O chamado “Pacote Anticrime”, que entrou em vigor neste ano com o objetivo de ampliar a eficácia no combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção, além de reduzir pontos de estrangulamento do sistema de justiça criminal, também está gerando reflexos diretos nos aspectos criminais relacionados as pirâmides financeiras e esquemas Ponzi. São efeitos que surgiram em razão das alterações e acréscimos de diversos dispositivos do Código Penal (CP), do Código de Processo Penal (CPP), além de outras leis, como a Lei 7.210/84 (LEP), que acompanharam o pacote.
Pirâmides
financeiras (ou “esquemas de pirâmide”; pyramid schemes, em inglês) são
esquemas fraudulentos e criminosos que de tempos em tempos se colocam em
evidência no noticiário, pela capacidade de atrair – e lesar – grande
quantidade de pessoas.
São
também denominadas às vezes como “esquemas Ponzi” (Ponzi schemes, em inglês),
que, embora se trata de sistemas diferentes, ambos são ilegais e fraudulentos.
Essas
fraudes têm ganhado destaque com a disseminação da internet, que facilitou a
divulgação de novos esquemas e a captação de investidores pouco informados,
muito ávidos de ganho fácil ou excessivamente otimistas quanto às
possibilidades de manutenção sustentável dessas atividades.
Além
da disseminação da internet, o advento das criptomoedas deu escala para essas
fraudes, principalmente para o centenário esquema criado pelo vigarista Charles
Ponzi, um dos maiores golpistas do século 20. O esquema que leva seu nome
consiste em uma operação fraudulenta sofisticada que envolve a promessa de
pagamento de rendimentos anormalmente altos ("lucros") aos
investidores à custa do dinheiro pago pelos investidores que chegarem
posteriormente, em vez da receita gerada por qualquer negócio real.
Algumas
alterações promovidas pelo pacote anticrime impactaram diretamente nesses
esquemas. Cabe inicialmente destacar o acordo de não persecução penal. Pelo
texto, o Ministério Público pode propor o acordo, antes da denúncia, se o
investigado tiver confessado a prática de um crime sem violência ou grave
ameaça. A infração penal deve ter pena mínima menor que quatro anos.
As
modalidades de crime contra a economia popular, no caso das fraudes conhecidas
no jargão coloquial como “pirâmide”: a vítima entrega determinados valores de
natureza econômica ao agente criminoso sob a promessa de obter lucros futuros.
A infração penal vem prevista no artigo 2º, da lei 1.521/51:
Art.
2º: IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de
número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos
("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e
quaisquer outros equivalentes);
No
que concerne às diferenças entre o artigo 2º, inciso IX da lei 1.521/51 e o
estelionato, deve-se atentar para o número de vítimas atingidas e para o
momento consumativo.
Assim,
se a conduta atingir um número indeterminado de pessoas, estará caracterizado o
delito contra a economia popular. Desse modo, perfeitamente se enquadra os
requisitos para o acordo de não persecução penal. No que tange essa opção, a
pena é tão pequena que certamente os vigaristas ignorarão essa possibilidade
ante a certeza da impunidade.
De
outro modo, se as vítimas forem identificadas, estaremos diante de estelionato,
que exige a obtenção da vantagem indevida, o que no crime contra a economia
popular não é necessário o recebimento da vantagem perseguida pelo agente,
visto tratar-se de mero exaurimento.
Em
relação ao estelionato, a mudança foi bem significativa. A ação penal passa a
depender de um aval da vítima para que o Ministério Público formalize a
acusação na Justiça. Há exceções: MP poderá agir sem a representação se a
vítima é a Administração Pública, criança ou adolescente, pessoa com
deficiência mental; maior de 70 anos ou incapaz.
A
formalização do interesse em representar por parte das vítimas passou a ter um
peso muito grande no desfecho desses casos, pois o estelionato permitirá até mesmo
a configuração do crime de organização criminosa, que no concurso material
aumentará de forma significativa as penas, diante do previsto no artigo 69 do
Código Penal, nos casos de concurso material, já que será
realizada a dosimetria de cada um dos crimes, isoladamente (artigo 68 do Código
Penal), e, após o sistema trifásico de cada uma das infrações penais, as penas
serão somadas.
A
presente mudança também facilitará o controle do Ministério Público em observar
se de fato as vítimas estão sendo ressarcidas para atenuar a pena, pois
constantemente esses vigaristas, como parte do roteiro desses golpes oferecem
aos investidores uma falsa garantia de que irão receber, se utilizando disso
para induzir a erro as autoridades, transparecendo que estão agindo de boa fé,
sendo apenas mais um golpe dentro do golpe.
Essa
mudança passa a ter um efeito significativo levando-se em conta que embora o
ressarcimento do prejuízo antes do recebimento
da denúncia não exclua o crime de estelionato cometido na
sua forma fundamental (art. 171, caput, do CP), o pagamento para os que optaram
em representar influirá diretamente na fixação da pena, nos termos do art. 16,
do Estatuto Repressivo.
Diante
dessa mudança, necessário os que foram vítimas dessa natureza buscarem também a
esfera criminal, pois hoje o Ministério Público não dará andamento se não for
provocado.
Mudanças
significativas na formatação, mas pouco eficazes no combate a esse tipo de
crime fraude que não para de crescer no Brasil. Por isso, se faz urgente a aprovação
do Projeto de Lei 4.233/2019, de autoria do senador Flávio Arns (REDE/PR), que
busca criar o tipo penal da pirâmide financeira, endurecendo a pena para quem
for condenado nesse esquema fraudulento. Somente com o fim desse sentimento de
impunidade, bem como o perdimento de bens e valores adquiridos com o proveito
do crime, é que efetivamente serão combatidos esses criminosos que devassam as
economias de milhões de brasileiros.
Jorge Calazans - advogado especialista na área
criminal, conselheiro estadual da Anacrim e sócio do escritório Calazans &
Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário