“Eu tenho, você não te-em! Eu tenho, você não te-em!” Muitos adultos devem se lembrar do versinho, entoado quase como uma música, no comercial de uma tesourinha da Disney, nos já longínquos anos de 1990. Com os olhos vidrados em frente à tela da televisão, milhares de crianças sonhavam dia e noite com aquele pequeno objeto, estampado com o rosto dos dois ratinhos mais famosos do mundo: Mickey e Minnie. Como essa, centenas de outras peças publicitárias pipocavam na programação matinal, naquele tempo, quase exclusivamente dedicada aos conteúdos infantis, como desenhos animados e programas com apresentadoras em trajes coloridos.
Desde então, nossa compreensão dos meandros da
neurociência e nossa avaliação moral e ética evoluíram de maneira
significativa. Com isso, uma série de hábitos que nos eram rotineiros passaram
a ser, inicialmente, questionados, depois, seriamente restringidos e, por fim,
proibidos devido à sua natureza intrinsecamente antiética. Comportamentos que
antes eram aceitos como naturais agora são vistos como impraticáveis. Um deles
é a publicidade infantil. Por lei, esse tipo de peça é proibida no Brasil por
uma série de dispositivos legais. Entre eles, o Código de Defesa do Consumidor,
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Legal da Primeira
Infância.
Mas, a não exposição de nossas crianças aos apelos
cotidianos do consumismo não basta para que tenhamos novas gerações mais
conscientes de sua relação com o dinheiro. Esse é um relacionamento que precisa
ser cuidadosamente construído, ao longo da infância e da adolescência, para que
nossos filhos compreendam que nem tudo o que desejam é necessário.
Embora a ausência de provocações,como a da tesoura
do Mickey, seja de grande ajuda, ela sozinha não é capaz de impedir que os
pequenos se sintam incompletos quando não possuem o brinquedo, a roupa, o
calçado ou o material escolar que está na moda. A forma como lidamos com nossos
impulsos de consumo ainda não foi completamente desvendada pela ciência, por
maiores que sejam os esforços para entender por que sentimos tanta necessidade
de adquirir e acumular coisas ao longo da vida. Uma coisa, no entanto, já
sabemos: comprar ou ganhar coisas nos dá alegria e prazer.
Não se trata de uma impressão ou sensação empírica,
mas de ciência. Estudos já comprovaram que comprar algo que se deseja induz à
produção de dopamina pelo cérebro. Esse é o mesmo neurotransmissor responsável
pela sensação de prazer. E a produção de dopamina não tem nenhuma relação com a
idade. É assim para adultos e também para crianças.
Se a satisfação causada pelas compras é uma reação
biológica, como, então, convencer os pequenos de que, muitas vezes, é preciso
resistir à vontade de consumir? A verdade é que as crianças aprendem muito mais
rápido e de maneira mais sólida pelo exemplo. Essa é uma outra verdade que,
embora pareça amarga, já foi comprovada pela ciência. A tendência das crianças,
principalmente as mais novas, é reproduzir comportamentos dos pais,
responsáveis e de outros adultos com os quais elas convivem no dia a dia.
Para criarmos filhos financeiramente mais
responsáveis, precisamos primeiro nos reeducar a nós mesmos. Rever padrões de
comportamento frente aos nossos próprios desejos de consumo pode parecer
doloroso, mas é imprescindível. Ou estaremos navegando sempre contra a
corrente, sem velas, sem remo e sem um motor que possa nos conduzir. De nada
adianta ensinar seu filho a não acumular posses se seu próprio armário está
repleto de pares de sapatos ou camisas de times de futebol.
Podemos repetir exaustivamente o mantra “você não
precisa disso para ser feliz”. Podemos dizer quantos “nãos” julgarmos adequados
como resposta a pedidos de novos brinquedos, roupas ou calçados. Se não
adotarmos, nós também, um comportamento não consumista, todas as nossas
palavras serão ouvidas por eles como um sonoro “eu tenho, você não te-em!”.
Fernando Vargas - coordenador pedagógico da Conquista Solução Educacional
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