Nas últimas semanas, o assunto em alta é o pedido
de recuperação judicial realizado pelo Grupo Americanas e seus desdobramentos,
com diversas análises sobre a decisão repentina, uma vez que a empresa, de mais
de 100 anos, com sólida reputação no mercado varejista, do dia para a noite,
declarou possuir mais de R$ 40 bilhões em dívidas e falta de liquidez para o
seu pagamento.
A partir desta decisão, inúmeras reportagens e
artigos foram realizados sobre as relações desta empresa com os bancos e
fornecedores, além de possíveis fraudes e necessidade de investigações, sendo
necessário também um olhar detido para as questões trabalhistas.
Conforme informações extraídas do processo distribuído
sob o nº 0803087-20.2023.8.19.0001, na 4ª Vara empresarial da Comarca do Rio de
Janeiro, o pedido de recuperação judicial foi realizado pelas empresas
Americanas S.A., B2W Digital Lux S.À.R.L, JSM Global S.À.R.L e ST Importações
Ltda., todas integrantes do “Grupo Americanas”.
Consolidado em 2022 como uma das maiores redes
varejistas do Brasil, com mais de 3.600 estabelecimentos espalhados pelo país,
o Grupo criou a Americanas Entrega e combina plataformas digitais (com as
marcas Americanas, Submarino, Shoptime e Soub!), locais físicos de operação
(com as Lojas Americanas tradicional, express, local, digital e AME Go),
franquias (Imaginarium, MinD, Puket e LoveBrands), fulfillment, fintech (AME
Digital), varejo especializado em frutas, legumes e verduras (Hortifruti
Natural da Terra), publicidade e a plataforma de inovação.
Dessa forma, em todas as suas áreas de atuação, o
Grupo Americanas gera mais de 100 mil empregos diretos e indiretos e, com o
ajuizamento do pedido de recuperação judicial, foi considerada a quarta maior
do país, com uma dívida preliminar declarada em R$ 43 bilhões e,
posteriormente, ajustada para cerca de R$ 47 bilhões.
Após os procedimentos preliminares, o Grupo
apresentou um rol com cerca de 320 credores trabalhistas – Classe I, perfazendo
um passivo de aproximadamente R$ 65 milhões para esta categoria.
Contudo, conforme petição apresentada pelos
administradores judiciais nomeados, há notícias de que o grupo empresarial
possui mais de 17 mil ações trabalhistas ajuizadas em âmbito nacional, sendo
preocupante o ínfimo rol apresentado, na medida em que poderá acarretar aumento
substancial do passivo declarado, além de habilitações de crédito tardias com
morosidade na prestação jurisdicional, uma vez que há receio de uma enxurrada
de distribuições incidentais ao processo de recuperação judicial.
Importante destacar que, em 2021, houve provisão do
passivo previdenciário e trabalhista na monta de R$ 114 milhões, o que pode
sugerir que o valor apresentado pelas empresas é inferior. De toda sorte, esta
informação somente poderá ser confirmada com as diligências solicitadas pelos
administradores, por meio de uma cooperação entre o Tribunal de Justiça e o
Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), com pedido de extensão aos
demais Tribunais do Trabalho, no intuito de compartilharem informações sobre as
ações distribuídas em suas competências, com indicação de fases processuais e
valores estimados.
É certo que o pedido de recuperação judicial tem
por objetivo, nos termos do artigo 47 da Lei 11.101/2005, alterada pela Lei
14.112 de 2020, viabilizar a superação de crise econômico-financeira do
devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação
da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Assim, em se tratando de um conglomerado de
relevância nacional, é de suma importância que todos os esforços sejam
envidados para que o grupo reorganize suas dívidas e continue suas operações de
negócios, preservando empregos e contribuindo para a economia do país,
desempenhando assim, sua função social.
Para que isto ocorra, está previsto na legislação
que o pedido de recuperação judicial implica na I) suspensão do curso da
prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; II)
suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos
credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações
sujeitos à recuperação judicial ou à falência; III) proibição de qualquer forma
de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição
judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas
judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação
judicial ou à falência.
