A confecção de minicenários em um ambiente altamente turbulento e de elevado grau de incerteza permite reforçar alguns temas que têm sido estudados e discutidos por especialistas sobre os campos científicos que suportam os conceitos básicos da construção e do planejamento de cenários. Uma delas é o desenvolvimento da habilidade Pensamento Sistêmico pelos peritos envolvidos no processo devido, principalmente, à complexidade de "imaginar" o futuro em um ambiente altamente volátil, e a transdisciplinaridade dos temas que fizeram parte dos cenários.
Outra contribuição da construção de minicenários, em um ambiente de abundância
de informações muitas vezes contraditórias, é a possibilidade de identificação
de determinadas heurísticas e vieses no processo de identificação das
tendências, incertezas e rupturas.
A mais frequente é, normalmente, a presença da heurística da disponibilidade,
isto é, o uso das informações disponíveis no desenvolvimento de julgamentos,
mesmo que estas sejam contraditórias e de pouca relevância. Outro viés
encontrado nos resultados da construção de cenários é a da perseverança na
crença, no qual muitos peritos mantêm fortemente suas opiniões, em relação ao
comportamento das variáveis sociais e econômicas.
O envolvimento de um grande número peritos, oriundo de diversos campos do
conhecimento, origens, experiências e de diferentes instituições, pode ser
considerada como uma construção coletiva das visões de futuros. Com isso,
podemos associar, de forma implícita e subjacente, os conceitos básicos do
construtivismo social. Para alguns autores, a construção social move debates
sobre o mundo atual e suas muitas opções de futuros, abrangendo desde temas
simples e imediatos até processos mais complexos de autocompreensão e mediação
de poder.
Para as organizações, a construção de minicenários durante períodos altamente
turbulentos oferece possíveis caminhos e visões alternativas, plausíveis e
coerentes, de variáveis incontroláveis em um ambiente de forte incerteza, o
qual é caracterizado pela geração de um grande número de previsões,
caracterizadas, na sua maioria, de visões pessoais de como o futuro
"deveria ou deverá" ser.
A geração de oportunidades e ameaças decorrentes dos minicenários escritos
oferece uma base de análise para a formulação de ações e organização dos
recursos necessários para a construção de planos estratégicos, com o
estabelecimento de metas e medidas de desempenho.
É preciso lembrar que o planejamento de cenários no Brasil ainda não é uma
prática comum nas organizações e empresas. E mesmo naquelas organizações que
aplicam este tipo de planejamento, os diretores e gerentes não conseguem
"traduzir" as informações prospectivas em ações efetivas. Uma vez que
muitos minicenários, como histórias, olham para o futuro de um ambiente mais
amplo (Mundo, País, Região), para determinados atores não está claro o que
fazer com eles. Ter uma metodologia que além dos cenários já ofereça ameaças e
oportunidades independente do cenário, em tese, diminui consideravelmente esta
dificuldade de seu uso nos processos de planejamento.
E sobre este ponto, deve-se ressaltar que uma vez que os cenários não são um
fim em si mesmos, eles devem ser usados para melhorar a qualidade da tomada de
decisão executiva. Isto significa dizer que embora o desenvolvimento de
histórias coerentes, imaginativas e úteis seja importante,traduzir suas
implicações em decisões executivas e, finalmente, em ações estratégicas é a
razão de ser dos cenários.
Em ambientes altamente turbulentos e incertos, a capacidade de tomada de
decisão das organizações fica sobrecarregada pelo grande número de informações
recebidas. Quando existe a possibilidade de moldar e desafiar os modelos
mentais, a construção de minicenários e seu uso no processo de planejamento é
uma metodologia poderosa na geração de novas ideias e insights que melhoram a
tomada de decisões.
Outra grande contribuição da metodologia de construção coletiva de minicenários
é a aprendizagem gerada por e para cada um dos envolvidos, seja perito ou
membros do grupo de controle. Uma visão compartilhada está ligada ao
aprendizado e domínio pessoais. Como as outras disciplinas, a visão
compartilhada é crucial para a formação de organizações e equipes de
aprendizagem.
A identificação de tendências e incertezas sobre o futuro a partir de um grupo
consideravelmente heterogêneo, a sua consolidação em cenários coerentes e
plausíveis e a identificação de ameaças e oportunidades desafia boa parte do
conhecimento, valores e crenças previamente estabelecidos pelos envolvidos. Evitar
a predominância de um olhar tendencial e fundamentalmente pessimista, em um
momento de grande crise, exige uma ampliação da visão sistêmica das
complexidades dinâmicas e interrelações que poderão definir o futuro. Em vez de
prever um conjunto limitado de variáveis-chave, focadas, a construção de
minicenários permite a ampliação do olhar sobre um momento de crise e seus
impactos futuros.
Marcello Pio - Químico
Industrial com Doutorado em Gestão e Inovação Tecnológica Integrante do Grupo
de Pesquisa e Estudos Prospectivos Mackenzie - NEP-MACKENZIE, da Faculdade
Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB).
Nenhum comentário:
Postar um comentário