O título
põe a nu o paradoxo e escandaliza conservadores. Trata-se do título de um livro
do Magistrado Arruda Campos, conhecido como "Matias Arrudão",
publicado há mais de meio século.
Custou-lhe
a exclusão da magistratura. A ementa do acórdão do Conselho Superior da Magistratura
do Tribunal de Justiça de São Paulo é exemplar dos tempos obscuros que toldavam
a sociedade brasileira. Iniciava-se assim: "Magistrado Comunista.
Inadmissibilidade".
Alguém
evidentemente punido por suas opiniões. Em verdade, Arruda Campos não era
comunista; era um democrata radical. Para entender-se o que seja um democrata
radical, é o cidadão pensador em levar ao extremo as liberdades, as garantias e
direitos individuais, coisas antigas, da França de 1789, que desde logo foram
introduzidas em nossa Constituição Cidadã, em seu art. 5º.
Inobstante
a Carta, esses direitos de "primeira geração" são pisoteados
cotidianamente. Os abusos de autoridade são praticados reiteradamente no
território nacional, especialmente pelas polícias militar e civil. E também
pelo Ministério Público e pelo Judiciário. A inutilidade desse método ofensivo
aos preceitos da democracia é óbvia, com o crescimento incessante da
criminalidade. Notícia dos últimos dias nos dá conta de que a tranquila Porto
Alegre acaba de superar em oito pontos os índices de criminalidade da
longamente sofrida Pauliceia.
O Congresso
Nacional discute o tema, posto no PL 4.850/2016, bom de ser acompanhado por
toda a sociedade. Dele o Relator, submetido a pressões, legítimas na
democracia, de membros do Ministério Público Federal, retirou o dispositivo que
instituía crime de responsabilidade para magistrados e membros do Ministério
Público. Não entendemos por que não se destina a policiais. Considerada a
inteligência empírica que temos do Estado de São Paulo, muito pouco teriam a
temer magistrados e membros do Ministério Público ante essa legislação,
porquanto sua imensa maioria é proba, culta e consciente dos valores da
democracia, conquistada com enormes sacrifícios depois de duas décadas de céus sombrios.
Lamentavelmente,
o mesmo não podemos dizer da Polícia Civil e da Polícia Militar. Seus
integrantes creem piamente que, ao recorrer a brutalidades extremas contra
cidadãos suspeitos e contra a lei, recebem aplausos da sociedade. Com aparente
razão. A sociedade, cansada de ser agredida, admite o fuzilamento de condenados
na Praça da Sé, sob as vistas gerais. O general da Idade Média, que repousa no
inconsciente de todos nós e, por vezes, vêm ao limiar da consciência, responde
à criminalidade intensa e banalizada.
A lei
penal, ao criar a "prisão temporária", por cinco dias, praticou um
erro. É um meio de a polícia "arrancar a verdade" de suspeitos.
Grande parte confessa a prática do crime, sob forte coação física e
psicológica. Por vezes num único ato: um tapa no rosto. Não há como um juiz
equilibrado, como em geral o são, ainda que não seja exemplo do "bom juiz
Magneau", dar valor a essas confissões, que encerram o trabalho
policial.
A boa
atividade de investigação policial não precisa ser violenta. Precisa ser
paciente, trabalhosa e inteligente. Tudo o que não desejam funcionários
públicos concursados, estáveis, mal remunerados e sem incentivos. Sua pobreza
material e intelectual é despejada sob suspeitos situados em condições sociais
ainda mais precárias; a violência dos celerados, inclusive de menores, ao invés
de diminuir, recrudesce e se amplia. O ciclo vicioso se completa e cada vez
mais nos chafurdamos na lama de um país à beira de não poder ser mais habitado.
Propostas
para sairmos desse estado de coisas inaceitável não faltam, mas o governo
federal, de curto fôlego, provavelmente não abrirá espaço para o combate
racional à violência no Brasil, uma das maiores da América Latina,
provavelmente somente atrás do México e da Nicarágua, considerado o número de
homicídios. E são muito concretas, apresentadas por instituições privadas que
se debruçam sobre o assunto: unificação das polícias militares e civis,
mudanças radicais na educação básica e no ensino médio, criação de
oportunidades para os jovens, eliminação dos preconceitos contra os negros,
remuneração humana para os policiais e seu aperfeiçoamento mediante cursos de
formação científica e humanista, reforma carcerária para que as prisões sejam
efetivos centros de reabilitação e reinserção social, finalidade última da pena
reclusiva, aperfeiçoamento das penas não privativas da liberdade, muitas delas
mais eficazes que a segregação. Temos absoluta certeza de que, ao final e ao
cabo de um plano nacional de segurança pública, assim como se deu em outros
países, teremos positivos resultados, senão para erradicar completamente a
violência e os crimes, pelo menos para amenizá-los significativamente. Enquanto
não tivermos uma sociedade justa, precisamos de medidas para evitar que ela
seja completamente desconstruída e levada a um ponto de
irreversibilidade.
Editorial
do jornal "O Estado de S. Paulo" de 22 de novembro pontua que o
caminho da erradicação da corrupção e da moralização dos costumes e da política
brasileira não passa por arranhaduras à democracia. Consequentemente, apoia o
dispositivo que cria a figura de crimes de responsabilidade para as referidas
autoridades. Não há porque o Presidente da República estar sujeito a ser
responsabilizado e um juiz de direito não.
É o
"necessário equilíbrio", mostrado a todos pelo símbolo da Justiça.
Como concluiu seu opúsculo o saudoso Matias Arrudão, "fora da democracia
não há salvação".
Amadeu Roberto Garrido de Paula - advogado e membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário