A Crise é uma espécie de primeira mandatária na política brasileira. Ela não emite ordens. Antes, se impõe pela simples presença. Sempre incômoda e multiforme, são de sua natureza, entre outros, fatores políticos, econômicos, sociais, institucionais, ecológicos ("My lungs are burning!", lembram?).
Nossa
experiência republicana pode ser contada pela sequência das crises que se
sucedem sem que as causas sejam adequadamente removidas. Num dos capítulos do
meu livro "Pombas e Gaviões", examino nossa proverbial capacidade de
descrever com palavras ásperas as dificuldades nacionais e distribuir culpas
aos adversários sem jamais atacar as causas. Está tudo errado, mas não mexe,
escrevi, para sintetizar tão estável relação com problemas que afetam a nação,
perceptíveis até mesmo numa leitura transversal da história da República.
Algo tão
repetitivo suscita, inclusive, artifícios de linguagem, analogias, para tornar
menos aborrecida a descrição, especialmente quando em forma de texto. Por isso,
nos habituamos a falar da beira do precipício, do fundo do poço, da luz no fim
do túnel, do gato subido no telhado... Às vezes, a crise cria contornos
especialmente ameaçadores e a referência vai ser buscada no padecimento de
países vizinhos.
Modernamente, as analogias
ganharam um toque poético com a utilização da imagem dos cisnes negros.
Estimulado por elas, imaginei um fato acontecido não sei quando, nem onde, nem
com quem. Mas sei que um ancestral nosso fez essa experiência. Em busca de algo
para comer, esse homem primitivo, desapetrechado, mergulhou num beira-mar
rochoso. O único ser vivo possível de capturar era um crustáceo morador
daquelas águas. Tinha a casca grossa, assustadoras pinças, várias patas e antenas. Uma nada apetitosa lagosta. O que
ele descobriu, atacando-a a pedrada, hoje faz a fortuna de uma cadeia produtiva
que se encontra com consumidores nos banquetes do STF.
Menciono essa muito provável
e remota ocorrência porque, não raro, as oportunidades estão escondidas onde
parecem inimagináveis, Mas o fato é que muita gente está atravessando as dificuldades
deste ano. Se ele lhe parece desalentador, resista. Não permita que lhe tome a
esperança. Não admita que ao estrago já feito se some a frustração da derrota
definitiva. Não perca o brilho nos olhos. Tenho tido bons exemplos disso. Donos
de bem sucedidos restaurantes, fecharam a porta e foram para o telefone atender
pedidos e levá-los aos clientes.
Não é improvável que ali
onde está o problema esteja também a solução, em águas fundas ou rasas, mas ao
alcance da mão.
Percival Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de
jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a
tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo
Pensar+.
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