Pesquisadores da USP encontraram 62 proteínas específicas dos esporos de uma espécie que causa doença pulmonar, a Aspergillus fumigatus. Resultados publicados em Nature Microbiology mostram que ao menos uma delas tem a função de inibir mecanismos de defesa humanos
A aspergilose pulmonar invasiva
se dá quando os esporos ou conídios lançados no ar por fungos do gênero Aspergilus chegam
às vias respiratórias de pessoas com o sistema imune debilitado. A partir daí,
a infecção se instala e são poucas as opções de tratamento. Quando a espécie
causadora é a Aspergillus fumigatus, a mortalidade pode chegar a
90%.
Pesquisadores da Universidade
de São Paulo (USP) compararam o conjunto de proteínas presentes na superfície
dos conídios de A. fumigatus com de outras espécies próximas,
mas que não necessariamente provocam infecções. Com a abordagem, o grupo
descobriu 62 proteínas detectadas exclusivamente em A. fumigatus.
O estudo publicado na revista Nature
Microbiology foi liderado por pesquisadores da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.
Uma das proteínas encontradas,
a glicosilasparaginase, chamou a atenção pela capacidade de inibir a produção
de defesas por células do sistema imune. Quando em contato com células de
camundongos, mutantes do fungo que não produziam a enzima causaram um aumento
da secreção das chamadas citocinas inflamatórias, responsáveis por realizar a
sinalização inicial para o hospedeiro de que há um invasor.
Por sua vez, as células de
camundongos infectadas pela versão selvagem do fungo, em que todos os genes têm
seu funcionamento intacto, não secretaram altas concentrações dessas citocinas,
sugerindo que a glicosilasparaginase é importante para modular e reduzir a
produção das citocinas, dando tempo ao fungo para iniciar e consolidar a
infecção.
“Até agora, o papel da
glicosilasparaginase não havia sido caracterizado em fungos. Em humanos, a
mutação do gene que produz essa enzima causa uma rara doença neurodegenerativa
[aspartilglicosaminúria], que se caracteriza pelo acúmulo de glicoasparaginas
em vários tecidos do corpo humano, incluindo o sistema nervoso central. Esse
acúmulo gera atraso no desenvolvimento, problemas psicomotores, deficiência
intelectual e, finalmente, morte prematura. Infelizmente, ainda não há
tratamentos disponíveis”, explica Camila Figueiredo Pinzan, primeira autora do estudo e pesquisadora na FCFRP-USP.
Quando os pesquisadores
infectaram separadamente camundongos com o fungo na versão selvagem e na
mutante (que não produzia glicosilasparaginase), observaram que o segundo grupo
apresentou menor carga fúngica nos pulmões em comparação aos animais infectados
com a cepa selvagem.
“Isso pode indicar que a falta
da enzima glicosilasparaginase faz com que o fungo fique mais propenso à
eliminação pelo sistema imune”, completa Pinzan.
Potencial
O trabalho integra
projeto apoiado pela FAPESP e coordenado
por Gustavo Henrique Goldman, professor
da FCFRP-USP.
“Estudos como esse são
fundamentais para compreender como os fungos causam infecção e possibilitam
identificar novos potenciais alvos para o desenvolvimento de medicamentos. Os
conídios representam a célula do fungo que faz o primeiro contato com o sistema
respiratório humano e inicia a infecção. Esse trabalho pode representar os
primeiros passos para, no futuro, quem sabe, sermos capazes de combater a
invasão ainda numa fase inicial”, comenta Goldman.
O pesquisador ressalta ainda que
essa é apenas uma de 62 proteínas identificadas no estudo. Outras já estão
sendo analisadas em seu laboratório e apresentam potenciais variados como alvos
de intervenções futuras.
Não
patogênicos
Para descobrir as proteínas
presentes nos conídios de A. fumigatus, mas não em outras espécies
do mesmo gênero, os pesquisadores estudaram quatro espécies de Aspergillus.
Além de A. fumigatus,
foram analisados por técnicas de proteômica os conídios de A. fischeri e A.
oerlinghausenensis, conhecidos por não provocarem infecção em humanos,
e A. lentulus, que pode causar doença, mas é bem menos virulento do
que o A. fumigatus.
“Embora a semelhança entre as
espécies possa chegar a 95%, a A. fumigatus pode matar até 90%
dos indivíduos infectados, enquanto para as demais não há relatos de quadros de
infecções humanas ou raramente ocorrem, no caso de A. lentulus”,
conta Thaila Reis https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/75349/, pesquisadora
colaboradora da FCFRP-USP, coordenadora do estudo junto com Goldman.
Compreender como os fungos
causam infecção e se tornam mais virulentos é essencial para combater os
patógenos conhecidos e outros que possam vir a surgir. Pensando nisso, outro
trabalho do grupo, publicado na revista Communications
Biology, analisa uma espécie que, em tese, não causa doença.
Nele, os autores analisaram o
potencial patogênico de 16 cepas da espécie A. fischeri, uma das
quatro analisadas no trabalho anterior. Por meio de experimentos em diferentes
modelos de células e em animais, os pesquisadores observaram que algumas são,
sim, capazes de causar infecção.
“O estudo demonstra que a
patogenicidade dos fungos não é obrigatória, mas oportunística. Portanto, o
potencial para novos patógenos fazerem o ‘salto’ para humanos e desencadear
quadros clínicos pode ser maior do que prevíamos”, nota David Rinker, professor
da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, e primeiro autor do estudo, em
comunicado à imprensa.
Para Rinker, buscar novos
mecanismos compartilhados de virulência também em espécies consideradas não
patogênicas pode ajudar a esclarecer como patógenos se originam ou mesmo a
prever a emergência de novas doenças.
“Ambos os estudos apontam a
necessidade de uma perspectiva mais ampla da virulência fúngica, que inclui até
espécies tidas como não patogênicas. Elas podem conter um potencial secreto de
causar doença que poderia emergir sob certas condições ambientais ou em pessoas
imunossuprimidas”, encerra Goldman.
O trabalho da Nature
Microbiology também teve apoio da FAPESP por meio de outros cinco
projetos (18/18257-1, 18/15549-1, 20/04923-0, 22/08796-8 e 22/13603-4).
Além do auxílio concedido a Goldman,
o trabalho da Communications Biology contou ainda com bolsa da Fundação. Ambos os
trabalhos tiveram ainda apoio dos National Institutes of Health (NIH), dos
Estados Unidos.
O artigo Aspergillus
fumigatus conidial surface-associated proteome reveals factors for
fungal evasion and host immunity modulation pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41564-024-01782-y.
Já o trabalho Strain
heterogeneity in a non-pathogenic Aspergillus fungus highlights
factors associated with virulence está acessível em: www.nature.com/articles/s42003-024-06756-8.
André Julião
Agência FAPES
https://agencia.fapesp.br/enzima-produzida-por-fungo-ajuda-a-driblar-o-sistema-imune-e-facilita-infeccao/53744
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