O Superior
Tribunal de Justiça decidiu, nesta terça-feira (19), que um ex-companheiro
pode visitar cadela de estimação adquirida durante união estável e que ficou
com a mulher na separação.
Apesar de
estarem juridicamente enquadrados na categoria de bens semoventes – passíveis
de posse e propriedade - os animais de estimação não podem ser vistos como
meras “coisas inanimadas”, segundo a maioria dos ministros da 4ª Turma
do STJ. Por isso, ao analisar cada caso concreto, devem ser considerados
elementos como a proteção do ser humano e o vínculo afetivo estabelecido com o
animal.
Apesar de
garantir a convivência do ex-companheiro com a cadela, a Turma descartou a
possibilidade de equiparação da posse de animais com a guarda de filhos, ou o
reconhecimento dos bichos como sujeitos de direitos. Com o julgamento, o
colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo - que fixou as
visitas em períodos como finais de semana alternados, feriados prolongados e
festas de final de ano.
O que os
especialistas pensam sobre o assunto
Hannetie
Sato, especialista em
Direito de Família do Peixoto & Cury Advogados, diz que o ponto é
que o vínculo afetivo que liga um animal de estimação aos seus donos é fato
social e que deve se tornar um fato jurídico. “Ou seja, devemos trazer para o
mundo legal essas relações que existem na sociedade atual e que não foram
previstas pela lei”.
“Reconhecer
que os mesmos princípios aplicados na fixação da guarda e do regime de
convivência de menores são aplicados aos animais de estimação, não significa
equiparação de crianças e adolescentes aos animais estimação, mas uma aplicação
extensiva da interpretação dos dispositivos legais que atualmente temos”,
completa Sato.
Na opinião de
Júlia Fernandes Guimarães, da área de Contencioso Cível do Rayes
& Fagundes Advogados Associados, nos últimos anos, houve uma notável
mudança no tratamento das famílias em relação aos animais domésticos. “Nas
relações de Direito de Família, a previsão de guarda compartilhada dos 'filhos
de quatro patas', em caso de separações, que já se vê com frequência em
julgados estaduais, é um reflexo dessa nova realidade, visando atenuar o grande
sofrimento gerado pela ausência do convívio diário com o animal", afirma.
Para o
advogado Luiz Kignel, especialista em Direito de Família e sócio do PLKC
Advogados, existe uma nova realidade, interessante do convívio dos animais
nas famílias, mas precisa verificar cada caso. “A verdade é que em muitos
núcleos familiares um animal continua sendo animal, mas ele passa a fazer parte
das relações afetivas. Ele é um catalisador das relações afetivas da família.
Não dá para ter uma regra aqui. O animal doméstico faz parte do núcleo familiar
sem ser membro da família. Portanto, não é sempre que ele poderá ser tratado
como um bem partilhável”, analisa. Para Kignel, a decisão do STJ é muito
importante. “Não há fundamento jurídico - e na minha opinião também de
razoabilidade - de atribuir ao animal o tratamento de guarda de filhos. Mas foi
de muita sensibilidade conferir o direito de visitas regulares porque o relacionamento
construído entre um cônjuge e o animal tem valor intangível que deve ser
protegido”, analisa.
Lucas
Marshall Santos Amaral,
do Departamento de Direito de Família do Braga Nascimento e Zilio Advogados,
diz que equiparação de animais de estimação com crianças e adolescentes, para
fins de guarda e convivência familiar, é um tema muito delicado. “Pela falta de
legislação específica, muita gente insiste na opinião de que não se deve
aplicar a equiparação, inclusive pelos problemas que isso poderá gerar”,
afirma.
Ainda de
acordo com o especialista, até mesmo a lista de animais de estimação vem
aumentado a cada dia. “É realidade. Não dá para deixar passar. O Código Civil
usa o termo ‘filho’, ao tratar da guarda e convivência. A lei e o próprio Poder
Judiciário já ratificaram que filho não é só aquele com quem se possui laços
consanguíneos. Portanto, se o tema é afeto, certamente o melhor amigo do homem
é um bom ser a se chamar de filho, pois, tratados como, já são”, diz.
Para a
professora Andrea Cristina Zanetti, do IDP-São Paulo, “cada vez
mais os tribunais se deparam como uma questão contemporânea, consequência de
uma mudança e evolução na relação entre pessoas e animais, em especial os domésticos
ou de estimação”. Segundo ela, isso importa em uma reflexão sobre a
classificação jurídica e tradicional dos animais como bens móveis, extraída do
artigo 82 do Código Civil de 2002. “A compreensão dos animais como bens móveis,
em outros termos, ‘bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por
força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social’,
parece não ser mais suficiente para lidar com pedidos como “guarda
compartilhada” de animais de companhia diante do divórcio de um
casal.
De acordo com
Zanetti, a corrente tradicional opta por manter os animais na categoria de bens
móveis, incluído aí os semoventes, ainda que se possa reconhecer sua
sensibilidade (mantida a tutela contra maus tratos dada por leis especiais como
Lei 9.605/98). “Outra linha sustenta que os animais estariam sujeitos de
direito, incapazes, havendo discussão sobre a classificação de sua
personalidade (ou não, se compreendidos como entes despersonalizados a exemplo
da massa falida)”, argumenta. ”A terceira corrente, que já encontra expressão
em outras legislações, entende que os animais não são coisas, mas também não
são pessoas. Encontram-se, portanto, na categoria intermediária, como seres
sensíveis, sencientes, merecendo tutela especial por isso.”
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