A
adolescência é um período da vida que procede a infância e precede a fase
adulta.
Não é uma questão de escolha, mas um período inevitável da vida; é uma fase necessária para que o cérebro infantil se transforme em cérebro adulto.
Atualmente,
temos mais um motivo para aprender sobre essas transformações. Pesquisas
neurocientíficas demonstram que o cérebro de uma criança continua a se
desenvolver e modificar (01). Terminada a infância, ocorrerão ainda grandes
reorganizações e modificações no desenvolvimento neurocognitivo de um jovem. E
mais, uma infância sadia pode promover uma adolescência sadia.
Adolescência também não é sinônimo de puberdade.
Esta última se refere às transformações do corpo para a reprodução, com os
hormônios assumindo papel de protagonistas.
Já a adolescência se refere às transformações nas
competências cognitivas, sociais, emocionais e físicas que têm os neurônios,
axônios, neurotransmissores e as sinapses como personagens principais. Em
termos didáticos, a puberdade tem a ver com as mudanças no organismo; a
adolescência, com as mudanças no cérebro.
No palco da adolescência um importante diretor é o
hipotálamo. Tudo começa aí...
O hipotálamo é uma estrutura localizada justamente
abaixo do tálamo, na região do diencéfalo. Ele possui vias de ligação com o
Sistema Límbico, Sistema Nervoso e Sistema Endócrino, dirigindo e controlando a
maioria das funções vegetativas, endócrinas, comportamentais e emocionais do
corpo. É composto basicamente de substância cinzenta, ou seja, neurônios e
axônios ainda sem mielina. O hipotálamo está intimamente relacionado com a
hipófise no comando das atividades. Ele tem uma função reguladora
importantíssima para o processo de desenvolvimento cerebral, que tende ao
equilíbrio (06). Como curiosidade, vale dizer que ele representa apenas cerca
de 1% da massa total do encéfalo; é um órgão muito pequeno, mas de holofote
indiscutível - de fato, tamanho não é documento. Aliás, o volume da substância
cinzenta cerebral segue aumentando até o inicio da adolescência, para então ser
reduzido nas regiões corticais. Isto porque a adolescência é um período de
podas, ou ainda, uma fase de lapidação.
O cérebro adulto chega a ser três vezes maior que o
do recém-nascido. O cérebro do adolescente, por sua vez, já atingiu o volume
máximo que terá na vida – até o envelhecimento ou a doença o alterarem.
O cérebro de um bebê tem o dobro de sinapses que o
de um adulto. Logo, quando falamos de diferenças entre bebê e adulto, estamos
falando de um processo de lapidação, e não mais de pedra bruta (07).
Já a principal diferença entre crianças e
adolescentes não está no número de neurônios, mas no fato de que o último sofre
uma reorganização química e física, de modo a alterar a quantidade dos
neurotransmissores. O cérebro adolescente passa por uma enorme reestruturação,
afetando a capacidade de troca de sinais entre as células nervosas.
A substância cinzenta – aquela que diminui
radicalmente na adolescência –, representa os corpos celulares dos neurônios; a
substância branca – que, por sua vez, aumenta no período da adolescência –,
reúne os axônios e a glia. Ela ganha o nome de "branca" por possuir
uma camada de gordura – a mielina – que facilita a velocidade da comunicação
entre os sinais nervosos (02).
Logo, ser adolescente é passar por mudanças
significativas na quantidade de corpos celulares dos neurônios, na qualidade e
rapidez da comunicação entre eles e na forma de proteção dos neurônios e
axônios.
Falando em cérebro, emoção e comportamento,
"podemos inferir que o relacionamento entre a estrutura e a função
cerebral pela comparação entre os períodos de desenvolvimento da anatomia e
fisiologia do cérebro com o período do desenvolvimento comportamental",
segundo Kolb e Whishaw (05). Entender o cérebro teen é entender seu
comportamento. Entender seu comportamento é entender sua emoção.
As mudanças ocorrem principalmente nas seguintes
regiões: Núcleos da Base, Cortex Parietal, Núcleo Acumbente, Cortex Pré-frontal
e Amígdala (08). Os Núcleos da Base, que armazenam programas motores complexos,
sofrem uma redução já no final da infância. Daí a importância de estimular a
prática de esportes e atividades físicas nessa fase.
