Publicada na revista Molecular
Psychiatry, pesquisa inédita, que teve apoio do Instituto Serrapilheira, revela
que portadoras da doença têm níveis reduzidos de carnitina livre
Mulheres com Alzheimer ou com perda de memória leve apresentam
níveis reduzidos no sangue de carnitina livre, uma molécula essencial ao
metabolismo de ácidos graxos e gorduras. A descoberta de pesquisadores
brasileiros e norte-americanos revela que a alteração metabólica está associada
à gravidade do quadro em pacientes mulheres com a doença, ao contrário do que
se observa em homens, e abre novas possibilidades de diagnóstico e tratamento.
A pesquisa foi publicada na prestigiada revista Molecular Psychiatry, do
grupo Nature, e teve apoio financeiro do Instituto Serrapilheira. O estudo
completo pode ser acessado aqui.
A doença de Alzheimer afeta mais de 35 milhões de pessoas em todo
o mundo, sendo mais de 1,5 milhão apenas no Brasil. Apesar dos avanços
científicos das últimas décadas, a doença, ainda sem um tratamento eficaz,
permanece como a principal causa de demência em idosos. As projeções apontam
para o crescimento do transtorno neurodegenerativo nos próximos anos, sobretudo
em países em desenvolvimento, como o Brasil. Atualmente, a prevalência do
quadro é duas vezes maior em mulheres.
De acordo com o estudo, os níveis de carnitina, molécula essencial
para o metabolismo de gordura no corpo, apresentam queda no sangue de mulheres
com comprometimento cognitivo ou demência. O mesmo não ocorre com homens. Os
pesquisadores também observaram que a quantidade da molécula na corrente
sanguínea está correlacionada à performance cognitiva e aos marcadores do
Alzheimer em mulheres. Na prática, quanto mais grave o quadro da doença, menores
são os níveis da molécula no sangue.
A descoberta foi possível a partir da análise de amostras de
sangue de dois grupos distintos de pacientes, no Rio de Janeiro (Brasil) e na Califórnia
(Estados Unidos), totalizando 125 participantes. Os grupos reuniam pessoas com
quadro de perda de memória leve e doença de Alzheimer, além de outras
saudáveis.
“Os resultados sugerem que a carnitina e outras moléculas
similares, quando medidas no sangue, podem contribuir para entendermos por que
o Alzheimer é mais frequente em mulheres”, explica Mychael Lourenço, professor
do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, cientista apoiado pelo Serrapilheira
e um dos líderes do estudo. “Além disso, é importante notar que a constatação
foi feita em dois grupos populacionais diferentes: um brasileiro e outro
norte-americano. Isso sugere que os achados são replicáveis em populações com
características genéticas, socioeconômicas e culturais diferentes”.
Ao todo, a pesquisa envolveu 19 cientistas, incluindo pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), Universidade de Nova York, Universidade Duke e Universidade da Califórnia em Irvine. Além do Serrapilheira, o estudo teve apoio financeiro da FAPERJ, IDOR, Robertson Therapeutic Development Fund, International Society for Neurochemistry, Alzheimer’s Association e National Institutes of Health (EUA).
Pesquisa pode levar a testes menos invasivos para diagnóstico
de Alzheimer
Segundo Lourenço, a identificação dos mecanismos moleculares
relacionados à doença traz impactos para o diagnóstico, inclusive com a
possibilidade de novos testes menos invasivos e mais precisos, e também para a
adoção de estratégias terapêuticas mais eficazes para o tratamento do
Alzheimer.
Análises computacionais indicam que a dosagem de
carnitina no sangue pode contribuir com os exames do líquido cefalorraquidiano
(LCR), método de punção lombar usado em alguns casos, para aumentar a precisão
na detecção da doença. Pacientes
com níveis mais baixos de carnitina livre que participaram do estudo
apresentaram também uma concentração maior de proteínas beta-amiloide e tau —
associadas a Alzheimer e outras demências — em exame do LCR.
“É o primeiro estudo que mostra o potencial da carnitina não só como biomarcador em exame, mas também de forma robusta como um indicador importante em casos de pacientes mulheres com Alzheimer”, afirma o pesquisador.
Lourenço destaca que a carnitina desempenha papel essencial no metabolismo energético e na regulação epigenética, que são processos fundamentais para o bom funcionamento do cérebro, o que reforça a importância do estudo. A partir dos resultados, os pesquisadores planejam novas pesquisas em grupos maiores de pacientes, tanto para aprimoramento de métodos de diagnóstico do Alzheimer quanto para avaliar o potencial terapêutico da carnitina.
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