As horas já não importam mais. Tic tac. Tic tac.
Tic tac. Despertar, comer, assistir TV, navegar pela internet, pensar, pensar,
pensar.
Os primeiros dias até que são divertidos. Poder acordar a qualquer hora, não
ter horário para nada, almoçar às 15 horas e jantar à meia-noite. Assistir a
todos os filmes do Netflix que não tinha tempo para acompanhar, ficar
conversando no Whatsapp até enjoar, comer, comer, comer.
Então, os dias passam e o tédio chega. O sol continua a brilhar, mas não
podemos senti-lo em nossa pele. O dia se alterna com a noite, mas isso não faz
mais diferença. As árvores continuam verdes, as flores continuam perfumadas,
mas estamos proibidos de desfrutar a natureza.
Será tão ruim assim ficar um tempo confinado? Estamos em nossas próprias casas,
em nosso próprio lar, na companhia das pessoas que mais amamos. Nos dias de
hoje, cada vez mais gente trabalha em casa, virtualmente. Pacientes conversam
com seus terapeutas via computador. Estudos são feitos à distância. As pessoas
querem sair cada vez menos de casa. Querem enfrentar cada vez menos o trânsito,
a neurose, o capricho do clima.
Por que, então, tanta revolta e negatividade?
Porque perdemos nossa liberdade. Ficar em casa por escolha é diferente de ser
proibido de sair às ruas. O homem preza sua liberdade acima de tudo. O fruto
proibido é sempre o mais desejado, é sempre o mais atraente.
Pais sentem seu coração partir quando seus pequenos falam “quando tudo
melhorar, a gente vai brincar no parque, não é?”. Namorados e amantes testam
seu amor com a distância imposta. Filhos não podem visitar seus pais idosos.
Pessoas que precisam de receita para comprar seus medicamentos precisam se
expor ao perigo do vírus para irem visitar seus médicos. Quem está infectado
pode ser obrigado a ficar confinado em seu quarto. Enfim, não é simplesmente
não sair de casa, mas viver em clima de guerra. Esse é o grande problema.
Mas vamos lá. Reclamar não adianta. Todo o pânico e negatividade só pioram a
nossa situação. Os fatos são esses. Podemos aceitá-los tentando tornar nossa
vida menos pesada ou podemos nos revoltar, chorar, gritar e só piorar a
situação para todo mundo.
Quem está trabalhando em casa, acorde na mesma hora de sempre, tome banho como
sempre, vista-se como sempre (tudo bem, não é necessário o terno ou os saltos
agulha, a não ser que você realmente goste), tome o café da manhã no mesmo
horário de sempre. Escolha em que aposento você irá trabalhar e concentre-se no
seu serviço como faria nos dias normais. Faça pausas para descansar, tomar
café, beber água. Pare no horário de almoço e quando terminar seu horário de
trabalho, desligue-se de tudo. É sua hora de relaxar.
Quem não pode mais ir à academia ou correr no parque, baixe aplicativos de
exercícios e alongamentos. Não deixe de se exercitar. O exercício físico faz
bem para a mente e para o corpo.
Quem não pode trabalhar em casa e está achando seus dias um tédio, aqui vão
algumas dicas: leia. Coloque sua leitura em dia. Não tem livros em casa? Há
vários sites disponibilizando livros online gratuitos para serem baixados.
Leia. Cada 30 minutos de leitura por dia criar novas redes neurais em seu
cérebro que reduzirão sua chance de demência. Leia. Crie esse hábito. Aproveite
que agora você tem tempo.
Quem disse que você precisa se isolar de todo mundo? Converse com sua família e
amigos pelo Whatsapp. Faça ligações de vídeo e inclua diversas pessoas para
conversarem, rirem, trocarem ideias.
Que tal aprender um novo idioma? Existem sites gratuitos para que você possa
aprender sem sair de casa. Parlez vou français? Sprechen Sie Deutsch?
Quanto tempo faz que você não arruma seus armários e gavetas? Quantas coisas
que você não poderia doar, porque não usa há muito tempo? É chato? Sim, mas
faça um pouquinho só por dia. Você tem tempo. Coloque uma música que te
incentive ou te relaxe, ou te dê asas e arregace as mangas. E por falar em
música, por que não dançar? Dance sozinho, dance com o parceiro, dance com os filhos,
dance.
Não se esqueça do sol. O sol é muito importante. Se você mora em casa, saia um
pouco no quintal. Se mora em apartamento, vá um pouco às áreas públicas,
tomando o cuidado de ficar distante das pessoas que porventura tiveram a mesma ideia
que você. Se tiver muita gente, volte ao apartamento e tente novamente em outro
horário.
Por que não aprender a cozinhar? Há sites de supermercado que entregam as
compras que você desejar. Pesquise quais não estão aumentando o preço das mercadorias.
Jogue Stop pelo Whatsapp com os amigos. Jogue xadrez pela internet. Se tiver
jogos de tabuleiro, jogue com quem estiver confinado com você.
Não sabemos quanto tempo esta crise irá durar. Pode ser semanas, pode ser
meses. É hora de sermos criativos, de sermos positivos. E é hora de aprendermos
a exercitar a solidariedade. Muitas pessoas estão sem trabalho. E sem trabalho,
não recebem. Por que não ajudar essas pessoas depositando alguma quantia, por
mínima que seja, em sua conta? Algumas pessoas estão sozinhas, realmente
sozinhas, e não têm com quem conversar. Podem estar deprimidas, ansiosas, com
muito medo e fragilizadas. Liguem para essas pessoas, conversem com elas sempre
que puderem. As redes sociais podem fazer um bem enorme para quem está sozinho
e/ou sofrendo.
É nessas horas, horas de crise, que podemos tirar o melhor de cada um e
exercermos nossa humanidade. É justamente agora que estamos isolados que
devemos nos unir. Mostrar que não estamos sós apesar de sozinhos.
Médicos estão fazendo sua parte, arriscando até mesmo suas vidas. Vamos fazer
nossa parte também.
Crise, em psicologia, significa mudança.
Vamos lutar para que seja uma mudança benéfica, positiva, uma mudança para um
mundo melhor.
Lucia Moyses é psicóloga - neuropsicóloga e escritora (www.luciamoyses.com.br). Em 2013, a autora lançou seu primeiro livro “Você Me Conhece?” e dois
anos depois o livro “E Viveram Felizes Para Sempre”, ambos com um enfoque em relacionamentos humanos e psicologia. Três
anos após a especialização em Neuropsicologia, Lucia lançou os três primeiros
livros: “Por Todo Infinito”, “Só por Cima do Meu Cadáver” e “Uma Dose Fatal”, da coleção DeZequilíbrios. Composta por dez livros
independentes entre si, a coleção explora a mente humana e os relacionamentos
pessoais. Cada volume conta um drama diferente, envolvendo um distúrbio
psiquiátrico, tendo como elo o entrelaçamento da vida da personagem principal. Em
2018, a psicóloga lançou mais três livros: “A Mulher do
Vestido Azul”, “Não Me
Toque” e “Um Copo de
Veneno”, totalizando seis livros da coleção. Em 2020,
Lucia, lança o livro "A Outra".
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