A região do Cortex Parietal, que integra os sinais
dos sentidos e registra mudanças no mapa cortical da representação dos
movimentos e da imagem do corpo, tem uma modificação significativa nessa fase.
Como o corpo está crescendo – e a imagem mental precisa acompanhar –, eles
buscam formas de se adequar e se reconhecer. Daí a necessidade dos jovens de
experimentar visuais diferentes, cores de batons e esmaltes, estilos de cabelo,
etc. A calça nos quadris, o “piercing”, os novos "looks” são tentativas do
cérebro de encontrar uma nova organização e identidade que foi modificada.
O Núcleo Acumbente, parte do Sistema de Recompensa
– um conjunto de estruturas que registra o prazer –, sofre embotamento nessa
faixa etária. Na adolescência, há menos dopamina circulante por lá – lembrando
que dopamina é o neurotransmissor responsável por ativar a sensação de prazer
própria do Sistema de Recompensa. Por isso, o adolescente precisa de novos
jogos, nova decoração no quarto, novas e diferentes roupas, novas músicas, novo
visual, novo interesses, como a política. As necessidades dessa área, aliadas
às transformações ocorridas na região Pré-Frontal, despertam seu interesse por
filosofia, sociologia, artes.
A parceria entre o desenvolvimento do Pré- Frontal
e as necessidades do Núcleo Acumbente levam-nos aos comportamentos de risco, ao
interesse por competições, à busca pelo perigo, por grandes desafios e prazeres
consumíveis. Aliás, o sexo e as drogas obedecem à seguinte lógica: quanto mais
dopamina, maior a ativação do Acumbente. Quanto maior a ativação do Acumbente,
mais prazer. Levando em consideração o embotamento do Núcleo Acumbente – que
perde quase 1/3 de seus receptores de dopamina –, fica mais fácil entender a
razão do tédio "aborrecente". Suzana Herculana-Houzel denomina esta
situação de "síndrome da abstinência da infância" (08). Em outras palavras:
menos dopamina na região do prazer, mais "deprê".
O cérebro é muito sábio e tende à regulação e
solução de problemas e desafios. Aí entra o papel fundamental da região
Pré-Frontal, já explicitado em parte anteriormente: controle dos impulsos, tomadas
de decisão, cálculos de consequências, teoria da mente, empatia, maior domínio
da linguagem e respostas motoras mais acuradas.
O controle cognitivo e a capacidade de planejamento
de determinada área do Pré-Frontal (04), interligados aos Núcleos da Base,
possibilitarão o controle mais apurado dos movimentos, das habilidades motoras
refinadas e da monitorização de erros. Também o Pré-Frontal é responsável pelos
embates e as discussões que passam a ocorrer entre pais e filhos. Os jovens são
mais eficientes na habilidade linguística, aprendendo com facilidade figuras de
linguagem e estratégias argumentativas. Nesse sentido, municiá-los de
informações competentes é um bom “palco” educativo. São também mais aptos a
ampliar a memória de trabalho, exercitar a flexibilidade do pensamento e
trabalhar o raciocínio abstrato. Aí está mais um motivo para os adultos
estimularem e exercitarem a conversa e troca de informações relevantes com os
jovens. Um lembrete: nesse período, os “neurônios espelho” –, aqueles que copiam
comportamentos e ações –, estão em seu auge. Eles vão buscar a imitação. Vamos
torcer e criar oportunidades para que copiem o bom e o bem.
A parte frontal do cérebro também regula o
comportamento motivador e, por seu papel associativo, o controle de impulsos, a
flexibilidade, o planejamento de ações e ideias. Dessa forma, o adolescente
libera-se do concreto, do presente, para pensar no futuro e nas várias
possibilidades que uma ação pode desencadear. Mas é importante lembrar que esta
área ainda está em desenvolvimento; ela só terminará perto dos 30 anos! Daí a
grande importância dos adultos – sejam eles pais ou educadores– ajudá-los a
avaliar as consequências, as ações alternativas e a relação entre passado e
futuro.
