
sete anos, quando a criança já adquiriu noções de valores sociais e sabe
exatamente a diferença entre verdade e mentira e quando ela, a mentira, pode
prejudicar o outro.
Normalmente, as crianças maiores mentem por temer
repreensões e castigos, para fugir das suas responsabilidades ou chamar a
atenção dos pais. Ou seja, uma criança vai mentir que está doente para não ir à
escola, inventa que tem milhares de amigos no Facebook ou que fez uma viagem
maravilhosa com os pais no fim de semana simplesmente para não ficar “por
baixo” dos amiguinhos.
Mesmo que a criança, desde pequena, ainda não
saiba diferenciar a fantasia do real, os pais devem lhe mostrar o que é mentira
e o que é fantasia. Se a criança na fase pré-escolar traz um material didático
estranho e diz que a amiguinha lhe deu de presente, confirme se a história é
mesmo real. Se não, diga à criança que aquilo não é seu e que não lhe foi dado,
fazendo-a devolver para a colega. A criança inventou uma história, mas ainda
não sabe distinguir o real da fantasia. Assim, a verdade precisa ser mostrada
de maneira orientativa.
Outro aspecto que precisa ser observado é que o
exemplo dos pais pode levar as crianças a mentir. Se os pais mentem pedindo
para o filho dizer que não está quando o telefone toca ou são tolerantes quando
o pequeno mente, a criança poderá achar natural mentir e fica sujeito a
fazê-lo.
Se tiver dúvida sobre a história da criança, não
insista, peça que conte a história horas mais tarde e compare as versões ou
faça perguntas amplas como: “O que aconteceu na escola?” em vez de “Te bateram
na escola?”. “A professora gritou mesmo com você?” e “O que você fez para ser
encaminhado à diretoria?”.
A criança deve sentir que ao contar a verdade
terá a admiração e confiança dos pais, professores e amigos e que a mentira
“tem perna curta” e logo será descoberta e desaprovada por todos.
Broncas severas ou castigos podem levar a criança
a mentir mais vezes para não receber novamente esse tipo de punição. Mostrar os
benefícios da verdade e os prejuízos que a mentira traz para a própria criança
e para as outras pessoas é o melhor caminho. Quando o comportamento mentiroso é
muito frequente ou se estende muito além dos sete anos, uma ajuda profissional
deverá ser procurada.
Nesse universo, os psicólogos concordam sobre “as
falas dos adultos afetarem a autoimagem, a autoestima da criança e, muitas
vezes, determina o seu caráter, a sua personalidade e até mesmo o seu destino”.
Segundo os especialistas, há uma conexão direta entre o modo de as crianças sentirem
e o modo de se comportarem. Quando elas se sentem bem, se sentem aprovadas,
admiradas, respeitadas, se comportam bem.
Alguns profissionais ainda concordam que a
capacidade de dizer mentiras a partir dos dois anos de idade é um sinal do
desenvolvimento rápido do cérebro e significa que essas crianças estão
propensas a serem manipuladoras e usarem as informações que a cercam como
vantagem. Essa capacidade está ligada ao desenvolvimento das regiões do cérebro
que permitem que as funções executivas aflorem, o que fará dessa criança um
grande empresário no futuro ou um indivíduo dinâmico, porém,
marginalizado.
Portanto, atenção pais para as pequenas mentiras
que, com o tempo, poderão ganhar proporções que dificultem uma vida de
convivências saudáveis.
Sueli
Bravi Conte - especialista em educação, mestre em neurociências, psicopedagoga,
diretora e mantenedora do Colégio Renovação, instituição com mais de 35 anos de
atividades do Ensino Infantil ao Médio, com unidades nas cidades de São Paulo e
Indaiatuba.
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