A mais importante homenagem à mulher é compreendê-la. Como dizem os franceses, "tout comprendre c'est tout pardonner" (compreender tudo é perdoar tudo). Não que as mulheres necessitem de algum perdão, principalmente dos homens, nossas duas únicas subespécies humanas. A compreensão, contudo, é a fonte do entendimento, da criação, do progresso e do aprimoramento entre as gentes. Assim, o melhor presente que se dá a alguém é compreendê-lo.
O ponto mais sensível
a perceber a natureza da mulher é o coração. Poderíamos dizer o cérebro;
abdicaríamos do símbolo para dar lugar a uma verdade cáustica, verdade nem
sempre diretamente assimilada pelo observador:
Jesus nunca usou
linguagem direta.
Alguns exemplos da
história podem nos auxiliar a sentir o coração da mulher. Anne Frank era
portadora de um espírito altivo porém intransigente, às vezes implacável, com
seus companheiros ocultos num beco das tropas nazistas. Nem por
isso deixou de fazer o que muitas outras não o fariam em defesa dos
perseguidos; e seu diário era uma expressão da literatura opressa num dos
mais cruéis momentos da humanidade.
A genial Hannah Arendt
abordou um aspecto das maldades que, provavelmente, um homem não teria sua
atenção despertada para ele. Adolf
Eichmann, julgado e condenado à morte em Israel, não era
antissemita, doentio ou perverso. Apenas um burocrata leal. Daí o destaque à
origem do mal em todas as burocracias comandadas por opressores. Ainda na
Segunda Guerra Mundial, em que a fonte única do direito, por força de decreto
incontrastável, era a palavra do Führer, um grupo de jovens acabados de
formar-se em Direito pôs-se a desafiar o comandante nazista por meio de uma
interpretação jurídica: a ordem para matar todos os judeus significava apenas
os homens, não as mulheres e crianças. Foram postos em seu devido lugar, com
nova canetada do mais diabólico dos homens que povoaram nossa terra. Somente
uma mulher, Arendt, teve o descortínio e a invejável intuição de analisar o
tema sob esse ângulo e ainda pagar o preço imposto pelos fundamentalistas de
sua raça.
Se queremos a
compreensão, temos de olhar por todos os lados, todos os detalhes. Xantipa, a
mulher de Sócrates, diz a história ou uma lenda, derramou um balde de
excrementos sobre uma grande cabeça, um cérebro dos mais privilegiados do
mundo, visto que demorara a voltar para casa, certamente envolvido em sua
maiêutica. Ele não passou recibo. Disse que Xantipa o ajudara a conhecer melhor
a humanidade.
Nas comemorações
anuais da mulher, põem-se em destaque aspectos necessários, tais como sua
inferioridade no mercado de trabalho, o assédio, a dura jornada com os filhos,
a insensibilidade dos homens frente a esses problemas, a recentíssima inclusão
da mulher no mercado de trabalho e, mais ainda, sua rara investidura na
titularidade de cargos importantes nas atividades privadas e públicas. Pouco se
fala de sua sensibilidade amorosa e, via de regra, correm preconceitos que
derivam mais da alma masculina. A mulher não tem a segurança dos homens e seus
sentimentos oscilam, na busca do ideal, como se vê do admirável poema de Amy
Levy, escritora inglesa ida aos 27 anos e pródiga nas letras,
denominado de "O Bosque Negro":
"Acomodei-me
debaixo dos pinos
Olhei para cima, para
o verde
Escuro na copa das
árvores.
Brilho sombrio que
marca o tom do azul.
Fechei os olhos, e um
incrível
Sentido fluiu sem
critério:
\Neste lugar moro morta
e enterrada
E aqui é um cemitério.
Estou em
um repouso eterno,
Terminaram todos os
conflitos.
Deitada senti os
lamentos
Por minha pequena vida
passada.
Direito injusto e
trabalho perdido,
Sábio conhecimento depreciado;
A pureza, o fracasso e
o pecado,
E fui triste por isso?
Fizeram-me triste de
vez
E nunca mais abalaram
meu pudor,
Meu coração estava
cheio de dor
Pela alegria que nunca
tive.
Que a melhor homenagem
à mulher seja a compreensão da natureza de seu coração e o ato de forjar a
harmonia que deve presidir todas as relações humanas.
Amadeu Garrido de Paula - advogado especialista
em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.