Como sabemos a situação da saúde pública no Brasil é complexa e influenciada por uma série de questões. Sabe-se que os investimentos são aquém dos necessários, os desperdícios inúmeros e a qualidade do cuidado, em grande parte das regiões, é precária. Um fator que onera o ecossistema como um todo e espelha a pouca eficácia do cuidado é a judicialização da saúde. Sem dúvida nenhuma, é preciso diminuir os índices.
A judicialização da
saúde em números
Entre 2008 e 2017, o
número de demandas judiciais relativas à saúde praticamente triplicou. Os dados
são da pesquisa "Judicialização da Saúde no Brasil:
perfil das demandas, causas e proposta de solução", realizada pelo CNJ
em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
No último ano da
análise, 95,7 mil demandas acerca de saúde começaram a tramitar no Judiciário
brasileiro. Atualmente, a maioria destes processos está relacionada à requisição de direito aos medicamentos e tratamentos que
não são disponibilizados pelo SUS e pelos planos de saúde.
Além disso, conforme
apurado no mais recente relatório Justiça em Números que será publicado em
agosto, somente em 2019 foram ajuizadas 474.429 novas ações com demandas
relacionadas à temática direito à saúde.
Em paralelo, o
fenômeno intensificou-se na epidemia. No período de três meses de vigência das
medidas de prevenção ao contágio do novo coronavírus, foram ajuizadas mais de
três mil ações.
Um aspecto
importante que merece ser ressaltado é que a judicialização da saúde consome
cada vez mais verba do SUS e os juízes tendem a desconsiderar esse impacto
orçamentário das decisões.
O que ocorre, neste
caso, é que no entendimento jurídico, as questões relativas ao orçamento
público (escassez de recursos, não pertencimento de medicamento às listas de
medicamentos do SUS, entre outros) não são razões suficientes para que um
pedido de tratamento seja negado, pois esse direito encontra-se assegurado pela
Constituição Federal.
Judicialização da
saúde x medicina baseada em evidência
Pesquisando sobre o
tema, li um artigo bem interessante intitulado, "A Medicina Baseada em
Evidências na jurisprudência relativa ao direito à saúde", apresentado por
Eduardo Rocha Dias e Geraldo Bezerra da Silva Junior, pós- graduados em Direito
Constitucional e Saúde Coletiva, respectivamente, que vem de encontro ao que
preconizo.
O número de decisões
processuais em que se deu a devida consideração à evidência científica e às
peculiaridades dos pacientes é preocupante e abaixo do indicado.
Segundo o estudo, a
desconsideração da evidência pode resultar em sentenças que esginulam o
fornecimento de medicamentos e tratamentos
desnecessários ou inadequados, ignorando alternativas disponibilizadas por
planos de saúde e pelo Sistema Único de Saúde, o que além de onerar claramente
o sistema de saúde como um todo, prejudica a saúde e a segurança do paciente.
Mas, qual o papel da
medicina baseada em evidência na prática?
O uso da medicina baseada em evidência e das soluções de
suporte à decisão clínica tem alguns objetivos que ajudam a justificá-las como
uma alternativa vantajosa no dia a dia das instituições de saúde, especialmente
na esfera pública.
Um de seus estudos,
a médica e advogada Isabel Braga, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz) do Rio de Janeiro, ressaltou que os processos judiciais movidos pelos
pacientes tendem a ser motivados por ações que resultam em erros que poderiam
ser identificados com rapidez, o que poderia ser facilmente apoiado pelo uso da
tecnologia.
As soluções de apoio
à decisão clínica e a medicina baseada em evidência agregam valores
consideráveis quando integradas aos sistemas de Prontuário Eletrônico do
Paciente (PEP).
Elas permitem, por
exemplo, incorporar dados de medicamentos e emitir alertas inteligentes sobre
potenciais conflitos na prescrição de drogas. Isso é essencial para suportar os
usuários de saúde (médicos, enfermeiros e farmacêuticos), na entrega do melhor
cuidado a seus pacientes e também para ajudar prescrever o que já faz parte do
banco de medicamentos das instituições e ainda validar dosagens, necessidades,
compatibilidades, e uma série de informações. Sempre com comprovação
científica.
Outro ponto
importante é que prover o acesso à medicina baseada em evidência, por meio de
conhecimento técnico e científico a toda equipe de saúde, é algo fundamental
também ao engrandecimento da prestação de serviços de qualidade à população.
Diante desse
cenário, sem dúvida nenhuma é mais do que mandatório ampliar a discussão a
respeito do uso da medicina baseada em evidência nos processos envolvendo a saúde
pública e no combate aos altos índices da judicialização da saúde, pois ela
representa uma ferramenta extremamente útil, podendo contribuir para decisões
melhor fundamentadas e para uma maior qualidade do gasto delas decorrente.
Murilo Fernandes - Gerente de Canais
& Alianças na Wolters Kluwer, empresa líder global no fornecimento de
informações profissionais, soluções e serviços para médicos e enfermeiros.
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