“O Brasil é o país dos devedores”. Certamente você,
leitor, já ouviu esta frase e possivelmente até concorda com ela.
Quem já precisou acionar a justiça para receber um
crédito sabe o quão tortuoso é o caminho entre uma sentença de procedência da
ação e o efetivo recebimento dos valores a que se faz jus. No judiciário
brasileiro “ganhar e não levar” é mais comum do que se imagina, fato que não só
eleva o custo-Brasil como também desacredita a já tão desgastada imagem do
Poder Judiciário.
As dificuldades enfrentadas para se receber valores
na justiça tem vários motivos, boa parte deles relacionados com a “esperteza”
dos devedores que escondem seu patrimônio em nome de terceiros,
impossibilitando a justiça de acessar tais bens.
Quando a devedora é uma empresa, é comum que os
sócios “esvaziem” os bens da pessoa jurídica, transferindo tudo para o CPF dos
sócios. Quando é feita busca de valores em conta corrente, aplicações, imóveis,
veículos, absolutamente nada é encontrado no CNPJ da devedora.
O caminho inverso também é comum. Quando o devedor
é o próprio sócio, na pessoa física, frequentemente o patrimônio é transferido
e movimentado apenas em uma pessoa jurídica de titularidade do devedor, de modo
que, ao se realizar penhora de bens em seu CPF, nenhum valor ou bem é
localizado.
Esta “blindagem” é possível pois a lei
expressamente determina que, salvo algumas exceções, o patrimônio dos sócios
não se confunde com o patrimônio das empresas. Ou seja, não é possível, a
princípio, penhorar bens da empresa em razão de dívida do sócio e vice-versa.
Apesar desta regra, a própria lei traz uma
importante solução, muitas vezes subestimada pelos credores. A desconsideração
da personalidade jurídica (DPJ) e a desconsideração inversa da personalidade
jurídica (DIPJ).
A primeira, tem aplicação quando a devedora é a
empresa (pessoa jurídica) e, na ação judicial, não são encontrados bens em seu
nome, embora muitas vezes a empresa tenha atividade e visivelmente tenha
faturamento. É comum nestes casos que os sócios ostentem grande patrimônio
(vindo da empresa), porém está nada possua cadastrado em seu CNPJ.
Já a segunda tem espaço quando o devedor, pessoa
física, “blinda” seu patrimônio em uma pessoa jurídica, muitas vezes através de
estruturas complexas de holdings e off shores. É comum nesses casos que o
devedor coloque em nome da empresa ou grupo de empresas todos os seus veículos,
imóveis, aplicações e dinheiro, movimentando os recursos, por exemplo, através
de um cartão corporativo, não deixando nada em seu CPF.
Em ambas as situações, a lei determina ser possível
desmontar esta “blindagem”, por meio do instituto da desconsideração. Para
tanto, o credor deve comprovar no processo a existência de alguns requisitos,
quais sejam o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade
(uso da empresa para cometer ilegalidades ou fraudes) ou confusão patrimonial
entre sócio e empresa (como ocorre quando o sócio usa a empresa para ocultar
seu patrimônio pessoal e vice-versa)
Se a dívida for em razão de uma relação de consumo,
relação trabalhista, ou matéria ambiental, a desconsideração da personalidade
jurídica é ainda mais simples: basta comprovar que a empresa não tem patrimônio
para arcar com suas obrigações para então atingir os bens dos sócios e
vice-versa.
Não é difícil concluir que a desconsideração da
personalidade jurídica e a desconsideração inversa da personalidade jurídica
são poderosos instrumentos à disposição do credor na luta contra a blindagem
patrimonial e contra as fraudes perpetradas pelos devedores para não pagarem
suas dívidas, devendo seu uso ser difundido e ampliado, reduzindo-se, desta
forma, a sensação de que o Brasil é um paraíso para quem não arca com suas
obrigações financeiras.
Paulo André M. Pedrosa - advogado sócio do escritório
Battaglia & Pedrosa, especialista em Processo Civil pela PUC/SP e LL.M.
Master of Laws em Direito Societário pelo INSPER/SP.
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