Segundo a Women in S&P 500 Companies de 2020, mais de 95% dos CEOs das maiores empresas são homens. Vivemos em uma sociedade patriarcal com um discurso estruturado a partir do homem branco e heterossexual, em que ele fala sobre tudo, é sempre ouvido e sua opinião importa.
Partindo desse processo de construção da sociedade, tudo passa a ser
observado através da racionalidade branco-normativa, ou seja, nosso entendimento ou conceito
sobre qualquer assunto é visto por esse único ângulo. É como se o
homem branco fosse um ser universal, dono da razão, enquanto os demais apenas
ramificações com visões limitadas. E quando buscamos formas de ampliar esse
espectro, para que se percebam todas as vozes, é que nos deparamos com o
polêmico e famoso termo “lugar de fala”. Por que é tão importante
saber a resposta para esta pergunta: Qual é seu lugar
de fala?
Porque o lugar de fala desconstrói a ideia de um ponto de vista
universal sobre o que é “normal”. As pessoas são diferentes e têm experiências
de vida completamente distintas. Aqui, se queremos incluir todas as vozes,
temos de abrir o debate, ou seja, uma pessoa ou um grupo não deve falar pelo
todo, pois assim exclui qualquer possibilidade de integração e evolução a
partir do debate e do pensamento crítico.
Primeiro, vamos entender e alinhar alguns pontos: todos nós seres
humanos temos um lugar de fala. Então não se trata de “dar voz” aos diversos
grupos de pessoas, mas sim
garantir que sejam ouvidos. Por isso a ideia é abrir espaços para que
todos falem sobre tudo, reforçando o discurso que se constrói baseado em nossas
vivências, nos lugares onde estamos e principalmente na estrutura social que
vivemos.
E, antes
de continuar este texto, precisamos conceituar alguns termos:
- Protagonista – é
quem fala com propriedade a partir da sua vivência. Uma pessoa trans, por
exemplo, que divide seus medos em relação à transfobia, está em
seu lugar de fala como protagonista da causa.
- Especialista – é
quem conhece a causa a partir de estudos e pesquisas que comprovam suas
teses. Um especialista pode ou não ser um protagonista.
- Aliado – é
alguém que reconhece sua situação de privilégio, e a partir dela exerce
ações afirmativas, se manifestando no sentido de reduzir ou impedir ações
que possam resultar em desigualdades ou injustiças contra grupos mais
vulneráveis.
Privilégios são concedidos com base na opressão de outras pessoas ou
grupos, por isso, antes de mais nada, o homem branco precisa entender os seus,
se questionar e assumir sua responsabilidade na luta para uma sociedade mais justa. Sua fala a partir do seu
local de privilégio deve ser como a de um aliado, sem tirar o protagonismo de
outras pessoas ou grupos, ajudando a fortalecer e amplificar suas vozes.
Por mais que haja boa vontade em entender como é ser parte de um
grupo minorizado, não há como vivenciar essa realidade de fato. O homem
hétero branco jamais vivenciará o sentimento de ser vigiado em uma loja por
conta de sua cor. Ele
não sentirá medo ao andar de mãos dadas com a pessoa que ama, por conta da
homofobia. Raramente irá planejar com qual roupa se vestir para evitar
assédio de outros homens assim que sair portão afora. Entender essas realidades
é exercitar a empatia. A conscientização precisa ser diária e deve ser
praticada à exaustão, mas isso não coloca uma pessoa privilegiada no
lugar de quem sofre qualquer tipo de preconceito ou violência por não
estar dentro dos padrões normatizados.
Você já ouviu frases do tipo: “Ah, então só por que sou branco, eu não
posso falar de racismo?”; “Só por que não sou gay, eu não posso falar de
homofobia?”. Claro que podemos falar. Se vamos dialogar, podemos
falar sobre qualquer tema, isso se chama liberdade de expressão. Nos conectamos
e aprendemos quando conhecemos o outro, porém, temos de entender onde nos
posicionarmos. Se não vivenciamos a “dor”, se não sofremos o preconceito e a
discriminação, estamos em um lugar de privilégio e, a partir desse lugar,
devemos ampliar a voz dos
protagonistas. Como aliados, apoiar e endossar a fala
em prol dos protagonistas. Colaborar na propagação de ações afirmativas pela
diversidade e inclusão. Cabe aqui aquela famosa frase que diz: NADA SOBRE NÓS,
SEM NÓS.
