A insuficiência cardíaca é
um grave problema de saúde pública no Brasil e que potencialmente reduz a
expectativa de vida das pessoas. Estamos falando de três milhões de
brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia. No mês de julho, o
dia 9 foi instituído como o Dia Nacional de Alerta contra a Insuficiência
Cardíaca. Precisamos alertar a população sobre os fatores de
risco da doença, sobre a importância do tratamento adequado, sobre as
necessidades dos pacientes. Vamos juntos todos nesta missão? Imprensa,
sociedades médicas, organizações que auxiliam os pacientes, tomadores de
decisão, gestores do SUS e da saúde suplementar, indústria farmacêutica. O
alerta sobre a insuficiência cardíaca é uma tarefa de todos nós.
A insuficiência cardíaca é uma doença
grave, de alta prevalência e de grande conhecimento da área médica. Mas, ainda
assim, trata-se de uma patologia pouco conhecida. Ela acontece na fase final de
várias doenças e situações, como infarto, diabetes, hipertensão, uso exacerbado
de bebidas alcoólicas, agressão viral, como na covid-19.
Muitas vezes ela é apenas conhecida
como doença do “coração fraco” ou do “coração grande”. Enquanto associações de
pacientes, percebemos o quanto muitas pessoas que têm a doença não sabem que a
têm. Recebemos relatos cotidianos de pessoas que saem dos consultórios sem
mesmo entender que a doença que têm se chama insuficiência cardíaca. Precisamos
trabalhar todos juntos para que essas pessoas se empoderem de informação e,
assim, possam buscar seus direitos e o acesso a um melhor cuidado no sistema de
saúde.
Quando falamos em um adoecimento, não
podemos deixar de falar dos determinantes sociais da saúde. Não há como pensar
em saúde pública sem levar em conta a economia, a política, os aspectos
sociais. O próprio nome do conceito de determinantes sociais da saúde já nos
lembra que a saúde é determinada socialmente. As pessoas não têm o mesmo risco
de adoecer e de morrer. O risco de adoecer e de morrer depende de condições de
vida, de trabalho, de moradia, de alimentação.
E é por isso que gostaria de chamar a
atenção para quem, acreditamos, precisa de mais cuidado neste momento: as
mulheres. No Brasil, 30% dos casos de infarto são em mulheres. São
elas também quem tem maior chance de morte após um infarto. As doenças
cardiovasculares lideram as causas de mortalidade feminina, na frente de
doenças mais conhecidas e temidas como câncer de mama, de útero e de ovário.
A pandemia nos mostrou - e ainda nos
mostra - como precisamos cuidar das mulheres. Um levantamento realizado pela
Rede de Pesquisa Solidária em 2021 apontou que a população negra tem mais
chances de morrer de COVID-19, independentemente da profissão que exerce.
Quando comparados os gêneros, as mulheres negras são mais vítimas do novo
coronavírus. Esse estudo apontou quais os fatores agravantes para essa
realidade: moradias mais insalubres, acesso inadequado à água, dieta com baixa
qualidade nutricional e espaços que afetam a saúde mental. Ou seja, acesso à
saúde, acesso à moradia, ao saneamento básico e às condições de trabalho, tudo
isso afeta a saúde da mulher.
Outro dado relacionado à covid-19 que
trago como exemplo foi divulgado há pouco pela Rede Sarah, sobre as
manifestações neuropsicológicas de covid longa em pacientes brasileiros. Está
lá: as mulheres são mais afetadas pelas sequelas da infecção do que os homens.
Participaram da pesquisa 614 pessoas com algum tipo de problema decorrente da
doença. Nesse grupo, 73% eram mulheres e 27%, homens.
Estamos falando de mulheres que muitas
vezes são chefes de família, que exercem sozinhas o cuidado dos filhos e da
casa. A pandemia escancarou as desigualdades sociais do Brasil e a necessidade
de cuidarmos com mais atenção das mulheres. Não podemos simplesmente informar e
falar para as mulheres que elas precisam comer bem, fazer exercício físico e
ter menos estresse para evitar problemas no coração. Elas precisam ter
condições financeiras e sociais para cuidarem da saúde. Determinantes
comportamentais, como dieta, exercício, influenciam, sim, a saúde. Mas será que
depende apenas da vontade da pessoa? Não nos esqueçamos: esse autocuidado
depende muito de acesso à alimentação saudável, a tempo e a espaço para prática
de exercício. Informação em saúde, conscientização e políticas de saúde
precisam estar acompanhadas de programas sociais.
São muitos os desafios que temos pela
frente: aumentar o diagnóstico precoce de uma doença facilmente confundida com
sintomas comuns ao envelhecimento, informar e conscientizar a população sobre
os fatores de risco para a insuficiência cardíaca, promover melhor acesso ao
tratamento adequado, fortalecer o SUS e possibilitar que essas pessoas sejam
acompanhadas na Atenção Básica e que também consigam chegar aos serviços de
referência.
A prevenção de fatores de
risco da insuficiência cardíaca, o diagnóstico precoce, o tratamento correto e
a adesão a esse tratamento são fundamentais para mudarmos essa realidade.
Precisamos trabalhar todos juntos. Que as ações e as informações neste mês de
julho sirvam de alerta para que possamos mudar o futuro e cuidar com mais
atenção dessas pessoas.
Flávia Lima - Presidente da ABRAF - jornalista, especialista em Saúde
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