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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A explosão dos processos por erro médico no Brasil

No último ano, o Brasil testemunhou um fenômeno alarmante no setor da saúde: um aumento abrupto e significativo nos processos judiciais por alegação de "erro médico". De acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de ações registradas em 2024 atingiu a marca de 74.358 casos, um crescimento de 506% em comparação com os 12.268 processos contabilizados em 2023. Trata-se de uma elevação drástica e que reflete as complexas questões que permeiam tanto os sistemas público quanto particular de saúde no país. O cenário gera apreensão entre os profissionais e gestores que acompanham esse crescente movimento de judicialização.

Para compreender mais profundamente a questão, é preciso avaliar alguns fatores. O primeiro que nos chama a atenção é o fato de que a maioria das acusações envolve pedidos de indenização por danos morais e materiais, termos que se consolidaram no jargão jurídico para tratar de problemas decorrentes da prestação de serviços de saúde que não atenderam às expectativas ou direitos dos pacientes.

Nesse sentido, é crucial entender que "danos morais" se referem a prejuízos não patrimoniais, como sofrimento psicológico, angústia ou ofensa à honra, enquanto "danos materiais" dizem respeito a perdas financeiras diretas, como despesas médicas adicionais ou perda de renda devido à incapacidade temporária ou permanente.

Dentro desse contexto, em 2024, os dados mostram que, no sistema público, foram registrados a abertura de 10.881 processos por danos morais e 5.854 por danos materiais. Já no atendimento privado, os números foram ainda mais expressivos: 40.851 ações por danos morais e 16.772 por danos materiais.

Esses dados, que contrastam fortemente com os do ano anterior, ilustram um panorama de insatisfação crescente com a qualidade do atendimento médico fornecido. Para ilustrar, um exemplo comum de dano moral seria um paciente que desenvolve um quadro depressivo severo após uma cirurgia malsucedida, enquanto um exemplo de dano material seria a necessidade de realizar uma nova cirurgia corretiva em uma clínica particular em decorrência de um erro no procedimento inicial.

Outro fator que deve ser avaliado criteriosamente é com relação às cifras alarmantes registradas diariamente. Em 2024, a média diária superou a marca de 203 novos processos. Esse aumento não só sobrecarrega o sistema judiciário, inundando-o com uma carga extensa de casos para averiguação, como também revela a importância de intervenções rápidas e eficazes na estruturação e formação profissional dos serviços de saúde. A título de comparação, imagine a complexidade de cada caso, que envolve a análise de prontuários médicos, depoimentos de testemunhas, laudos periciais e a aplicação de leis específicas, demandando um tempo considerável para cada julgamento. Há mais um agravante: quem busca um serviço de saúde certamente tem pressa e necessidade de uma intervenção médica. O sobrecarregamento do judiciário pode tornar morosas as decisões, o que traz prejuízo para o cidadão.

A pergunta que devemos, então, fazer é: quais são os motivos por trás desse aumento nos processos por "erro médico"? Diversos podem ser destacados. Um deles é a percepção dos pacientes acerca da comunicação inadequada com seus cuidadores, falhas na execução de procedimentos padrão (como a não observância de protocolos de segurança em cirurgias), e a ainda presente e problemática disparidade na distribuição de recursos humanos e materiais entre diversas regiões do país.

Muitas vozes dentro do setor de saúde também sugerem que uma parte importante desse problema reside na falta de treinamento contínuo e em deficiências estruturais nos hospitais, aliadas aos padrões comunicacionais falhos que não destinam a devida atenção ao esclarecimento sobre tratamentos e diagnósticos com os pacientes. Um exemplo prático seria a ausência de um sistema de "double-check" na administração de medicamentos, aumentando o risco de erros de dosagem ou de medicação.

Problemas colocados, deve-se pensar em como solucioná-los. Diante deste aumento estratosférico de ações judiciais, uma das ações mais urgentes e viáveis diz respeito ao fortalecimento da educação continuada para todos os níveis de profissionais de saúde. Isso inclui a implementação de simulações realísticas para o treinamento de habilidades técnicas e a promoção de cursos sobre comunicação eficaz com pacientes. Mais além, a adoção de melhores práticas em comunicação médica pode desempenhar um papel crucial na reformulação dessa dinâmica, com potencial para diminuir consideravelmente a quantidade de erros devido a mal-entendidos evitáveis.

A utilização de ferramentas como o "teach-back method", onde o paciente repete as instruções recebidas para garantir o entendimento, pode ser uma estratégia eficaz nesse melhor processo de comunicação.

Outro ponto em discussão é a implementação de sistemas de mediação alternativos que ofereçam soluções mais ágeis e menos desgastantes do que o percurso nas instâncias judiciais. O fortalecimento desses canais pode aliviar significativamente a carga atualmente suportada pelos tribunais, otimizando o processo em prol de ambas as partes. O objetivo final é alcançar resoluções que não só satisfazem juridicamente, mas que preservem as relações entre instituições de saúde e a sociedade civil. Um exemplo de mediação bem-sucedida seria a criação de comitês de ética hospitalar que atuem como mediadores em conflitos entre pacientes e profissionais de saúde, buscando soluções consensuais antes que o caso chegue à justiça.

Por fim, uma questão é clara: a trajetória desenhada pelo aumento das ações judiciais por "erro médico" no Brasil requer rápidas intersecções entre o direito à saúde e as medidas jurídicas cabíveis. Isso demanda um esforço coletivo e coordenado para garantir o futuro de um atendimento seguro, eficaz e responsável.

À medida que avançamos, é imperativo que todos os atores envolvidos – do governo até as clínicas privadas – sejam mobilizados para a transformação e inovação sistêmica, garantindo assim que a prestação de serviços no país não só evolua, mas inspire confiança renovada e contínua na população brasileira.

 A implementação de auditorias internas regulares, a criação de canais de comunicação abertos para feedback dos pacientes e a promoção de uma cultura de segurança e aprendizado contínuo são passos essenciais para reverter essa tendência preocupante e garantir um sistema de saúde mais justo e eficiente para todos.

 

Natália Soriani - advogada especialista em Direito Médico e de Saúde, sócia do escritório Natália Soriani Advocacia



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