Sistema criado na Unicamp com materiais baratos e biodegradáveis permite a liberação controlada de composto larvicida e pode ser usado em pequenos volumes de água (fotos: Ana Silvia Prata) |
O amido de milho, uma matéria-prima abundante,
barata e biodegradável, foi a base usada por pesquisadores da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) para o desenvolvimento de partículas capazes de
armazenar e liberar controladamente compostos ativos letais para as larvas do
mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika, febre
amarela e chikungunya.
A metodologia teve a patente requerida por meio da
Agência de Inovação da Unicamp (Inova) e foi descrita em artigo na revista Industrial Crops and Products.
No trabalho, apoiado pela FAPESP e coordenado por Ana Silvia Prata, professora da Faculdade de
Engenharia de Alimentos (FEA-Unicamp), foi testado o óleo essencial de tomilho
como agente larvicida. Esse óleo também é biodegradável e, na concentração
usada na pesquisa, não oferece riscos à saúde humana.
“Conseguimos obter uma partícula que se comporta
exatamente como os ovos do Aedes. Enquanto o ambiente está seco, ela se
mantém inerte e conserva o agente ativo protegido. A partir do momento em que
entra em contato com a água, começa a inchar para permitir a liberação do
larvicida. Após três dias, período em que os ovos eclodem e tem início a fase
larval, a partícula passa a liberar quantidades letais do princípio ativo na
água”, disse Prata.
A ideia do projeto foi desenvolver um sistema de
liberação controlada de larvicida para pequenos volumes hídricos, como vasos de
planta, pneus, garrafas e entulhos diversos que podem virar criadouro do
mosquito no ambiente urbano.
Segundo Prata, as autoridades sanitárias têm se
preocupado em tratar com larvicidas caixas d’água e outros grandes
reservatórios, mas estudos epidemiológicos indicam que 50% dos focos do Aedes
estão em pequenas poças.
“Como o custo é baixo, o governo poderia produzir
essas partículas e distribuí-las para a população, para que fossem espalhadas
em locais da residência com potencial para acumular água da chuva, como medida
complementar à conscientização da população e da luta contra a dengue”, disse.
Resultados dos testes feitos na Unicamp indicam que
as partículas poderiam se manter funcionais durante aproximadamente cinco
ciclos de chuvas. Após o primeiro contato com a água elas liberam apenas 20% do
óleo de tomilho. “Fizemos o teste de deixar o material secar para depois
reidratá-lo e observamos que as partículas voltam a liberar o agente larvicida
normalmente”, contou Prata.
Ainda segundo a pesquisadora, o principal composto
ativo encontrado no óleo de tomilho – o timol – impediu a proliferação de
microrganismos no recipiente contendo a água, evitando que as partículas
estragassem rapidamente depois de molhadas.
Método de produção
O ciclo de vida do Aedes aegypti é formado
por quatro etapas: ovo, larva, pupa e mosquito adulto. O período total de
desenvolvimento pode variar de cinco a 10 dias, tornando-se mais curto à medida
que a temperatura aumenta. A fase larval, na qual o inseto está confinado no
ambiente aquático, é considerada a mais estratégica para as ações de combate.
“Com base nessas informações, começamos a pensar em
como deveria ser a partícula. Um de nossos colaboradores – Johan Ubbink
[California Polytechnic State University, Estados Unidos] – sugeriu produzi-la
por uma técnica conhecida como extrusão, a mesma usada na fabricação de
salgadinhos de milho”, disse Prata.
O método consiste em forçar a passagem da massa de
amido úmida e aquecida por um pequeno buraco. Normalmente, a ação da
temperatura e da pressão exercida por uma rosca faz com que o material se
expanda após a passagem pelo orifício.
“Adaptamos o processo, adotando uma temperatura
mais branda e uma rotação de rosca mais suave, para que não ocorresse a
expansão do material. Caso contrário, a partícula amoleceria rapidamente ao
entrar em contato com a água, liberando o princípio ativo todo de uma vez”,
disse Prata.
Outro desafio do grupo foi encontrar a composição
adequada da matéria-prima. Como explicou a pesquisadora, o amido – seja ele de
trigo, milho ou qualquer outra fonte – é composto fundamentalmente por frações
variáveis de amilose e amilopectina. A quantidade de cada um desses componentes
determina características como viscosidade e estrutura (capacidade de não se
desfazer em contato com a água).
“Testamos formulações que tinham de 1,8% até 76% de
amilose. E avaliamos, em cada caso, qual era o comportamento de lixiviação [o
quão rápido a partícula se desfaz] e de inchamento no meio aquático”, disse
Prata.
Ao mesmo tempo em que avaliavam esses dois aspectos
da partícula, dosando a quantidade de óleo de tomilho liberada em função do tempo
de contato com a água, os pesquisadores também observavam a atividade larvicida
do composto ativo. O teste consistiu em medir a concentração necessária para
matar 99% das larvas – parâmetro conhecido com CL99.
“O CL99 do óleo de tomilho não encapsulado é de
aproximadamente 70 microgramas por mililitro [µg/ml]. Quando colocamos esse
composto dentro da partícula, o valor diminui para 31 µg/ml, ou seja, nosso
sistema de liberação controlada aumentou a ação larvicida”, disse a
pesquisadora.
Ainda assim, o CL99 do composto natural permaneceu
bem mais baixo que o de agentes sintéticos, como o temefós. A vantagem, segundo
Prata, é que por ter uma composição química complexa, com outras moléculas
ativas além do timol, é mais difícil para o inseto desenvolver resistência.
O grupo também testou como larvicida o extrato de
jambu. O resultado foi similar ao observado com o tomilho, porém, o custo foi
cerca de 15 vezes maior.
“O óleo essencial de tomilho é um material
altamente disponível, vendido comercialmente e representa apenas 5% da
composição da partícula – os outros 95% são amido de milho, que é muito barato.
Por isso consideramos a técnica facilmente escalonável”, disse a professora da
FEA-Unicamp.
O grupo da FEA-Unicamp avalia, no momento, a
possibilidade de usar as mesmas partículas para encapsular bactérias fixadoras
de nitrogênio, que auxiliam no crescimento de plantas. O material poderia, em
tese, reduzir a quantidade de fertilizantes usados na agricultura. “Essa é uma
teoria que pretendemos testar em um futuro projeto”, disse Prata.
O artigo Improved activity of thyme essential
oil (Thymus vulgaris) against Aedes aegypti larvae using a biodegradable
controlled release system, de Juliana Dias Maia, Roseli La Corte, Julian
Martinez, Johan Ubbink e Ana Silvia Prata, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0926669019301967?via%3Dihub#!.
Agência FAPESP - http://agencia.fapesp.br/particula-feita-de-amido-de-milho-e-oleo-de-tomilho-combate-larvas-de-iaedes-aegypti-i/31130/
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