Recentemente, voltaram a surgir nas
mídias socias vários casos de agressões domesticas contra as mulheres. Notícias
de todos os tipos, como o aumento do feminicídio ou, então, vídeos de agressões
envolvendo pessoas famosas.
A violência contra a mulher não é um
tema novo. Sempre existiu e, infelizmente, irá continuar a existir. Muitos
seres humanos (homens e mulheres) ainda não alcançaram o nível de maturidade
onde a agressão deve ser veementemente repudiada, principalmente, dentro dos
lares e tendo como testemunhas crianças.
Agora, vamos falar sobre a violência
contra a mulher no ambiente corporativo. O início de tudo está no “bias” que as
mulheres sofrem no período de contratação. Quantas mulheres, extremamente
capazes, não foram contratadas, pois as empresas consideraram que elas estavam
em um período “perigoso”, ou seja, idade de engravidarem. Outras vezes, o
critério de seleção é realmente machista, além do fato dos headhunters receberem
como pré-requisito somente contratarem homens, pois os executivos se sentem
melhor atuando com os mesmos.
Outro ponto a ser comentado, é que a
mulher ainda recebe salários menores que os homens, mesmo tendo a mesma posição
ou nível de responsabilidade. Esta desigualdade ainda existente também e é um
tipo de agressão as avessas existente nas corporações, que julgam que mulheres
“valem menos” quando comparadas com seus pares masculinos. Fica a pergunta: até
quando vamos continuar com este pensamento que a força de trabalho feminino
vale menos que a masculina. Segundo o Atlas do Estado Brasileiro de 2017, as
mulheres recebem salários menores que os homens em todos os poderes: no
Executivo, recebem 24,7% menos que homens, no Legislativo, 12%, e no Judiciário,
6,2%. E mesmo com salários proporcionalmente inferiores nos três Poderes, as
mulheres eram maioria nos quadros de servidores públicos no Poder Legislativo
(61,1%) e Judiciário (53,15%) em 2019.
Quando a mulher é contratada, muitas
vezes, surgem os comentários ou feedbacks maldosos, sejam dos colegas ou dos
superiores. Mulheres falam de mais ou são mandonas, são consideradas agressivas
por terem uma opinião formada ou são definidas como “difíceis”, pois tendem a
falar a verdade sempre (ambientes corporativos são extremamente políticos, e
verdades nem sempre são bem-vindas, por mais agregadora que as mesmas sejam).
Então, por vezes, inicia-se o processo de assédio moral, seja oriundo do
superior imediato (homem ou mulher) contra a subordinada ou o “bullying” dos
colegas.
Mais, o pior cenário que uma
profissional pode enfrentar é o assédio sexual. Comentários inapropriados,
vulgares e até de cunho sexual fazem parte deste processo de degradação que
muitas mulheres e profissionais vivem diariamente. Muitas vezes, ficam quietas
para não perderem o emprego, já outras vezes buscam o canal de ética da empresa
para denunciarem/relatarem o fato ocorrido.
Mesmo procurando o Departamento de
Compliance, o dano psicológico já existe e irá persistir por muito tempo, principalmente
se esta mulher e profissional não for acolhida. Normalmente, existe uma
investigação interna e se o fato provar o ocorrido, existe grande probabilidade
de o assediador ser demitido. Tristemente, sem justa causa, pelo simples fato
de que a empresa não quer sofrer um escândalo reputacional. Poucas são as
empresas que tem a coragem de assumir que uma situação destas ocorre de fato,
principalmente, oriunda de um alto executivo e demitir o mesmo por justa causa.
Com a demissão do assediador, existe a
sensação de alívio imediato para a vítima. Contudo, esta sensação não é
suficiente para compor tudo o que ela passou. Problemas psicológicos existem e,
por vezes, situações de Burnout. Fica a questão: Como a liderança reage a tudo
isto? Poucas empresas oferecem tratamento psicológico pago para a vítima.
Muitas empresas tratam como caso resolvido e vida que segue. A mulher
profissional deve continuar a render e ser produtiva como se nada tivesse
ocorrido, mesmo tendo sofrendo uma enorme carga de violência emocional e,
muitas vezes, até física. Muitos assediadores não aceitam a palavra “não” e
partem para atos de tentar agarrar, beijar e tocar a vítima.
Parece que o “não” seduz ainda mais o
jogo doentio daquele/daquela que pensa que somente por ter poder, tem o direito
de fazer tudo e pensa ser “intocável”. Afinal, tenho uma posição alta, amigos
na matriz, minha chefia me apoia o tempo todo e ainda sou um “rising star”.
Ninguém mexe comigo, pensam muitos assediadores.
Neste momento, acredito que os
Departamentos de Recursos Humanos e Compliance deveriam ter um papel mais ativo
para acolher a vítima, após ter sido cumprido um dos pilares essenciais de um
Programa de Compliance: investigações internas. As empresas que possuem
programas de Compliance possuem politicas sobre relatos e consequências, assim
como protocolos de investigação, mas falta ainda um procedimento sobre o que
deve ser feito depois. Perguntas ainda não foram respondidas de forma
transparente pelas empresas, tais como: Será que a profissional poderá
continuar a trabalhar normalmente? Não seria o caso de se conceder um período
de descanso? O apoio psicológico será pago pela empresa? E as eventuais
medicações a serem tomadas também serão arcadas pela empresa? Esta profissional
deve sofrer o mesmo tipo de avaliação de desempenho que as outras colegas que
não sofreram assédio sexual?
Enfim, faltam muitas lacunas a serem
preenchidas para a proteção da mulher contra a violência corporativa. Acredito
que seja o momento de levantarmos este tema com muita atenção e empatia.
Compliance e Recursos Humanos juntamente com a Alta Direção das empresas devem
tomar a frente em relação a esta mudança de “mindset” ainda existente. Ressalto
ser muito importante que existam mais ações como aconteceu em 2019, quando o
conselho do McDonald’s demitiu publicamente seu presidente mundial por manter
“casos extraconjugais” com funcionárias desta empresa, nem todas de forma
“consensual”.
Vamos realmente torcer para que possamos ter mais bons exemplos como o retro
mencionado, uma vez que tal decisão demonstra que a empresa realmente caminha o
que fala em relação aos seus valores definidos em seus respectivos Códigos de
Ética/Conduta. Falta apenas a resposta: como as funcionárias assediadas
sexualmente foram acolhidas pelo McDonald’s após a referida demissão.
Patricia
Punder - advogada é compliance officer com experiência internacional.
Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance
(SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e
Compliance – além do Manual 2020. Com sólida experiência no Brasil e na América
Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e
Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão
de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e
investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and
Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil).