Na quarta Conferência FAPESP 2024, Carlos Jaramillo, cientista-chefe de paleobiologia do Smithsonian Tropical Research Institute (STRI), mostrou como o continente adquiriu sua fisionomia atual
A floresta
úmida neotropical é um bioma de dossel fechado, dominado por espécies vegetais
angiospermas dispostas em diferentes altitudes. Vale lembrar que as angiospermas
têm suas sementes protegidas pelos frutos. Com raiz, caule, folhas, flores,
frutos e sementes, elas compõem o maior e mais moderno grupo de plantas,
englobando cerca de 90% de todas as espécies vegetais. A transição de regiões
que, durante o Cretáceo, entre 145 milhões e 66 milhões de anos atrás, não
apresentavam angiospermas para regiões totalmente dominadas por esse tipo de
vegetação é o traço mais notável da evolução ecossistêmica do continente
sul-americano.
Foi também o principal destaque
da 4ª Conferência FAPESP 2024, “A Formação dos Ecossistemas da
América do Sul”, proferida por Carlos Jaramillo, cientista-chefe de
paleobiologia do Smithsonian Tropical Research Institute (STRI). Formado em
geologia na Universidad Nacional de Colombia (1992), Jaramillo obteve seu
mestrado na University of Missouri-Rolla (1995) e seu doutorado na University
of Florida (1999), ambas nos Estados Unidos. É autor de mais de 200 artigos e
detentor de diversos prêmios científicos.
“O período Cretáceo
caracterizou-se por florestas sem copa fechada, compostas principalmente por
gimnospermas [plantas com sementes nuas, ou seja, não envolvidas por frutos] e
fetos [plantas vasculares que apresentam verdadeiras raízes, caules e folhas e
que se reproduzem por esporos, como a samambaia], em contraste acentuado com as
florestas tropicais multiniveladas e ricas em angiospermas que emergiram após a
megaperturbação que marcou o fim do Cretáceo [e da era Mesozoica] e o início do
Paleogeno [e da era Cenozoica]”, disse.
Essa megaperturbação, como se
sabe, foi causada pelo impacto de um grande asteroide, há mais ou menos 65,5
milhões de anos. O fato provocou uma extinção em massa, que eliminou boa parte
dos seres vivos, inclusive os grandes répteis (dinossauros e outros) que haviam
dominado o período anterior, e reconfigurou a biodiversidade do planeta. “Esse
evento singular alterou toda a trajetória evolutiva da Terra”, afirmou o
pesquisador.
Durante o Cretáceo, a
concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera era muito maior do que
hoje, contribuindo para temperaturas médias globais significativamente mais
altas. Estas condições favoreceram a dominância de gimnospermas e grandes
fetos. A subsequente diminuição do CO2, particularmente durante o Neogeno,
promoveu a expansão das angiospermas, que dominam hoje os biomas tropicais.
Outra mudança importante,
ocorrida progressivamente ao longo da era Cenozoica, foi a maior diferenciação
dos ecossistemas, com a redução de 30% da floresta úmida tropical. “Isso
acompanhou a queda dos níveis de CO2 na atmosfera e o consequente resfriamento
do planeta”, explicou Jaramillo. Após o Eoceno, vários novos biomas, como
florestas tropicais secas, savanas e florestas montanhosas, começaram a
aparecer e se expandir, reformulando a paisagem sul-americana.
Convergindo com as mudanças no
clima global, um processo geológico de enormes proporções contribuiu para essa
reconfiguração: o levantamento dos Andes, ocorrido ao longo do Cenozoico. Esse
processo não só remodelou em grande escala o cenário físico, mas também teve
implicações diretas na distribuição das precipitações e no surgimento de novos
biomas. A elevação alterou os padrões de circulação atmosférica e criou
barreiras que resultaram em uma grande diversidade de microclimas. Uma das
formações resultantes foi a dos Páramos colombianos – bioma de altitude,
composto de gramíneas e árvores anãs, frequentemente nublado, que é o grande
fornecedor de água para a população.
Jaramillo mostrou que, em um
mesmo patamar de temperatura, diferentes regimes de precipitação podem provocar
mudanças ecossistêmicas que vão da floresta úmida tropical à floresta
seca, à savana e ao deserto.
A convergência desses eventos
geológicos e climáticos não somente moldou a estrutura física e a composição
florística dos biomas sul-americanos, mas também influenciou processos
ecológicos, como a dispersão de sementes, a competição entre espécies e as
interações predador-presa. A conexão entre a geologia e o clima continua a ser
um fator dinâmico na evolução dos biomas, destacando a complexidade e a
interconectividade dos sistemas naturais.
A 4ª Conferência FAPESP 2024,
“A Formação dos Ecossistemas da América do Sul”, foi aberta pelo
professor Marcio de Castro Silva Filho,
diretor científico da FAPESP. E teve a moderação da professora Cristina Yumi Miyaki,
do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Participou
da mesa de abertura o professor Fernando Ferreira Costa,
coordenador da comissão científica que organiza o ciclo das Conferências
FAPESP.
A conferência “A Formação dos
Ecossistemas da América do Sul” pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/live/0QnJJldKnAo.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/impacto-de-asteroide-e-elevacao-dos-andes-ajudaram-a-moldar-os-ecossistemas-da-america-do-sul/51778
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