O Cortex Pré-Frontal se relaciona com a amígdala
(emoções fortes) e o hipocampo (memória). Podemos entender a relevância do
autoconhecimento e da auto-estima ao longo do amadurecimento desse ser, que
passará de um bebê sensório motor a um adulto autônomo ainda mais lapidado.
Investir em uma infância trabalhada entre limites e possibilidades, estimulada,
afetiva e diversificada em exercícios de competências emocionais é um legado
essencial. A adolescência não acontece por mágica; não é uma fase desconectada
ou uma espécie de entidade, mas um período que depende do desenvolvimento da
infância e, ao mesmo tempo, tem suas próprias regras, seus funcionamentos e
objetivos.
Fica claro, a partir do estudo do cérebro dos
adolescentes, que eles são aptos a se tornarem independentes em algumas funções.
Porém, como ainda as estão exercitando, muitas outras habilidades precisam da
orientação, do modelo, do incentivo, do estímulo, da compreensão e do desafio.
Para os educadores, psicólogos e profissionais de áreas afins, esse também é um
grande desafio, tendo em vista o fato de ainda estarmos aprendendo as relações
entre cérebro e emoção.
(01)Bruer J.T. The myth of
the first three years.Nova York: Free Press, 2003.
(02) Nagy Z.e cols. Maturation of white matter is associated with the development of cognitive functions during childhood. J Cogn Neurosci, 2004.
(03) Strauch B. The primal teen.New York: Doubleday,2003, p.63
(04)Goldberg,E. The new executive brain.New York: Oxford University Press, 2009
(05)Kolb,B. E Whishaw,I. Neurociência do Comportamento.Barueri: Manole,2002
(06)Lent,R. Cembilhoes de neuronios.São Paulo: Editora Atheneu,2005.
(07)Pantano,T, Zorzi,J.Neurociência aplicada à aprendizagem.São José dos Campos:Pulso,2009.
(08)Herculano-Houzel,S. O cérebro em transformação.Rio de Janeiro:Objetiva, 2005.
(02) Nagy Z.e cols. Maturation of white matter is associated with the development of cognitive functions during childhood. J Cogn Neurosci, 2004.
(03) Strauch B. The primal teen.New York: Doubleday,2003, p.63
(04)Goldberg,E. The new executive brain.New York: Oxford University Press, 2009
(05)Kolb,B. E Whishaw,I. Neurociência do Comportamento.Barueri: Manole,2002
(06)Lent,R. Cembilhoes de neuronios.São Paulo: Editora Atheneu,2005.
(07)Pantano,T, Zorzi,J.Neurociência aplicada à aprendizagem.São José dos Campos:Pulso,2009.
(08)Herculano-Houzel,S. O cérebro em transformação.Rio de Janeiro:Objetiva, 2005.
(*) Plasticidade Emocional – conceito, de sua autoria, que se caracteriza por um conjunto de ações capazes de levar a pessoa com pequena ou grande limitação – física ou emocional –, à recuperação de capacidades e competências.
Adriana Fóz - Educadora (USP),
pós-graduada em Psicologia da Educação (USP) e especialista em
Psicopedagogia (Instituto Sede Sapientiae) e Neuropsicologia (CDN-Unifesp).
Coordenadora geral do Projeto Cuca Legal – Programa de Prevenção
em Saúde Mental nas Escolas (Psiquiatria/Unifesp). Pesquisadora
CNPq em Neurociências na Educação. Consultora e autora, lançou
recentemente o livro “A Cura do Cérebro”, no qual narra sua
história de superação. Aos 32 anos, após sofrer um AVC (Acidente
Vascular Cerebral), Adriana descobriu que é possível superar,
aprender, conquistar competências e reabilitar capacitações por
meio da Plasticidade Cerebral e Emocional. Atende em consultório
pacientes adolescentes e adultos para reabilitação
neuropsicológica, com parceria interdisciplinar. Ministra cursos e
palestras por todo o Brasil sobre temas relacionados à
Neurociência na Educação, e recentemente vem levando a palestra
“Plasticidade Emocional(*)” para o mundo corporativo, instituições
e escolas.