Em
pleno século 21, tema gera polêmica em rodas de amigos, é evitado nas escolas e
encontra resistência para ser inserido no currículo das faculdades na área da
saúde
Há poucos dias um crime terrível
abalou a família do senador e ex-presidente José Sarney. Sua sobrinha-neta,
Mariana, foi morta asfixiada após ter sido violentada pelo cunhado dentro de
sua própria casa.
Família tradicional do Maranhão, de
classe alta, com amplo acesso à educação e informação. Infelizmente, o fato não
é isolado. O autor do crime, um empresário de 37 anos de idade, revelou que foi
movido por paixão incontida que nutria pela vítima. Nas diversas discussões
geradas pelo crime nos sites de notícias e redes sociais, não é difícil
encontrar quem atribua responsabilidade também à vítima.
"Parcela expressiva de homens e
também de mulheres consegue encontrar razões para culpabilizar a vítima por
atos de violência. A escolha das roupas, os locais frequentados ou até mesmo o
fato de sair desacompanhada parecem tornar a mulher culpada por um crime
cometido contra ela", afirma Dr. Thomaz Gollop, Professor Associado de
Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
Brasil: um país machista e patriarcal
O estudo "Percepção sobre
violência sexual e atendimento a mulheres vítimas nas instituições
policiais", promovido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em
agosto, confirma a afirmação.
Ao entrevistar um total de 3625
pessoas com 16 anos ou mais, a pesquisa concluiu que, ainda em 2016, vivemos no
Brasil um sistema cultural machista e patriarcal. Mais que isso, revela que, ao
não aderir aos valores determinados por este sistema, a violência contra a
mulher é tolerada socialmente.
Exemplo disso são os 42% dos homens e
37% das mulheres ouvidos, que concordam com a afirmação de que "mulheres
que se dão ao respeito não são estupradas".
Há também 30%, tanto de homens como de
mulheres, que acreditam que a mulher possa ser culpada em caso de agressão
sexual em função da roupa que estiver usando.
Os grupos que mais discordam de tal
afirmativa são os de 60 anos ou mais (49% de discordância) e aqueles com ensino
superior (82%).
Violência em números
De acordo com a Organização das Nações
Unidas (ONU), a violência contra a mulher é definida como qualquer ato de
violência de gênero que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual,
psicológico, ou sofrimento. Ameaças, coerção ou privação arbitrária de
liberdade também entram neste rol.
Os casos deste tipo de crime são
crescentes no Brasil. Foram quase 750 mil atendimentos realizados no telefone
180, da Central de Atendimento à Mulher, somente no ano passado. Ou seja, média
de pouco mais de duas mil ligações por dia, ou 80 por hora. Este número foi 50%
maior que o registrado no ano anterior.
O inimigo dentro de casa
O Dr. Thomaz alerta para um agravante
que faz com que boa parte destes crimes permaneça sem punição. Acontece que boa
parte dos casos tem como agressor pessoas próximas, como amigos, vizinhos,
padrastos e até mesmo pais e irmãos. Muitos deles, ainda, contam com a
conivência de outros membros da família, que por medo de represálias, convivem
com o fato.
A falta de preparo dos profissionais
que recebem as denúncias e a dificuldade na obtenção de atendimento
especializado são outros fatores que dificultam a realização de
denúncias.
"Está na hora de acordarmos para
esta triste realidade. A brutalidade da violência contra a mulher não está
apenas no Estado Islâmico ou na Índia, mas também no Brasil, sem distinção de
classe social ou grau de instrução."
Atendimento às vítimas
Na outra ponta do problema, estão as
mulheres que sofrem a violência e têm, de acordo com a legislação vigente,
direito a atendimento emergencial, que inclui amparo médico, psicológico e
social imediatos.
No entanto, segundo a Secretaria de
Políticas para as Mulheres, entre os 5550 municípios brasileiros, há apenas 497
delegacias especializadas de atendimento à mulher e 160 núcleos especializados
dentro de distritos policiais comuns para as denúncias. E uma vez realizadas,
apenas 235 centros de referência, com serviços de atenção social, psicológica e
orientação jurídica para receber estas mulheres. Ou seja, o número é insuficiente
e dificulta, acima de tudo, o acesso de mulheres residentes longe dos grande
centros urbanos.
"Estas mulheres precisam de
profissionais treinados e capacitados para identificar os casos de violência,
pois nem sempre elas apresentarão marcas físicas ou saberão expressar com
clareza o que passaram."
Atualmente,
segundo informe do Ministério da Saúde divulgado este ano, há no Brasil 399
serviços cadastrados para atenção ambulatorial às pessoas em situação de
violência sexual, 187 que oferecem atenção integral às vítimas de violência
sexual e, ainda, cerca de 65 serviços para a interrupção de gravidez nos casos
previstos em lei.
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