Ou seja, a empresa ganha “um fôlego” para se
reorganizar e apresentar um plano de pagamento das dívidas constituídas até a
data do pedido de recuperação judicial, de modo que as dívidas constituídas
após o pedido de recuperação judicial (inclusive as verbas rescisórias,
oriundas de rescisões contratuais efetuadas após o plano de RJ), serão
consideradas créditos extraconcursais e, portanto, não sujeitas ao pagamento
nos moldes do plano a ser votado e homologado.
Assim, todas as ações trabalhistas ajuizadas até a
data do pedido de recuperação judicial se tornam crédito concursal e deverão
ser quitadas nos termos do plano de recuperação que será votado pelos credores
indicados e habilitados naquele procedimento e, ao final, homologado pelo
juízo.
Com relação as ações ajuizadas após o pedido de
recuperação judicial, deverá ser realizada uma análise para entendimento do
tipo do crédito, se concursal, extraconcursal ou híbrido. Essa análise será
realizada na fase de liquidação e considerará a data do fato gerador da verba
devida. Isso quer dizer que, se a verba deferida no processo tiver como origem
data anterior ao pedido, ela será considerada como crédito concursal e,
portanto, deverá ser quitada de acordo com o plano de soerguimento.
Ainda com relação às ações trabalhistas, destaca-se
que os processos que ainda não estejam em fase de execução, têm a sua
tramitação na Justiça do Trabalho mantida. O que mudará é que, após decisão de
homologação do valor apurado no processo, deverá ser expedida certidão para
habilitação do crédito no processo de recuperação judicial. A partir da
habilitação, os valores serão conferidos pelo administrador judicial, empresa e
homologados pelo juiz, iniciando o prazo para pagamento, conforme estabelecido
no plano de recuperação judicial.
Assim, é extremamente importante que os juízos
trabalhistas tenham ciência da recuperação judicial, de modo a conduzir os
processos nos termos da Lei de Falências e Recuperação Judicial, evitando
tratamento privilegiado de credores e ordens constritivas que podem gerar
impactos financeiros devastadores, comprometendo o plano de recuperação,
ocasionando, em última análise, a decretação de falência da empresa.
Em contrapartida, a empresa precisará ter ciência
de que as obrigações trabalhistas permanecem com o pedido de recuperação
judicial, bem como que a estratégia que será apresentada como meio de
recuperação, deverá observar o art. 50 da Lei de Falências, bem como CLT e
demais aplicáveis.
De toda sorte, é relevante observar que o pedido de
recuperação judicial não retira o poder diretivo da empresa, delegando ao
administrador judicial e juízo recuperacional apenas a fiscalização do
cumprimento do plano. Assim, toda e qualquer decisão para enfrentamento da
crise deverá ser tomada pela própria corporação.
É certo que no plano de recuperação judicial há um
capítulo destinado aos meios de recuperação, ou seja, as ações que serão
adotadas para que a empresa atinja um nível financeiro saudável. Este tópico é
importante pois demonstrará que a continuidade do negócio é possível e,
portanto, existe possibilidade de recuperação da empresa. Porém, há que se
ponderar que apenas a proposta de pagamento da dívida deliberada pelos
credores, não havendo votação quanto à forma de continuidade do negócio.
Assim como medidas de enfrentamento da crise, o
Grupo poderá optar pelo desligamento de trabalhadores, redução de jornadas e
salários, lay off, venda de UPIs com transferência de empregados,
enfim, há inúmeras possibilidades que serão definidas de acordo com os próximos
acontecimentos e apurações pelos administradores judiciais.
O que já se tem notícia foi o encerramento da
operação de televendas, com o desligamento de alguns trabalhadores. Nestes
casos, é importante salientar que as verbas rescisórias não entram para o
quadro geral de credores, devendo ser quitadas dentro do prazo previsto na CLT.
De toda sorte, há a possibilidade de realização de negociação com o sindicato
da categoria para pagamento diferido dos haveres.
De todo modo, o que se espera é que todos tenham
ciência de que para que uma recuperação judicial desta magnitude tenha êxito,
os credores, os órgãos fiscalizadores, classes representativas dos
trabalhadores e judiciário precisarão trabalhar em sinergia, sempre pensando na
manutenção da atividade econômica a fim de viabilizar a continuidade dos
empregos, bem como pagamento dos créditos trabalhistas.
Luara Zanfolin Frasson de Rezende - advogada trabalhista do escritório Marcos Martins Advogados.
Marcos Martins Advogados
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