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terça-feira, 13 de agosto de 2024

O possível é a política

Cá para nós: se formos pensar em candidato\a ideal, pairado acima das coisas mundanas, não votaremos nem em nós mesmo\as. Isto posto, a pensar: se as alternativas políticas (candidato\as) que me são postas nivelam-se – se tudo é a mesma coisa –, então dou-me as devidas licenças éticas para não fazer nada, não me envolver em campanha eleitoral. Seja: escuso-me de participar da realidade, da vida como ela é.

Persuado-me de que me escafedo não porque traio o discurso de preocupação cívica. Nada disso. Dissuado-me de que não me sujo com as coisas do mundo. Para refletir sobre a “má fé” dessa posição, recomendo a peça mais célebre de Sartre, As Mãos Sujas, oposição argumentativa – e política – entre um realista (que suja as mãos quando a necessidade o impõe) e um idealista (tipo que guarda soluções revolucionárias, salvadoras).

Utopistas da pureza olham o derredor com olhos desdenhosos e invectivam contra o laxismo da moral pública; pretextam para se ausentarem. E o mundo que se dane. Tem gente assim. E essa gente se justifica, a si e à sua posição ‘‘acima do bem e do mal’’, com essa elementar proteção egóica. A Psicanálise chamaria isso de mecanismo de defesa do ego: um amparo improvável de si, do próprio comportamento, da ação ou inação.

Puristas enfastiado\as, embora lamentem o estado da Nação, arranjam um achaque socialmente aceitável, porém falso, e lavam as mãos. É trivial em tempos eleitorais: “Político é tudo ladrão”, “Situação e oposição não se diferem”, “Meus ideais não estão representados”, “Tudo farinha do mesmo saco”. Frases vazias, ardis morais, exculpações. Clinicamente, um psicanalista definiria essa atitude como racionalização.

Racionalização: “processo de caráter defensivo pelo qual um indivíduo apresenta uma explicação coerente ou moralmente aceitável para atos, ideias ou sentimentos cujos motivos verdadeiros não percebe” (Houaiss). Há quem perceba e se autorize; hipócrita: “dissimula sua personalidade e afeta, quase sempre por motivos interesseiros ou por medo de assumir sua verdadeira natureza, qualidades ou sentimentos que não possui” (Houaiss).

Certos neuróticos idealizam a própria imagem. Não adulteram virtudes, mas falsificam a concepção que têm sobre suas próprias virtudes. Emulam um “dever ser”. Arremedam um desenho de si, ornamentado para atender às exigências do seu orgulho neurótico, glorificar suas qualidades ilusórias. Para esses tipos, ninguém presta. Aliás, quanto menos eles mesmos prestam, mais declaram a imprestabilidade geral.

Ora, o mundo real não se reduz a um discurso afetado de pureza; realidade não é higienizável. Não obstante, a humanidade, ou uma parte dela, vem tendo um trabalhão danado para melhorar as coisas. Na esfera individual com reflexo na vida pública a primeira marca civilizatória, o abrir mão do ímpeto e da força, o controle do Id, até hoje não é questão resolvida. Somos bons ou maus? (ver Hobbes, Rousseau, Freud etc.).

Talvez, não fossem os meios de repressão (em geral postos a serviço do sistema dominante) e as formatações ideológicas (que “oferecem” visões de mundo), o incivilizado imperaria. Nos intentos cívicos, o esforço de democratizar as relações de poder nunca se concluiu. Somos pouco de república e muito de personalismo no universo político. No Brasil, há orgulho em declarar “eu não voto em partido, eu voto na pessoa”.

Pode-se objurgar: “a política é suja”; sobejam ilustrações do argumento, ou da falácia. Por isso mesmo dar relevo à ocasião eleitoral é necessário. Todavia, na equação do senso cívico há que considerar objetivamente as condições materiais da Pátria, as relações históricas que as produziram e mantêm, ou seja, há que se encarar a política como ela é, sem abstrair artificialmente os fatos indesejados, ainda que indesejáveis.

Então, o gesto concreto: a partir da nua realidade, emprestar alguma contribuição para que ela seja o que se gostaria que fosse. Costuma-se chamar isso de “pôr a mão na massa”. Quer dizer: escolha um partido, filie-se; por menos, escolha um\a candidato\a, ajude-o\a. Se não puder entrar de frente na campanha, contate amigo\as, ofereça informações, peça voto e algum empenho. Vá à luta, a seu modo, mas vá.

E vote. Com ou sem o seu voto, político\as serão eleito\as. Então, ajude a dar voz a quem lhe pode minimante representar. Se não há o que se pode nomear melhor, vote no mal menor. Candidato\as têm história pessoal a referenciá-lo\as. Informe-se; bisbilhote, se necessário. Se carecer parâmetro para decidir, como as próximas eleições são municipais, a mim me parece que deve ser a preocupação com a gerência da cidade.

A cidade é o lugar de viver a vida. O viver em comum é na rua, no bairro, na comunidade, na pequena pátria, enfim. Se alguém aventar com políticas preocupadas com o interesse geral, aí está um\a representante voltado\a ao que interessa: merece consideração. Esse seria o rumo do meu voto; cada qual se explique o seu. Agora... não é tudo a mesma coisa, e o possível é a política. Fora disso, pretextos e presunção.

 

Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.


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