Benéfico para bebês e mamães, momento ainda gera
muita insegurança e aflições
A amamentação é uma fase de extrema importância para bebês e mamães. Além de
suprir todos os nutrientes necessários para o desenvolvimento do recém-nascido,
é também um forte momento de conexão. Pegando como gancho o Agosto Dourado -
Mês de Conscientização sobre a Importância da Amamentação, a Inspirali,
principal ecossistema de educação médica do país, convidou a Dra Flávia Gheller
Schaidhauer, pediatra especialista em Amamentação e professora da UniSul, para
responder às principais dúvidas das mulheres em relação ao aleitamento.
Confira:
Quais os
benefícios da amamentação para o bebê?
R:
Os benefícios para o bebê são inúmeros, especialmente em relação ao
desenvolvimento cerebral e à prevenção de doenças. Logo após o nascimento, o
contato pele a pele e a amamentação auxiliam na adaptação do recém-nascido ao
ambiente externo, fortalecem o vínculo entre a família e o bebê e contribuem
para a regulação da temperatura e da glicemia, além de favorecerem reflexos
relacionados à amamentação. Crianças que são amamentadas têm maior proteção
contra doenças diarreicas e respiratórias, incluindo bronquiolite. Elas
apresentam menor risco de desenvolver alergias alimentares e, caso venham a
desenvolvê-las, têm mais chances de cura, como é o caso da alergia ao leite de
vaca.
O
desenvolvimento cerebral é potencializado pelo leite humano, mesmo que este
seja pasteurizado e proveniente de doadoras no caso de prematuros. Estudos
indicam que crianças amamentadas possuem um Quociente de Inteligência (QI) mais
elevado aos 5 anos de idade quando comparadas às crianças que não foram
amamentadas. A longo prazo, o leite humano oferece proteção contra obesidade e
doenças metabólicas, como diabetes mellitus e hipertensão.
E quais os
benefícios para a mãe?
R:
Os benefícios para a mãe começam já no pós-parto imediato. A amamentação nas
primeiras horas após o parto reduz o sangramento uterino, favorecendo as
contrações uterinas, e auxilia no retorno ao peso anterior à gestação. Além
disso, a amamentação diminui o risco de depressão puerperal e de transtornos de
saúde mental relacionados ao puerpério. A longo prazo, a amamentação por mais
de três a seis meses reduz o risco de diabetes mellitus, hipertensão e doenças
cardiovasculares em mulheres que tiveram transtornos relacionados à gestação,
como diabetes gestacional e pré-eclâmpsia, minimizando a probabilidade de essas
condições se tornarem crônicas. Ademais, a amamentação está associada a uma
menor incidência de câncer de ovário e câncer de mama. É importante ressaltar
que todos esses benefícios são dependentes do tempo: quanto maior a duração da
amamentação, maiores são os benefícios para a saúde da mãe.
Tem uma idade ideal para o bebê desmamar?
R:
O mamífero humano, do ponto de vista evolutivo, desmama em torno de 3 a 4 anos.
Não há um limite definido para a amamentação, e se a família optar por
continuar, é possível amamentar em tandem, ou seja, amamentar mais de uma
criança ao mesmo tempo, mesmo que tenham idades diferentes. Estudos mostram que
não há desenvolvimento de problemas psicológicos na criança que continua a ser
amamentada além do que a sociedade considera aceitável. Infelizmente, existe um
estigma social quando vemos crianças maiores sendo amamentadas. Essa decisão é
única e exclusiva da família, pois não há nenhum malefício e o leite continua
com suas características nutricionais.
Quando o
leite materno pode deixar de ser exclusivo?
R:
A alimentação complementar deve ser iniciada a partir dos seis meses de vida em
crianças nascidas a termo, quando elas apresentam sinais de prontidão, como a
capacidade de sentar-se praticamente sem apoio, a perda do reflexo de extrusão
da língua, a redução da salivação e o interesse pela comida. Em bebês
prematuros ou com síndromes genéticas, é essencial avaliar o desenvolvimento
neurológico e os sinais de prontidão para minimizar o risco de engasgo.
Antigamente, a introdução da alimentação complementar ocorria aos quatro meses,
o que resultava em muitos casos de engasgo. A mudança para o início da
alimentação complementar aos seis meses, alinhada ao respeito pelos sinais de
prontidão, é mais adequada para as crianças e reduz significativamente o risco
de engasgo, um grande temor das famílias.
