Imagine a seguinte cena: você vai à praia ou ao parque com sua família e filhos. Vocês se sentam em cadeiras e tendas, outras famílias começam a chegar, e os jovens vão, aos poucos, se deitando nas espreguiçadeiras, ainda conversando com pais e irmãos. Mas, em um dado momento que parece mais um piscar de olhos, estão todos em posição fetal com seus telefones a cerca de 20 cm dos rostos. Ninguém diz nada, ninguém fala nada. Os adultos parecem achar a cena normal, afinal não é a primeira vez que eles veem seus filhos desse jeito. Rapidamente os adultos também estão sentados, vidrados em seus próprios telefones. Para alguns leitores, esta pode parecer a cena de um filme distópico, mas para muitos, talvez a maioria, é uma cena real já presenciada em alguma escala.
Muitos pais e educadores se perguntam qual o
equilíbrio para o uso das redes sociais na adolescência, se o uso das tais
redes é ou não nocivo, se existe algum benefício que possa ser extraído das
redes, uma vez que seus filhos não conseguem parar de usá-las. Felizmente não
há grande controvérsia para responder todas estas questões, o que ilumina o
caminho a se seguir.
Não é possível o equilíbrio: o uso é extremamente
nocivo para o desenvolvimento e, apesar de existirem benefícios, quase ninguém
consegue aproveitá-los. Em um país onde 95% dos jovens usam alguma rede social
(Agência Brasil, 2023), é seguro
dizer que vivemos os tempos de maior vício da história de nosso país. Há mais
de uma década as pesquisas sobre o vício das redes sociais geram mais e mais
informação para corroborar o que todos já sabemos: o uso das redes sociais
vicia. É como se 95% dos nossos jovens tivessem acesso à cocaína 24h por dia, 7
dias por semana. Parece um exagero, mas é fácil provar esta afirmação.
Todo pai e toda mãe cujos filhos têm redes sociais
percebe uma mudança de comportamento nos filhos e nunca para melhor. Eles se
tornam mais introspectivos, mais arredios, mais agressivos, ainda menos
cooperativos. O desempenho das atividades cotidianas é deixado de lado ou vai
se extinguindo gradativamente e a visão se deteriora, além de surgirem
problemas de outra ordem como Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade, Transtorno Opositor, Transtornos de Ansiedade e Depressão,
dentre outros. Muitos destes sintomas são vistos em usuários de drogas
“clássicas”.
Alguns argumentarão que não é culpa das redes
sociais, mas dos pais, da destruição da família ou dos tempos modernos. Não
devemos perder o foco - precisamos travar uma batalha por vez. Nas redes
sociais, seus filhos estão expostos a tudo, tudo mesmo. Pornografia, mortes,
pensamentos perversos dos mais diversos, para citar algumas coisas. Tudo
cortado e formatado para a maior dessensibilização e produção de dopamina
(prazer) possível.
Outros argumentarão que nas redes sociais você
encontra bons conteúdos, feito por bons profissionais - e é verdade. Mas é como
ir ao mercado e tentar chegar àqueles alimentos orgânicos lá no fundo de um
corredor recheado de balas, doces, refrigerantes e todo tipo de industrializado
que se possa imaginar. Você até compra seus orgânicos, mas encheu o carrinho de
açúcar e disruptores endócrinos, assim sua saúde ficará comprometida. Usar
redes sociais para acessar esses profissionais na juventude? Não vale o risco.
Na vida adulta? Tampouco, mas o adulto deveria ser capaz de ponderar os riscos
e benefícios de maneira madura.
Agora os pais e jovens, a contragosto, se perguntam:
o que podemos fazer então? No mundo real, não existe um cenário onde estes 95%
de jovens simplesmente deixem de consumir suas drogas. Este deve ser o alvo de
pais e educadores de toda sorte, mas não serviria para nada tentar obrigá-los a
parar. A vontade das pessoas é fraca, e é preciso fortalecer os bons hábitos
enquanto se reduz os maus.
Escolha uma obrigação que deve ser feita todos os
dias por seus filhos, algo condizente com sua idade, e ajude-os a fazer de
forma leve e tranquila. Para os pequenos, retirar os pratos da mesa ou arrumar
as camas e os brinquedos sempre que forem usados pode ser um bom começo. Para
os mais velhos, retirar o lixo de casa, fazer uma atividade física ou tomar um
banho gelado pela manhã pode ser o início deste caminho. Isso vai fortalecer a
vontade de fazer o que é certo, de se perceber dominante diante dos impulsos na
busca por prazer, de fortalecer o intelecto que nos diferencia dos animais.
Ao mesmo tempo, deve-se ir reduzindo os perfis
seguidos nas redes sociais, bem como o tempo nas redes, nos videogames ou
televisão. Ao fim de um mês, qualquer pessoa não deveria seguir mais do que
três perfis. Estes três perfis devem ser de pessoas que agreguem algo a sua
vida e, de preferência, distintos uns dos outros. Não adianta seguir três
psicólogos, ou três empresários, por exemplo. Você irá perceber que essas três
contas irão gerar conteúdo mais que suficientes para seu tempo de ócio. Ao
final, talvez se perceba que nem mesmo estes três perfis estão agregando tanto.
Você poderia estar fazendo um curso, trabalhando, aperfeiçoando-se e sendo útil
à sua comunidade no lugar de estar nas redes sociais.
Pode ser que algumas pessoas ainda pensem no exagero, que não é bem assim. Pense que seus filhos podem estar conversando com pedófilos, que eles estão consumindo uma droga extremamente nociva todos os dias, que se vocês que são os pais não fizerem algo, seus filhos estão à mercê do mal. E pode chegar o dia em que tentar recuperar o tempo perdido será tarde demais.
Sergio Patto - psicólogo clínico especialista na infância e na adolescência. Também escreveu “McUlster”, uma aventura épica sobre a jornada heroica de um adolescente.
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