Experimentos laboratoriais conduzidos
na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indicam que anticorpos presentes
no plasma sanguíneo de pessoas que já tiveram COVID-19 e se recuperaram são
cerca de seis vezes menos eficientes para neutralizar a variante brasileira do
SARS-CoV-2, denominada P.1., do que a chamada linhagem B, que circulou no país
nos primeiros meses da pandemia.
O estudo mostra ainda que o plasma
coletado de indivíduos que receberam a segunda dose da CoronaVac há cerca de
cinco meses apresenta baixa quantidade de anticorpos capazes de neutralizar o
novo coronavírus – tanto a linhagem B quanto a variante P.1. Os dados
foram divulgados segunda-feira (01/03) na plataforma Preprints with The Lancet e ainda estão em
processo de revisão por pares.
“O que esses resultados preliminares
sugerem é que tanto as pessoas que já tiveram COVID-19 como aquelas que foram
vacinadas podem ser infectadas pela nova variante P.1. e, portanto, não devem
se descuidar”, alerta José Luiz Proença Módena, professor do Instituto de Biologia (IB-Unicamp) e coordenador da
investigação.
Segundo o
pesquisador, esse fenômeno é comum e ocorre também com outras vacinas, fazendo
com que alguns vírus continuem circulando mesmo após uma população ser
imunizada. “Em hipótese alguma ele sugere que a vacina não funciona”, afirma.
Os experimentos descritos no artigo
foram realizados com apoio da FAPESP (projetos 16/00194-8 e 20/04558-0) no Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) do IB-Unicamp,
que tem nível 3 de biossegurança (NB3) e é administrado por Módena. O grupo
recebeu de colaboradores do Centro Brasil-Reino Unido para
Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE) 20 amostras de secreção nasofaríngea de pacientes infectados pela
variante brasileira, que foram inoculadas em culturas celulares suscetíveis ao
SARS-CoV-2. A presença da P.1. nas amostras dos pacientes foi confirmada por
sequenciamento do genoma viral.
Dois isolados da variante P.1.
obtidos a partir das culturas infectadas in vitro foram
usados nos testes de neutralização feitos tanto com o plasma de convalescentes
quanto de vacinados.
“Nós já tínhamos uma coleção de
plasma doado por pessoas que se recuperaram da COVID-19 – todas as amostras com
altas quantidades de anticorpos neutralizantes. Esse material foi originalmente
colhido e analisado para o tratamento de pacientes em estado grave [método
conhecido como transfusão passiva de imunidade ou terapia com plasma
convalescente]”, conta Módena à Agência FAPESP.
As
amostras de plasma convalescente – coletadas entre dois e três meses após a
infecção – foram testadas paralelamente contra a linhagem B e a variante P.1.
Os resultados indicam que o potencial de neutralização frente à nova cepa foi
em média seis vezes menor.
“Esse é um
valor que chama a atenção”, diz Módena. “No caso do vírus influenza [causador
da gripe], por exemplo, quando de um ano para outro surge uma nova variante que
é seis vezes menos neutralizada pelos anticorpos, já se considera que há escape
imune e que é necessário atualizar a vacina.”
Mais estudos são necessários
Os
experimentos de neutralização com o plasma de vacinados foram feitos com
amostras coletadas de oito voluntários que participaram do ensaio clínico de
fase 3 da CoronaVac – imunizante desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac
Biotech em parceria com o Instituto Butantan. A imunização ocorreu entre os
meses de agosto e setembro de 2020.
Como os testes clínicos de fase 2 já
haviam indicado, a quantidade de anticorpos neutralizantes no sangue dos
vacinados cai fortemente após aproximadamente seis meses. Desse modo, nos
testes in vitro feitos na Unicamp, o efeito de
neutralização do plasma sanguíneo foi pequeno tanto contra a P.1. quanto contra
a linhagem B. No entanto, os pesquisadores destacam que esses resultados
precisam ser interpretados com cautela, pois anticorpos neutralizantes são
apenas um dos componentes do sistema imunológico.
“Outros
elementos de proteção que podem ser fortemente induzidos pela vacina, como a
imunidade celular, provavelmente ainda são capazes de evitar que os
imunizados desenvolvam a doença – principalmente as formas mais graves. No entanto,
tudo indica que os vacinados não estão livres de se infectarem e de
transmitirem o vírus”, avalia Módena.
Segundo o
pesquisador, o número de indivíduos avaliados no estudo é pequeno e os
resultados não são robustos o suficiente para concluir algo relacionado à
eficácia da CoronaVac contra a variante brasileira do novo coronavírus. “São
necessários estudos mais aprofundados para avaliar tanto a eficácia da
CoronaVac como de outras vacinas contra a P.1.”, diz.
Os autores
ressaltam ainda que medidas de higiene e distanciamento social continuam
essenciais para controlar a disseminação do vírus, mesmo entre pessoas
previamente infectadas ou já vacinadas. “Essas medidas são importantes para
evitar possíveis casos de reinfecção, especialmente pelas novas linhagens
emergentes”, afirmam.
Participaram dos testes o bolsista William Marciel de Souza, a mestranda Karina Bispo dos Santos, a bolsista de iniciação científica Camila Lopes Simeoni e a doutoranda Pierina Lorencini Parise.
Ao todo, a pesquisa contou com cientistas de dez universidades, entre elas
Unicamp, Universidade de São Paulo (USP), University of Oxford (Reino Unido) e
Washington University in St. Louis (Estados Unidos). Além da FAPESP, o grupo
recebeu recursos de Medical Research Council (Reino Unido), Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Financiadora de Estudos e Projetos
(Finep), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Faepex), Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes) e National Institutes of Health (Estados
Unidos).
O trabalho Levels of SARS-CoV-2 lineage P.1 neutralization by antibodies 2
elicited after natural infection and vaccination pode ser lido
em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3793486.
Karina Toledo
Agência FAPESP
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