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segunda-feira, 24 de março de 2025

A “Geração Perdida” e a Invisibilidade dos Adultos com Autismo

Dia Mundial de Conscientização do Autismo revela a urgente necessidade de atenção aos adultos no espectro



No dia 2 de abril, quando uma parte do mundo se volta para o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, uma realidade alarmante permanece nas sombras: a negligência sistemática dos adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Essa população, descrita por especialistas como a "Geração Perdida", enfrenta desafios devastadores que vão muito além da falta de diagnóstico, chegando a níveis alarmantes de mortalidade precoce e suicídio, muitas vezes exacerbados pela falta de suporte adequado e compreensão da sociedade.

"Estamos diante de uma crise humanitária silenciosa, uma emergência de saúde pública negligenciada por tempo demais. Adultos com autismo não apenas lutam contra a invisibilidade social, mas também contra um risco de morte prematura que não podemos mais ignorar. A falta de diagnóstico e suporte adequado leva a comorbidades como depressão e ansiedade, que aumentam drasticamente o risco de suicídio ", alerta o Dr. Matheus Trilico, neurologista e referência nacional em TEA.

Um estudo recente publicado na revista Psychiatry Research revela dados chocantes: mais de 13 mil suicídios entre pessoas autistas foram registrados apenas em 2021, resultando em uma perda trágica de aproximadamente 621 mil anos potenciais de vida.

"Esses números não são apenas estatísticas, são vidas interrompidas, famílias devastadas e um grito de socorro que nossa sociedade tem sistematicamente ignorado. É crucial entender que o suicídio em pessoas com TEA muitas vezes está ligado à dificuldade em lidar com o estresse, à discriminação e à falta de acesso a serviços de saúde mental adequados", enfatiza Dr. Trilico.

A pesquisa "Autistic Spectrum Disorder: The Lost Generation", publicada no The Lancet Psychiatry, expõe uma realidade alarmante: adultos com TEA têm sido sistematicamente negligenciados pelas políticas públicas e pela atenção social. Este estudo ressalta que a falta de reconhecimento e suporte adequados impacta diretamente na qualidade de vida, saúde mental e oportunidades de emprego para essa população.

"Estamos falhando com uma geração inteira de indivíduos neurodiversos", alerta Dr. Matheus Trilico, neurologista especializado em TEA.

A falta de dados epidemiológicos precisos sobre a prevalência de TEA em adultos no Brasil tem sido um obstáculo crítico para a criação de políticas públicas eficazes, desde programas de suporte ao emprego até acesso à saúde mental e moradia assistida, que poderiam oferecer suporte para a vida independente.

Para preencher essa lacuna crucial, Dr. Trilico lançou o projeto “Autismo Brasil” (
autismobrasil.info), uma iniciativa independente e sem fins lucrativos que visa mapear o TEA no país, com foco especial na população adulta.

"Este projeto é nossa resposta à necessidade urgente de dados confiáveis sobre o autismo no Brasi. A base de dados, custeada com recursos próprios do médico, busca oferecer uma visão clara e precisa sobre a prevalência do TEA em diferentes faixas etárias e regiões, livre de influências políticas ou governamentais. A iniciativa se baseia em princípios de open data, visando a transparência e a disseminação do conhecimento ", explica o especialista

Dr. Trilico enfatiza também a importância da participação da comunidade: "Cada resposta ao nosso questionário é uma contribuição vital para construirmos um retrato fidedigno do autismo no Brasil, fundamental para impulsionar políticas públicas mais eficazes e iniciativas de inclusão em todo o país. Por exemplo, os dados coletados podem influenciar a criação de diretrizes clínicas mais adequadas e a alocação de recursos para serviços de apoio”, ressalta o médico.

O Peso do Diagnóstico Tardio

O diagnóstico tardio do TEA em adultos não é apenas um atraso médico, mas uma sentença de anos de sofrimento desnecessário. Muitos passam décadas lutando contra desafios inexplicáveis, enfrentando incompreensão, isolamento e, muitas vezes, diagnósticos errôneos de outras condições de saúde mental.

"Imagine viver toda sua vida sentindo-se um estranho em seu próprio corpo e mente, sem entender o por quê?" O diagnóstico tardio é como finalmente receber um mapa depois de anos perdido em um labirinto. É um alívio, mas também um lembrete doloroso do tempo perdido e das oportunidades perdidas. Muitos adultos relatam que, após o diagnóstico, conseguem entender melhor seus comportamentos e necessidades, o que facilita a busca por estratégias de adaptação e suporte. Por exemplo, uma pessoa que sempre teve dificuldade em manter empregos pode, após o diagnóstico, entender que a dificuldade vem da disfunção sensorial a ruídos no ambiente de trabalho e, com isso, buscar um ambiente mais adequado”, completa o neurologista.


