Estudos sugerem que incidência da neoplasia pelo Papilomavírus Humano pode ultrapassar casos de tumores induzidos pelo tabagismo
Uma pesquisa divulgada pela Universidade de São Paulo (USP), em que foram analisados dados de 15.391 pacientes do Registro de Câncer de Base Populacional do município de São Paulo (RCBP-SP), contabilizados no período de 1997 a 2013, mostrou que o risco de câncer de boca e orofaringe (principalmente) associados ao Papilomavírus Humano (HPV) aumentou entre homens e mulheres jovens com idade até 39 anos. As estruturas que compõem a orofaringe são a base da língua, o palato mole, as amígdalas e paredes laterais e posterior da faringe. Principalmente a base da língua e as amígdalas são os locais mais acometidos pela doença HPV relacionada.
No Brasil, mesmo depois de dez anos em que os dados foram apurados, o cenário atual ainda preocupa: para cada ano do triênio 2023-2025 o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima 15.100 casos de câncer da cavidade oral e orofaringe, sendo um risco estimado de 6,99 por 100 mil habitantes. Essa incidência vem aumentando no país, assim como ocorre em outros países desenvolvidos. Estima-se que entre 2030 e 2040, o vírus HPV seja responsável por cerca de 50% dos tumores de orofaringe, sendo a outra metade relacionada ao tabagismo.
O risco de contato com o vírus HPV aumenta quanto maior é o número de parceiros sexuais ao longo da vida, principalmente quando falamos do sexo oral. Dados indicam que ter acima de seis parceiros durante a vida aumenta em 8,5 vezes o risco de desenvolver a neoplasia do que pessoas que não praticam sexo oral.
Contudo, vale lembrar que os tumores não surgem pelo ato em si, mas sim pela infecção pelo HPV - um grupo com mais de 200 subtipos do vírus que podem infectar a pele e a mucosa genital, oral e anal tanto de homens, quanto mulheres. “O uso de preservativos e a vacinação, oferecida gratuitamente pelo SUS para meninos e meninas entre 9 e 14 anos, são medidas importantes de prevenção que devem ser colocadas em prática. Evitar o consumo excessivo de álcool e o tabagismo também são cuidados que merecem atenção”, comenta o Dr. Pedro De Marchi, oncologista clínico especialista em tumores de cabeça, pescoço e tórax da Oncoclínicas.
É estimado que 85% da população entre em contato com o vírus HPV
em algum momento da vida, contudo, isso não significa que o câncer irá de fato
se desenvolver. "Após o contato com o vírus, a maior parte das pessoas
consegue eliminá-lo através do seu sistema imune, No entanto, eventualmente, o
vírus não é eliminado e uma infecção crônica se desenvolve. Essa infecção pode
persistir por muitos anos e não causar nenhum tipo de sintoma, o que não impede
que o vírus seja transmitido para outra pessoa. Além do sexo oral, a
transmissão do vírus também pode ocorrer por meio de relações sexuais vaginais
ou anais, causando outras neoplasias, como câncer de colo do útero, vagina,
vulva, pênis e anus”, acrescenta o médico.
Sintomas podem ser confundidos com problemas de saúde
Outro ponto que chama a atenção, segundo o especialista, são os
sintomas - bastante inespecíficos na fases iniciais da doença. “O paciente pode
ter um desconforto ou dor para engolir, sentir o alimentar “trancar” ao
deglutir, notar um aumento de ínguas no pescoço ou alguma ferida na região da
orofaringe que pode eventualmente levar a um sangramento. A dica mais
importante aqui é a questão da duração dos sintomas. Havendo persistência por
mais de 2 ou 3 semanas um médico especialista deve ser procurado”, indica o Dr.
Pedro De Marchi.
A importância do diagnóstico precoce
Diferente do câncer de colo de útero, não existe uma estratégia de rastreamento para o câncer de orofaringe relacionado ao HPV. Assim, é fundamental a busca por atendimento especializado caso haja persistência de sintomas na região da garganta. Isso é ainda mais relevante para os indivíduos tabagistas que têm um risco ainda maior de desenvolver câncer nessa região. O diagnóstico precoce é fundamental para um maior sucesso do tratamento”, comenta o oncologista da Oncoclínicas.
Após a confirmação da doença realizada através de uma biópsia, o próximo passo é fazer o estadiamento do tumor, ou seja, entender o quanto ele está avançado. Para isso são utilizados métodos radiológicos como:
- Tomografia computadorizada ou
ressonância nuclear magnética do pescoço: traz informações quanto ao tamanho e extensão do tumor em
relação às estruturas adjacentes. Também demonstra se há comprometimento
de linfonodos do pescoço (primeiras estruturas acometidas quando a doença
começa a se “espalhar”).
- Tomografia computadorizada do
tórax: solicitada para avaliar se há
lesões relacionadas à doença (metástases) nos pulmões.
- PET/CT: realizado em alguns casos para avaliar se há lesões
relacionadas à doença em outros órgãos (metástases);
- Exames de sangue: os exames de sangue são solicitados para avaliar o estado
de saúde geral do paciente, especialmente antes do tratamento; e
- Exame odontológico: antes de um eventual tratamento radioterápico, é
imprescindível que seja realizado um inventário odontológico. Nesse
momento pode ser necessária a remoção de dentes.
Existe tratamento?
“Existe tratamento tanto para lesões iniciais quanto para
aquelas mais avançadas. Vários fatores são levados em consideração além do
estadiamento da doença para se definir a melhor estratégia terapêutica, e, idealmente,
essa definição deve ser feita por uma equipe multidisciplinar, em conjunto com
o paciente”, enfatiza o especialista.
O tratamento pode incluir:
- Radioterapia IMRT: é um tipo de radioterapia que tem maior precisão na hora
de tratar o tumor. Com isso, o paciente apresenta menos efeitos colaterais
e os resultados são mais expressivos;
- Quimioterapia: são medicamentos utilizados na maioria das vezes por via
endovenosa (na veia) que atrapalhar a replicação das células, inclusive as
células tumorais, levando elas à morte. O principal quimioterápico
utilizado é chamado cisplatina é pode fazer parte do tratamento tanto
doenças mais inicias quanto da doença metastática.
- Terapia-alvo: são drogas atuam de forma diferente da quimioterapia
padrão, apresentando também efeitos colaterais distintos. Em linhas gerais
elas impedem que a célula tumoral se multiplique, retardando ou mesmo
interrompendo o crescimento do tumor. Diferente de outros cânceres,
infelizmente não há muitas opções de terapia-alvo no tratamento câncer de
orofaringe. Basicamente uma única droga é utilizada e pode ser pode ser
combinada com a radioterapia, combinada com a quimioterapia ou ser
utilizada de forma isolada; e
- Imunoterapia: esse tipo de tratamento auxilia a atividade das células de
defesa do paciente no combate à doença. Pode ser utilizada em combinação
ou não com quimioterapia, a depender de características clínicas do
paciente e da expressão do PDL1, que é uma proteína presente na superfície
do tumor.
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