Desde sempre, a efetiva implantação de Unidades de
Conservação (UCs) no Brasil foi um problema. Um dos principais fatores que pode
ser apontado como responsável por essa circunstância foi a constante falta de
recursos financeiros destinados a implementar esses espaços territoriais
ambientalmente protegidos (CF/88, art. 225, p. 1o, III), seja no que toca à
indenização dos proprietários, seja no que se refere ao investimento na criação
da indispensável infraestrutura.
Quanto ao primeiro, diga-se que a Constituição
Federal, em seu art. 5o, XXIV, estabelece que a desapropriação deve se dar
mediante justa e prévia indenização em dinheiro, mas, na prática, raríssimas
vezes isso acontecia em situações reais. Em relação ao segundo aspecto, o fato
é que as UCs no Brasil normalmente eram criadas e abandonadas à sua própria
sorte, fato que gerou a expressão “parques de papel”, para designar os espaços
protegidos criados pelo Poder Público, mas que nunca chegavam efetivamente a
ser implantados.
A Lei n. 9.985/00, que criou o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação no Brasil (SNUC), tentou, de alguma forma, mudar
esse quadro, ao estabelecer a necessidade de uma compensação ambiental em
dinheiro a ser paga pelo empreendedor de atividades potencialmente causadoras
de significativa degradação ambiental, que seria destinada justamente à criação
e à implantação de UCs (art. 36). O Supremo Tribunal Federal, conquanto tenha
alterado em parte o dispositivo (no que se refere aos parâmetros da compensação),
considerou-o constitucional, por ocasião do célebre julgamento da ADI n.
3.378-6/DF, Rel. Min. Carlos Ayres Britto.
Por longos anos, contudo, a destinação da verba
compensatória sempre ficou a cargo dos órgãos públicos, variando de Estado para
Estado a maior ou menor dificuldade em investir na criação e na implementação
efetiva de UCs, sendo certo que, de uma maneira geral, a situação inicial em
pouco ou em nada mudou.
No último mês de maio, foi aprovada no Plenário do
Senado a Medida Provisória n. 809/2017, hoje convertida na Lei n. 13.668/18
que, entre outros assuntos, autoriza o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) a selecionar, dispensando licitação prévia, uma
instituição financeira oficial para criar e administrar um fundo privado a ser
integralizado com recursos oriundos da compensação ambiental. O mesmo se diga
dos demais órgãos estaduais e municipais gestores de UCs em seus respectivos
territórios.
Depositado o valor no banco escolhido, o
empreendedor tem considerada cumprida a sua obrigação e a instituição
financeira irá gerir diretamente os recursos, podendo inclusive realizar a
desapropriação de imóveis indicados pelo ICMBio ou pelo gestor
estadual/municipal. A novidade é promissora.
Com efeito, estima-se que bilhões de reais que hoje
encontram-se represados em fundos de compensação ambiental em todo o país, à
espera da desburocratização e da retirada de entraves, possam ser direcionados
à desapropriação e à boa gestão das UCS.
Na Exposição de Motivos, que acompanhou a Medida
Provisória (EMI n. 00036/2017 MMA MP), afirma-se que o potencial turístico das
Unidades de Conservação, apesar de imenso, é subaproveitado, o que se deve
justamente a burocracias jurídicas e alguns operacionais específicos. Afirma
ainda que, no ano de 2016, foram registrados por volta de oito milhões e
trezentos mil visitantes nas Unidades de Conservação federais, principalmente
em dois Parques Nacionais (Tijuca e Iguaçu), que possuem infraestrutura para
uso público e para serem objeto de parceria com a iniciativa privada.
Aliás, este é outro grande avanço da lei, qual seja
a possibilidade - agora expressamente prevista - de concessão, via processo
licitatório, de serviços, áreas ou instalações de UCs para a exploração de
atividades de visitação voltadas à educação ambiental, à preservação e à
conservação do meio ambiente, e ao turismo ecológico, etc. A experiência tem
revelado que, uma vez transferidas à iniciativa privada, essas atividades em
geral passam a ter eficácia e qualidade superiores.
Como se sabe, o modelo brasileiro de UCs
inspirou-se, em grande medida, nos Estados Unidos, país onde foi criado o
primeiro Parque Nacional do planeta (Yellowstone, que alcança o território de
três Estados daquela Federação) e exemplo de gestão desses espaços. Contudo, na
prática, estamos muito distantes de atingir os níveis desejáveis de
desenvolvimento das UCs. A lei que acaba de ser editada pode representar um
importante passo na busca da possibilidade de permitir o desenvolvimento desses
importantes espaços protegidos brasileiros, que muito têm a contribuir para a
conservação da natureza.
Marcelo Dantas - advogado, doutor em Direito e
membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
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