Em seminário on-line organizado pela FAPESP, pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos divulgaram resultados preliminares de estudos sobre a saúde mental e a qualidade de vida desses sobreviventes seis meses após alta hospitalar (foto: Engin Akyurt/Pixabay)
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“Há mais de um ano sofremos as
consequências da pandemia de COVID-19 e, com o tempo, fomos percebendo que,
para além de problemas relacionados à transmissão, infecção e mortes, a
COVID-19 pode trazer também consequências de longo prazo para pacientes. Como
essas implicações ainda não estão completamente entendidas pelos cientistas, é
muito importante estimular a troca de conhecimento e de experiências entre
pesquisadores de todo o mundo", disse Luiz Eugênio Mello, diretor
científico da FAPESP, na abertura do seminário on-line “Long and post-acute COVID-19”,
realizado no início de junho. O evento integra a série FAPESP COVID-19 Research Webinars,
organizada com apoio do Global Research Council (GRC).
No evento,
cientistas do Brasil e dos Estados Unidos apresentaram resultados preliminares
de estudos que estão desenvolvendo a respeito do impacto prolongado da
COVID-19.
No Brasil,
882 pacientes que estiveram internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM-USP) estão tendo aspectos da vida
pós-COVID monitorados por pesquisadores a fim de aprofundar o entendimento
sobre a presença de sintomas da doença seis meses após a alta hospitalar. Todos
os participantes do estudo tiveram a forma grave da doença, sendo que dois terços
precisaram de atendimento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Com seis
meses de análise, os pesquisadores observaram que é alta a ocorrência de
sintomas após a alta hospitalar. Do total de pesquisados, 89,3% apresentaram
sintomas persistentes, como cansaço, dores pelo corpo e dispneia. Além disso,
58,7% relataram pelo menos um sintoma emocional ou cognitivo, como perda de
memória (42%), insônia (33%), concentração prejudicada (31%), ansiedade (28%) e
depressão (22%).
“Esses sintomas estão todos inter-relacionados.
Em outras palavras, o que verificamos é que uma pessoa que reclama de perda de
memória também relata insônia, ansiedade e depressão. É importante destacar que
esses resultados foram ajustados em relação aos sintomas apresentados antes de as
pessoas terem COVID-19”, afirmou Geraldo Busatto,
coordenador do Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria (LIM21) do HC-FM-USP e
coordenador do estudo.
Busatto
explica que, durante o estudo, foram realizadas entrevistas estruturadas com os
pacientes, o que permitiu aos pesquisadores categorizar diagnósticos de
transtornos psiquiátricos. “Há uma variedade de transtornos entre esses
pacientes e um índice similar de estresse pós-traumático (13,65%) em relação
aos dados disponíveis sobre a população em geral. No entanto, encontramos
índices altos de alucinações (8,71%) e delírios (6,35%)”, ressaltou.
Também foi
pedido que os participantes realizassem tarefas cognitivas. “Em comparação com
a média brasileira, esses pacientes tiveram um resultado pior, isso
especialmente entre os que tinham entre 60 e 75 anos. Já nos testes que
analisaram fluência verbal, não houve diferença entre os pacientes e a
população brasileira em geral. Isso mostra que, provavelmente, o déficit
causado pela COVID-19 não é uniforme, algumas áreas da cognição devem
apresentar mais déficits que outras”, disse Busatto.
Qualidade de vida pós-COVID
Outro
estudo que também está sendo realizado no Brasil e que envolve mais de 55
centros de pesquisa pretende investigar as consequências de longo prazo da
COVID-19 na qualidade de vida de cerca de mil indivíduos adultos que foram
hospitalizados.
“Os dados
preliminares mostram que seis meses após a alta hospitalar a mortalidade é alta
(6,9%), e a re-hospitalização, comum (16%). Entre os pacientes que fizeram uso
de ventilação mecânica, esses dados são maiores: 24% morreram seis meses depois
da alta hospitalar, contra 2% dos que não precisaram de ventilação mecânica. Em
relação à re-hospitalização, ela foi de 40% contra 10% em relação à ventilação
mecânica. São diferenças estatísticas significativas, mesmo após o ajuste de
covariantes como idade e comorbidades", contou Regis Goulart Rosa, médico
intensivista do Hospital Moinho de Vento em Porto Alegre (RS) e um dos
coordenadores do estudo.
Foi observada ainda
perda de funções físicas importantes para a realização de atividades do dia a
dia. “Houve piora acentuada nos primeiros três meses, apresentando relativa
melhora até o sexto. No entanto, entre os pacientes que utilizaram ventilação
mecânica, mesmo após seis meses de alta, eles ainda não tinham atingido os
mesmos patamares de antes da COVID-19”, afirmou Rosa.