O bebê deixa de se desenvolver de forma saudável se, por qualquer
motivo, não tiver acesso ao leite materno?
R:
O bebê pode se desenvolver adequadamente, independentemente de ser amamentado
ou não, na maioria dos casos. No entanto, ele não terá acesso aos benefícios
protetores que somente o leite materno pode oferecer. Bebês que são alimentados
com fórmula tendem a ficar mais doentes, apresentam mais episódios de diarreia
e doenças respiratórias e têm um risco maior de obesidade na infância, além de
estarem mais propensos a desenvolver alergias ao leite.
Qual outro
tipo de leite mais se aproxima dos benefícios do leite materno?
R:
Não há nenhum leite que se aproxime do leite materno. Todas as fórmulas infantis
são feitas à base de leite de vaca, e muitas famílias desconhecem isso, uma vez
que a propaganda da indústria induz a acreditar que as fórmulas são derivadas
do leite materno ou elaboradas com compostos semelhantes. O leite materno é um
alimento ativo e vivo, que modula o organismo da criança e educa o sistema
imunológico. Nenhum leite industrializado consegue replicar essas propriedades.
Além disso, uma questão importante sobre as fórmulas infantis é que elas podem
potencializar as alergias alimentares.
A mãe deve
fazer algum tipo de dieta para manter o leite materno nutritivo para o bebê? No
que consiste?
R:
As pessoas que amamentam precisam ter uma dieta balanceada, assim como aquelas
que não amamentam. Essa dieta deve ser rica em frutas, verduras, gorduras
saudáveis, como aquelas presentes nas castanhas e no azeite, e em proteínas de
alto valor nutricional. Durante a amamentação, a mãe tem um gasto energético
maior, por isso é necessário que ingira 500 calorias a mais do que sua
necessidade nutricional basal. Devido à gestação e à lactação, que podem
esgotar as reservas de nutrientes, a mulher que está amamentando deve
considerar a suplementação de ferro, vitamina D e ômega-3 durante esse período.
Se houver alguma doença pré-existente ou se a mulher tiver passado por cirurgia
bariátrica, a suplementação deve ser individualizada. A composição do leite
humano muda muito pouco em relação à dieta materna em termos de
macronutrientes. Portanto, uma alimentação adequada e a suplementação
vitamínica são essenciais para manter a saúde materna.
Por quais
motivos uma mãe deixa de produzir leite precocemente?
R:
Há diversos motivos que podem levar à redução na produção de leite, que vão
desde questões relacionadas à saúde mental até aspectos da gestação, parto e
nascimento. É importante lembrar que nada é definitivo e a situação pode ser
melhorada com um manejo clínico adequado por profissionais capacitados que
apoiem a amamentação. Um dos grandes riscos para a amamentação é o uso de
chupetas, que interfere na estimulação adequada da mama nas primeiras semanas e
pode induzir o desmame antes do primeiro ano de vida.
Entre
as causas que afetam a amamentação, destacam-se diabetes gestacional,
hipotiroidismo sem tratamento adequado, cesárea, ausência da "hora dourada",
violência obstétrica, transtornos de saúde mental, falta de apoio do parceiro e
da família, cirurgias de mama (como próteses e reduções mamárias) e depressão
pós-parto. Além disso, questões relacionadas ao bebê também influenciam a
amamentação, incluindo o uso de chupetas, a falta de livre demanda,
anquiloglossia, dificuldades de sucção associadas à prematuridade e síndromes
genéticas. Diante de tantos fatores, é fundamental entender que a amamentação é
um fenômeno biopsicossocial.
Existe leite
materno “fraco”? Por que isso acontece?
R:
Não existe leite fraco e esse é um dos principais mitos que causam desmame.
Mesmo em condições de fome, como na África, o organismo irá manter a qualidade
do leite materno, em detrimento da saúde materna; ele vai se manter rico e
nutritivo. Vivemos numa cultura do desmame, onde a sociedade reduz a capacidade
da mulher de nutrir seu próprio bebê, e quando o bebê chora ou quer ficar no
colo, entendemos somente como “fome” e que o leite é insuficiente. A humanidade
sobreviveu devido à amamentação; o advento da fórmula veio a partir dos anos 60
e 70, e essa indústria criou os mitos e nos fez acreditar que não somos capazes
de nutrir adequadamente nossos filhos. Após a ciência mostrar os benefícios da
amamentação e os malefícios das fórmulas, a sociedade e as famílias estão
buscando amamentar e chegaremos novamente a uma cultura onde a amamentação será
fortalecida. Por isso, o agosto dourado é tão importante.