Então quando devemos ou não falar? Ou melhor, quando silenciamos por
respeito e não por omissão? É a partir deste ponto que introduzimos um
conceito que deve vir sempre acompanhado do lugar de fala: quando devemos
estar no lugar de escuta ou no lugar de cala?
Vamos a alguns exemplos para entender melhor: os negros trazem a pauta
do racismo estrutural há anos e são ignorados ou silenciados; no entanto,
quando um homem branco fala sobre o assunto, partindo da sua posição de
privilégio na sociedade, ele é ouvido e acaba se transformando em uma espécie
de “referência” na defesa da causa antirracista. O que vemos aqui é um
ciclo vicioso: vozes brancas sendo ouvidas enquanto as negras são silenciadas,
mesmo quando a pessoa que fala não é protagonista, ou seja, nunca foi vítima de
racismo.
No mundo corporativo, nas reuniões diárias, quantas vezes presenciamos
mulheres sendo interrompidas por homens tentando explicar o que elas queriam
dizer?
Quando falar? Quando calar? O que fazer? O caminho é o bom senso e não é tão
complicado assim, veja: se uma pessoa negra faz um post se mostrando
ofendida por ser vítima de uma piada racista, o seu papel como aliado não é o
de julgar, achar isso ou aquilo, basta ler e reiterar esse pedido de
justiça.
Se você está em um grupo e começam a fazer comentários ou piadas que
reduzem as mulheres em qualquer sentido, esta é uma boa hora para usar o “seu
lugar” e falar sobre o machismo e masculinidade tóxica.
Durante uma reunião familiar, se alguém expõe de forma preconceituosa um
primo que é gay, utilize o “seu lugar” e se posicione contra a
homofobia.
O exercício aqui é fazer uma reflexão sobre o contexto e se perguntar: qual é a minha posição nesta
situação? Lembre-se que o lugar de fala está diretamente relacionado à nossa
postura ética. Tem a ver com nossa responsabilidade, pois somos todos
de certa forma responsáveis pela perpetuação do racismo, machismo e outros
preconceitos estruturais com os quais convivemos em nossa sociedade. Podemos
então escolher seguir sendo omissos moral e socialmente, ou viramos a chave e
decidimos nos posicionar como antirracistas práticos, agentes de
mudança, participando de ações afirmativas que de fato possam transformar
esta realidade injusta.
Então pense, a
partir de onde você está, como é possível contribuir para uma sociedade cada
vez menos desigual?
A mudança não é uma atitude simples, principalmente quando podemos
continuar em nossa zona de privilégio e conforto. Por isso, quando entendemos a
importância de ocupar o nosso lugar de fala, o fazemos com a consciência de que
precisamos nutrir as pessoas de informação, para que juntos possamos
transformar nossos privilégios em mais oportunidades para todos, porque no
final do dia é sempre na humanidade que a gente se encontra. Até lá.
Ronaldo Ferreira Júnior - conselheiro da Ampro – Associação das Agências de Live Marketing, CEO da um.a #diversidadeCriativa – empresa especializada em eventos, campanhas de incentivo e trade, e sócio-fundador com a Pearson Educacional do programa de capacitação MDI – Mestre Diversidade Inclusiva. uma@nbpress.com
Referências
https://www.youtube.com/watch?v=l25GwHiMo0c
https://www.youtube.com/watch?v=CrDsaP9RM2g&t=10s
https://www.youtube.com/watch?v=mVrTgPcIUgw&t=70s
https://www.youtube.com/watch?v=c9rF0H6_CYs
https://www.youtube.com/watch?v=C7YdqVbYRRE
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