Versão geneticamente modificada do Bacilo Calmette-Guérin tem custo baixo e se mostrou eficaz contra o SARS-CoV-2 em experimentos com camundongos. Imunizante ensina o sistema imune a se proteger da tuberculose e de outros patógenos.
Embora a vacinação contra a covid-19
tenha avançado rapidamente nos países desenvolvidos, até o ano passado apenas
cerca de 16% da população foi vacinada nos países de renda baixa, segundo a
Organização Mundial de Saúde. Uma cepa modificada geneticamente do Bacilo
Calmette-Guérin
(BCG), usado como vacina para a tuberculose, poderá ser produzida
com baixo custo e facilitar o avanço da imunização contra o coronavírus nesses
países. A bactéria produziu uma proteína quimérica com dois antígenos do
SARS-CoV-2, e protegeu camundongos expostos ao vírus, como descrito no artigo
publicado na revista Journal of Immunology.
“Os resultados foram animadores”, comemora
Sérgio Costa Oliveira, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de
Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), que coordenou o
estudo em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto
Butantan, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz). “Não detectamos nenhum sinal do vírus no pulmão dos animais
vacinados com a BCG recombinante, com o ensaio de formação de vírus em placas”,
relata Oliveira.
Os pesquisadores verificaram que os antígenos
do SARS-CoV-2 estimularam a produção de anticorpos, que bloquearam a ação
viral. Segundo Oliveira, a BCG estimula o sistema imune inato, preparando o
organismo para se defender de outros patógenos, além da própria tuberculose
— propriedade conhecida como efeito heterólogo. Eles verificaram que a BCG
contribuiu para aumentar a atividade dos linfócitos T e dos macrófagos, que
auxiliam na eliminação do SARS-CoV-2.
A BCG foi criada em 1921, a partir do bacilo Mycobacterium
bovis, isolado de bovinos, semelhante ao M.
tuberculosis, que causa a doença, mas é menos virulento. Quatro
bilhões de pessoas foram vacinadas com a BCG, quase 60% da população mundial,
com poucos efeitos colaterais, segundo artigo publicado em 2013 na revista Maedica –
a Journal of Clinical Medicine. Por isso, ela é considerada uma das
vacinas mais seguras. Devido ao efeito heterólogo, pode ser usada no tratamento
de outras doenças, sendo considerada uma das terapias preferenciais para o
câncer de bexiga.
Menos
susceptível às mutações - Para modificar a vacina, os
pesquisadores introduziram uma sequência gênica no BCG, contendo o gene da
proteína S, que fica na parte de fora do SARS-CoV-2 e
facilita sua entrada na célula, associado ao gene do nucleocapsídeo (N), que
envolve e protege o material genético do patógeno. Como resultado, o bacilo
produziu uma proteína composta pelos dois antígenos. Para simular a ação do
coronavírus em seres humanos, os pesquisadores usaram animais transgênicos com
receptor humano (ACE2) para o SARS-CoV-2.
A proteína S, que se liga ao receptor humano
ACE2 e facilita a entrada do vírus na célula, já é usada em cerca de 90% das
vacinas contra a covid-19, mas, como sofre mutações com frequência, os
imunizantes precisam ser atualizados. A proteína N, por ser menos exposta ao
sistema imune, é mais estável e menos suscetível a mutações do que a proteína
S, conferindo maior durabilidade à vacina.
No experimento, a BCG recebeu um reforço
depois de 30 dias, quando foi injetada a proteína quimérica associada com um
adjuvante, que estimula a resposta imunológica. “O reforço foi fundamental para
aumentar a imunidade dos roedores, que ficaram mais protegidos do que aqueles
animais que receberam apenas o BCG, ou apenas a proteína com o adjuvante”,
relata Oliveira.
Uma vez que a prova de conceito funcionou,
Oliveira pretende prosseguir com a pesquisa e ajustar o imunizante contra as
variantes do coronavírus, e, quando possível, começar os testes clínicos em
seres humanos. Como houve um aumento considerável de mortes por tuberculose
durante a pandemia, a nova vacina poderá facilitar a imunização das duas
doenças ao mesmo tempo.
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