A lei 12.764 de 2012 diz que pessoas com autismo com comprovada necessidade têm direito a um acompahante especializado. No entanto, a lei falhou ao não dizer qual é o papel deste profissional e não especificar como se verifica esta tal “comprovada necessidade”. Isso gera inúmeros problemas no exercício do direito, sendo dois os mais expressivos: a) a transformação do “acompanhante especializado” em mero cuidador; e b) a negação do direito ao acompanhante à criança ou adolescente que dele necessita.
Para pensarmos qual é o melhor papel para o
acompanhante, é preciso que tenhamos as informações sobre que conhecimento tem
sido produzido a este respeito. Existem diversas possibilidades.
Uma delas é o acompanhante como cuidador. Nesta
perspectiva, o profissional não pode ter nenhum papel pedagógico e só é
adequado quando a criança tem dificuldades para se comunicar, andar, comer ou
fazer sua higiene pessoal, isto é defendido pela corrente a que denominamos de
Inclusão Total.
As demais perspectivas são defendidas por
diferentes intelectuais da corrente a que denominamos de Educação Inclusiva.
Na inclusão do acompanhante como Bidocência, este
profissional é um professor especialista naquela deficiência e deve apoiar o
estudante em inclusão, em diferentes esquemas.
No caso da inclusão do acompanhante como Ensino
Colaborativo, ele é um professor especialista em Educação Especial,
que apoia o professor regente com a sala em diferentes esquemas de
redistribuição.
Por fim, temos o acompanhante como implementador de
intervenção comportamental. Aqui, o estudante deve ser avaliado antes do
processo de inclusão. Na avaliação, devem ser definidos os objetivos e
programas de ensino para sua plena inclusão e o acompanhante deve ser treinado
para implementar estes programas e registrar os dados dele decorrentes.
Esta última perspectiva é a que possui as melhores
evidências de que seja um caminho seguro a se seguir, modelo largamente
dominante na escolarização nos Estados Unidos. Nela, o acompanhante não precisa
ter formação superior, daí que seja acessível financeiramente, e o centro do
processo de inclusão é a figura equivalente ao professor da Sala de Recursos. É
ele quem avalia a criança ou adolescente e define os programas de ensino (Plano
de Ensino Individualizado), treina os acompanhantes e os mantêm sob supervisão
- tudo isso preferencialmente com apoio de equipe multidisciplinar.
Ainda restou a questão da definição de quem possui
efetivamente o direito ao acompanhante. Se a política em vigor for condizente
com o primeiro grupo apresentado, só têm direito as pessoas com dificuldade de
comunicação, locomoção, alimentação ou higiene, o que deve ser avaliado por um
médico. Mas, se houver uma política condizente com as demais posições, então a
questão é pedagógica e devemos definir quem precisa de apoio.
A grande questão aí é que não dar apoio a quem
precisa o impede de avançar e dar apoio a quem não precisa o torna dependente e
também barra sua evolução. A tradição educacional brasileira é muito mais
sustentada por discursos do que por processos técnicos, que são fundamentais
para este tipo de decisão.
Sustento que um instrumento já validado no Brasil e
largamente utilizado nos EUA para este tipo de avaliação deveria ser adotado
por nós, pois é capaz de descrever a necessidade, ou não, das crianças ou
adolescentes terem um acompanhante especializado. Trata-se do VB-MAPP, que
também serve para orientar o Plano de Ensino Individualizado.
A ideia é fugir a todo custo de saídas improvisadas
ou intuitivas e aproveitar o melhor conhecimento já produzido no mundo para as
pessoas com autismo.
Lucelmo Lacerda - doutor em Educação, com Pós-doutorado
em Psicologia e pesquisador de Autismo e Inclusão, autor do livro “Crítica à
Pseudociência em Educação Especial – Trilhas de uma educação inclusiva baseada
em evidências”.
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