Mercado de Trabalho: Talentos Desperdiçados

A invisibilidade do autismo em adultos tem um impacto devastador no mercado de trabalho. Segundo Dr. Trilico, estamos desperdiçando um potencial imenso. Adultos com TEA frequentemente possuem habilidades extraordinárias em áreas específicas, como programação, análise de dados, design e artes visuais, mas são marginalizados por uma sociedade que não sabe como acolher a neurodiversidade.

Para o médico, a falta de adaptações e compreensão no ambiente de trabalho não apenas priva os autistas de oportunidades, mas também priva a sociedade de inovações e perspectivas únicas que esses indivíduos podem oferecer.

"Empresas que adotam práticas de inclusão neurodiversas relatam aumento da produtividade, da criatividade e da inovação. "É importante que as corporações ofereçam treinamento para seus funcionários sobre como interagir e colaborar com colegas autistas, além de adaptar o ambiente de trabalho para atender às necessidades sensoriais e comunicacionais específicas. Por exemplo, permitir o uso de fones de ouvido com cancelamento de ruído ou oferecer horários de trabalho flexíveis”, sugere Trilico.



Relacionamentos: A Luta Contra a Solidão

Para muitos adultos com TEA, construir e manter relacionamentos é um desafio monumental.

"A solidão entre adultos autistas é uma epidemia silenciosa. Muitos são erroneamente rotulados como frios ou desinteressados quando, na verdade, estão buscando por conexão ao mesmo tempo em que lutam para lidar com as complexidades sociais. A dificuldade em interpretar sinais sociais, a ansiedade em se expor socialmente e a dificuldade em expressar emoções podem dificultar a formação de amizades e relacionamentos. É fundamental que a sociedade compreenda que a dificuldade em interagir socialmente não significa falta de desejo por conexão. Programas de habilidades sociais e grupos de apoio podem ajudar adultos com TEA a desenvolverem habilidades de comunicação e a construírem relacionamentos significativos", sugere Dr. Trilico.



Um Chamado à Ação

Dr. Matheus Trilico faz um apelo urgente: "Não podemos mais nos dar ao luxo de ignorar os adultos com autismo. Cada dia de inação custa vidas. Precisamos de uma revolução na forma como vemos, tratamos e incluímos essas pessoas em nossa sociedade".



O neurologista propõe ações imediatas:

  1. Campanhas massivas de conscientização sobre TEA em adultos, com foco na desmistificação de estereótipos e na promoção da compreensão sobre as necessidades e os talentos dos autistas.
  2. Treinamento especializado para profissionais de saúde em diagnóstico e tratamento de TEA em adultos, incluindo médicos de família, psicólogos, psiquiatras, neurologistas, clínicos gerais e terapeutas ocupacionais. É crucial que os profissionais de saúde estejam preparados para identificar os sinais de TEA em adultos e oferecer intervenções adequadas.
  3. Políticas de inclusão robustas no mercado de trabalho, com incentivos fiscais para empresas que adotem práticas neurodiversas, como a criação de programas de mentoria e a adaptação de processos seletivos.
  4. Programas de suporte social e psicológico específicos para adultos com TEA, incluindo grupos de apoio, terapia individual e familiar, e serviços de assistência social.
  5. Maior representatividade de adultos autistas na mídia e em posições de liderança, para que suas vozes sejam ouvidas e suas perspectivas sejam consideradas. É importante que os próprios autistas sejam protagonistas na luta por seus direitos e na promoção da inclusão, sem vergonha de revelarem seu diagnóstico por medo de retaliação ou preconceito.


"Neste Dia Mundial de Conscientização do Autismo, peço que olhemos além das crianças e reconheçamos os adultos que têm lutado sozinhos por tempo demais. É hora de resgatar a 'Geração Perdida' e construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva para todos os neurodiversos, em todas as fases da vida. A inclusão não é apenas um ato de caridade, mas um imperativo moral e social. Uma sociedade que valoriza a diversidade é uma sociedade mais justa, criativa e próspera”, conclui Dr. Matheus Trilico.




Dr. Matheus Luis Castelan Trilico - CRM 35805PR, RQE 24818. - Médico pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA); - Neurologista com residência médica pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR); - Mestre em Medicina Interna e Ciências da Saúde pelo HC-UFPR - Pós-graduação em Transtorno do Espectro Autista.
https://blog.matheustriliconeurologia.com.br/

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