Para ser campeã, uma escola de samba precisa muito mais do que um enredo bonito e belas alegorias. Os jurados, colocados em posições estratégicas dos sambódromos, passam por treinamentos específicos para analisar os dez quesitos definidos e cada nota faz muita diferença. Uma escola pode ser rebaixada para outro grupo por décimos e até milésimos. E tão minuciosa assim também deve ser a avaliação antes de liberar ou não uma das maiores festas do Brasil.
Na avenida, quando a escola atravessa a passarela
do samba em tempo inferior a 65 minutos, perde pontos preciosos na nota final.
Na luta contra a covid-19, isso também acontece. Há quase dois anos, uma
força-tarefa foi criada no país e no mundo para definir novas regras de
convivência que incluem o uso da máscara, distanciamento social e higienização
constante das mãos. Ao longo desse período, enquanto cada um buscava fazer a
sua parte na avenida, equipes de pesquisadores desenvolveram em tempo recorde
vacinas contra a doença, novos medicamentos e protocolos de cuidados, além de
estudos valiosos sobre as sequelas da doença que, em muitos casos, têm se
mostrado cruéis com os infectados.
Agora é hora apenas do recuo programado da bateria
e não do silêncio do samba enredo. Pandeiro, cuíca, tamborim, ganzá e surdo
seguirão a batucada, mas, mesmo não sendo obrigatória, a parada da bateria no
meio do desfile é estratégica e se faz necessária para que as outras alas se
aproximem e não saiam do samba. Não podemos parar de sambar antes da avenida
acabar. A ala das baianas ainda precisa passar. Vivemos um momento de pausa
estratégica para reforços de segunda e terceira doses da vacina e também para
entendermos as novas variantes e os motivos que estão levando países europeus a
fecharem novamente as portas.
E assim como tem o momento e o movimento certo para
o recuo da bateria, também é preparado o seu retorno, para que não fiquem
espaços vazios na avenida ou a batucada perca o compasso. Tudo deve ser
ensaiado e orquestrado, para que a beleza seja mantida até o último folião
vencer a passarela do samba. Não vale a pena correr agora nos minutos finais e
perder todo esforço do mestre-sala que deu o seu suor para representar a sua
escola.
Milhares de profissionais perderam noites de sono,
momentos com a família e trabalharam arduamente para que cada lantejoula fosse
colada e a fantasia tomasse forma para viver o grande desfile. E, mesmo que já
esteja amanhecendo e seu brilho não tenha o mesmo efeito na passarela,
antecipar a passagem tira pontos da escola e todos perdemos o esforço realizado
na travessia do samba. Voltar ao início já não é possível, pois mais de 613 mil
brasileiros não podem apreciar a beleza do carnaval, mas correr sem mostrar o
samba no pé também não é o melhor a se fazer.
O mais difícil já foi trabalhado. Agora, é preciso
um pouco mais de esforço para que os foliões não deixem a energia cair. Por
mais cansativo e exaustivo que seja todo esse processo, ainda não é o momento
de tirar a máscara e nos abraçarmos. Desistir e entregar os pontos antes de
passar pela linha de chegada nunca é a atitude ideal. Falta pouco para
resgatarmos minimamente rotinas que tínhamos antes da pandemia da covid-19
chegar. Igual nunca será. Mas o samba terá novas chances de pulsar.
Viviane Hessel -
infectologista e coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do
Hospital Marcelino Champagnat
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