Um estudo
semelhante, realizado com pacientes norte-americanos, vai monitorar por seis
meses 1.500 sobreviventes da COVID-19. O intuito é acompanhar variações na
saúde cardiopulmonar e mental, bem como questões socioeconômicas.
Os dados
de 253 pacientes coletados um mês após a alta hospitalar mostram que 54,9%
apresentavam algum sintoma cardiopulmonar. Entre os pesquisados, 15,9%
continuavam a precisar de suplementação de oxigênio em suas residências. Ainda
de acordo com a pesquisa, os pacientes também apresentavam sintomas como tosse
(23%), falta de ar antes de dormir (13,4%), batimentos cardíacos irregulares ou
acelerados (19,1%) e dor no peito, cansaço ou angina (11,3%).
"Uma
descoberta preocupante está no fato de que muitos dos pacientes que apresentam
alguma dessas dificuldades retornam para suas casas sem nenhum auxílio para
lidar com esses novos problemas. Isso se soma ao aspecto destacado na pesquisa
de que 53% dos respondentes tiveram suas finanças drenadas após a
hospitalização. Além disso, 38% tiveram que pedir ajuda para que parentes
cuidassem deles e 20% tiveram que mudar de trabalho. Há um impacto
socioeconômico da COVID-19 e também da COVID longa”, disse Catherine Hough, que
coordena o estudo realizado na Oregon Health & Science University.
A
recuperação da COVID-19 pode ser lenta para muitos pacientes. O estudo
realizado nos Estados Unidos mostrou que 85% dos pacientes ainda não tinham se
restabelecido completamente um mês depois da alta hospitalar. Do total, 65%
apresentavam alguma incapacidade e 63% tinham algum problema cognitivo
significativo. “Ao analisar os mesmos dados três meses após a alta dos
pacientes, observamos pouca mudança em relação a esses sintomas: 75% dos
pacientes ainda não tinham se restabelecido completamente, 60% apresentavam
alguma incapacidade e 54% apresentavam algum problema cognitivo significativo.”
Hough
ressaltou que os estudos sobre a COVID longa precisam considerar doenças e
outros problemas de saúde que já estavam presentes antes da infecção pelo
SARS-CoV-2. O vírus, segundo a pesquisadora, “pode ser um amplificador de
problemas anteriores”.
Quebra-cabeça
Os
mecanismos imunológicos que levam a essa variação de sintomas e sequelas
pós-COVID também estão sendo pesquisados. “Há uma variação grande na forma como
o sistema imunológico humano monta uma defesa contra o coronavírus, por isso
temos essa multiplicidade de prognósticos: assintomático, leve, moderada, ou
COVID-19 severa. Da mesma forma, sabemos que, enquanto algumas pessoas vão
apresentar apenas a versão aguda da doença, outras terão uma versão mais
prolongada, com sintomas e sequelas que poderão perdurar por meses”, explicou
Carolina Lucas, pesquisadora do laboratório Akiko Iwasaki, na Yale School of
Medicine nos Estados Unidos.
Em um estudo publicado na
revista Nature, Lucas identificou quatro assinaturas
imunológicas preditoras, que seriam capazes de distinguir e prever a trajetória
da doença em cada paciente ao investigar parâmetros imunológicos e clínicos de
113 pacientes, entre casos moderados (fora da UTI) e casos graves (na UTI), ao
longo de até 53 dias após o aparecimento de sintomas.
O grupo de
pesquisadores observou que, entre os pacientes com doença moderada que se
recuperaram, havia ainda uma maior abundância das proteínas envolvidas na cura
e no reparo do tecido. No entanto, naqueles com a forma agravada da doença, as
citocinas eram mais misturadas, aparecendo em combinações que são incomuns para
infecção viral. Mais pessoas morreram nesse grupo.
Há ainda uma questão de timing. Os resultados das análises indicaram que os
pacientes em estado grave não conseguiram controlar a carga viral ao longo do
tempo e apresentavam níveis mais elevados de interferon, uma classe de
proteínas produzidas por células de defesa para combater patógenos.
Outro aspecto
identificado pelos pesquisadores está na correlação entre a carga viral e as
quantidades de citocinas envolvidas nas funções antivirais, independentemente
da gravidade da doença.
A íntegra do webinário pode ser
acessada em: https://covid19.fapesp.br/covid-19-longa-e-sub-aguda/545.
Maria
Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/maioria-dos-pacientes-que-sobrevivem-a-forma-grave-da-covid-19-apresenta-sintomas-prolongados-da-doenca/36134/
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