Quando a
amamentação deixa de ser recomendada para um recém-nascido?
R:
São muito poucas as contraindicações absolutas ao leite humano. Entre elas,
encontram-se doenças genéticas como a galactosemia, na qual nenhum tipo de
leite, nem mesmo o artificial, é indicado. Outras contraindicações incluem
algumas doenças infecciosas, como a infecção pelo HIV/HTLV, e situações
temporárias, como a tuberculose em fase não tratada. Vale ressaltar que, no
caso de uma mãe estar se submetendo a quimioterapia, a amamentação será
suspensa. A grande maioria das medicações é permitida durante a lactação.
Ademais, se uma medicação específica não for compatível com a amamentação,
geralmente existe uma alternativa semelhante que pode ser utilizada sem riscos
para o bebê.
A mãe pode
transmitir alguma doença para o bebê com a amamentação caso esteja
infectada/contaminada? Em quais casos isso acontece?
R:
A única contraindicação relativa das doenças infecciosas são infecções pelo
HIV, varicela ativa com menos de 3 dias de erupção das lesões e herpes com
lesões na mama que não podem ser protegidas do bebê. Todas as demais doenças,
com manejo adequado, podem permitir a amamentação. No caso de doenças
respiratórias, a pessoa que amamenta pode usar máscara e lavar as mãos com
frequência para evitar contágio. O benefício da amamentação ainda supera, em
muito, os riscos de contágio de doenças infecciosas.
Por que o uso
de chupeta e mamadeira não é recomendado? Eles prejudicam a amamentação de
alguma forma?
R:
O uso prolongado da chupeta pode ter diversos impactos no crescimento facial da
criança. Quando a chupeta é utilizada de forma excessiva, pode interferir no
desenvolvimento adequado da arcada dentária e na posição dos dentes. Isso se
deve ao fato de que o hábito de sucção prolongada pode levar a alterações na
forma do maxilar e da mandíbula, resultando em problemas como má oclusão
dentária e alterações na estética facial. Além disso, o uso da chupeta pode
contribuir para a alteração do padrão respiratório, levando a uma respiração
bucal, o que pode afetar o crescimento adequado das estruturas faciais. A
respiração oral não só compromete a saúde bucal, mas também impacta a formação
dos músculos faciais e do palato, resultando em um crescimento facial
desarmonioso. Isso acontece com todos os bicos artificiais, e quanto mais
frequente o uso, maior será o impacto e as alterações relacionadas.
Qual
especialista pode ajudar a mãe neste processo de amamentação?
R:
Atualmente, a amamentação é uma área de especialização em saúde. Nos Estados
Unidos, a Medicina do Aleitamento já se consolidou como uma especialidade
médica que lida com as dificuldades de amamentação e questões relacionadas à
baixa produção de leite, além de doenças da mama durante a lactação, como a
mastite. No Brasil, é possível se especializar em amamentação por meio de
programas de pós-graduação lato sensu. Existe também uma certificação
internacional de qualidade para profissionais da amamentação, oferecida pelo
IBLCE (International Board of Lactation Consultant Examiners), que
confere o título de IBCLC (Consultora de Amamentação com Certificação
Internacional). Esse título é reconhecido mundialmente e permite que
profissionais estrangeiros exerçam suas funções em outros países sem a
necessidade de recertificação. No Brasil, temos em torno de quase 400
profissionais com essa certificação, sendo menos de 20% médicos.
Quais dicas
você daria para uma mãe que irá iniciar o processo de aleitamento?
R:
A amamentação não começa apenas após o parto; na verdade, tem início antes
mesmo da gestação. Para amamentar um bebê, não basta ter vontade; é fundamental
contar com o apoio da família e de um parceiro que compartilhe as
responsabilidades do cuidado. O casal precisa compreender o processo de ter um
filho e amamentar, além de realizar consultas sobre amamentação durante o
pré-natal. É essencial ter um manejo obstétrico de qualidade, livre de
violência obstétrica, e garantir a chamada "hora dourada" após o
nascimento. Também é importante que a maternidade siga políticas que incentivem
a amamentação, além de fornecer apoio de profissionais capacitados para
resolver eventuais dificuldades. Tenha uma consultora de amamentação e um
pediatra que apoie a amamentação, assim reduz muito os riscos de desmame
precoce.
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