O Sistema Único de Saúde (SUS) é, sem dúvida, uma das maiores conquistas da nossa democracia. Ele representa a promessa de um Brasil mais justo, em que a saúde deixa de ser um privilégio para se tornar um direito de todos, sem distinção de renda ou localização. No entanto, esse gigante que sustenta a saúde de milhões de brasileiros tropeça no vazio deixado por ausências. São consultas que não acontecem, exames perdidos, cadeiras vazias e horários que poderiam ser utilizados por outros pacientes. A cada falta, uma porta se fecha para quem aguarda do outro lado. O absenteísmo corrói o que há de mais valioso no SUS: a chance de salvar vidas.
Uma simples falta, muitas vezes vista como algo
inofensivo pelo usuário, desencadeia consequências profundas. Não se trata
apenas de desperdício de tempo e recursos, mas de uma oportunidade perdida para
atender outros que também esperam. Quando consultas e exames não são
realizados, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado são adiados,
permitindo que doenças que poderiam ser evitadas ou controladas se agravem.
Imagine uma paciente idosa que espera há meses por uma endoscopia essencial
para diagnosticar um câncer de estômago, ainda desconhecido. Agora, visualize
oito pacientes que, sem aviso, não compareceram ao exame agendado no mesmo dia,
enquanto aquela paciente permanecia em casa à espera. O absenteísmo expõe esse
descompasso: o silêncio de uns amplifica a angústia daqueles que contam os dias
para serem atendidos.
No Brasil, estima-se que o absenteísmo na saúde
atinja cerca de 25%, tanto em consultas quanto na realização de exames pelo
SUS. Esse índice não representa apenas a perda de oportunidade de tratamento
para milhares de pessoas, mas também um custo financeiro considerável. Estudos
indicam que o desperdício causado pelas ausências pode ultrapassar bilhões de
reais anualmente, comprometendo o orçamento já limitado da saúde pública.
Muitos veem o SUS como algo garantido, mas poucos percebem que faltar a uma
consulta marcada é como comprometer uma engrenagem crucial para o funcionamento
de todo o sistema. Cada agendamento, além de ser um compromisso pessoal, é uma
peça essencial que, se negligenciada, priva outros cidadãos do atendimento que
também merecem.
O absenteísmo no SUS é tanto um problema
organizacional quanto uma questão cultural. A falta de conscientização sobre a
importância de comparecer é intensificada pela ausência de punições. Ao
contrário do setor privado, em que multas e cobranças desencorajam faltas, no
SUS, não há custo direto para o paciente. No entanto, o impacto no sistema e
nos outros usuários é imenso. Para enfrentar essa realidade, quem sabe o
caminho seja implementar novas estratégias educativas e sistemas de comunicação
mais ágeis. Ferramentas simples de cancelamento, que permitam ao usuário
informar sua ausência de maneira rápida, podem ser um passo essencial.
Mais que um obstáculo, as ausências são uma
barreira que limita o alcance e a eficiência dos serviços destinados à
população. Esse problema resulta no desperdício de recursos e em uma
sobrecarga, dificultando a construção de um sistema de saúde verdadeiramente
universal e igualitário. Em vez disso, essas faltas nos afastam desse objetivo,
comprometendo a cobertura e criando um ciclo vicioso de ineficiência. Como uma
corrente quebrada, o sistema perde a força necessária para seguir em frente,
deixando de cumprir sua missão de cuidar de quem nele confia.
É urgente adotar uma nova perspectiva, em que cada
agendamento seja encarado não apenas como uma responsabilidade individual, mas
como um compromisso coletivo que impacta o bem-estar de todos. O absenteísmo
não é um problema isolado; ele é um desafio que exige a união de gestores,
profissionais de saúde e usuários para preservar a essência do SUS. Para isso,
talvez seja preciso dar um passo atrás e fortalecer a saúde preventiva como
base para um sistema sustentável e eficaz. O SUS, maior símbolo de inclusão e
justiça social, não pode ser deixado à deriva por algo tão simples, mas tão
devastador. Afinal, quando um falta, muitos pagam o preço da negligência.
Cada ausência é uma lacuna que enfraquece o
sistema, e cabe a todos nós preenchê-la para garantir que a saúde seja um
direito acessível a todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário