Cientistas do
IPCC advertem que produção de commodities depende da estabilidade ecológica da
Amazônia
Um aquecimento global maior do que 1,5ºC prejudicará a agricultura e a
geração de energia e deixará populações inteiras expostas à insegurança
alimentar, falta d’água e problemas de saúde, em especial na Amazônia. As
conclusões são do novo relatório do IPCC, o painel do clima da ONU, e foram
apresentadas por quatro integrantes do comitê nesta quinta-feira (18).
Autores brasileiros do relatório Aquecimento Global de 1,5ºC,
lançado na Coreia do Sul no último dia 8, conversaram com jornalistas num
webinar promovido pelo Observatório do Clima e pelo Instituto
ClimaInfo.
Segundo eles, a principal mensagem do documento é que a escala da
transformação na economia e na sociedade global para conter o aquecimento da
Terra em 1,5ºC nos próximos anos é “sem precedente”. Em apenas 12 anos, será
necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 45% no planeta, o
que implica na transformação radical do modo como se usa energia e terra no
mundo.
E o Brasil é tanto uma vítima em potencial quanto um dos países com mais
oportunidades de fazer uma transição para uma economia limpa.
Entre os impactos mencionados pelos cientistas está a redução do
crescimento econômico, que dificulta o combate à pobreza, e a diminuição na
vazão de rios no Norte e no Nordeste que prejudicará a geração de energia já no
meio deste século. “Com 2ºC, a geração de energia na bacia do São Francisco
poderia ter redução de 15% em 2040 e 28% no final do século”, disse José
Marengo, pesquisador do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais). Segundo ele, também com 2ºC de aquecimento, rios da Amazônia podem
ter reduções da ordem de 25% na sua vazão.
O botânico Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da USP,
afirmou que o agronegócio também é vulnerável. “Com o aumento do CO2 e da
temperatura, existem culturas que têm limites. O milho tem limite de 35ºC,
acima disso a produção vai começar a cair. A soja vai até 39ºC, e se passar disso
tem problemas de produção, e tendo esses problemas pode faltar alimento”,
afirmou.
Tais limites de temperatura máxima podem ser facilmente ultrapassados em
algumas regiões da Amazônia em 2040, alertou Patrícia Pinho, pesquisadora do
Centro de Resiliência de Estocolmo. Nos chamados “pontos quentes” amazônicos,
as médias tendem a subir 4ºC em vez de 1,5ºC, o que impacta diretamente uma
população que já é muito pobre e pouco capaz de se adaptar.
“Mesmo 1,5ºC de aquecimento global traria riscos para erradicação de
pobreza e redução de desigualdade”, afirmou Pinho, ponderando, no entanto, que
a chance de ter um desenvolvimento mais sustentável aumenta com a limitação do
aquecimento.
Para Buckeridge, evitar o desmatamento e a degradação das florestas “a
todo custo” é fundamental para que o mundo tenha a chance de limitar o
aquecimento a 1,5ºC. “Nossa agricultura depende da estabilidade ecológica da
Amazônia, tem a questão do equilíbrio do clima.”
Por outro lado, o país tem oportunidade de avançar na transição sem derrubar
mais florestas. O etanol brasileiro, calcula Buckeridge, tem potencial de
substituir 15% da gasolina mundial e mitigar 6% das emissões do mundo (em
relação aos níveis de 2014). “Isso sem entrar em nenhuma região preservada ou
de produção de alimentos, usando apenas áreas de plantio de cana.”
Muito pelo contrário, disse Thelma Krug, pesquisadora do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais): segundo ela, o mercado de commodities global
está mudando e setores que ainda acham que produção se faz às expensas da
floresta tendem a perder competitividade.
“O vetor que vai estimular o mercado internacional globalizado deixa de
ser a parte econômica, quanto custa, e passa a ser a pegada [de recursos] do
que você está comprando. O IPCC é muito incisivo, ele fala de você reduzir o
consumo de produtos intensivos em recursos. Não vai ter mercado para as coisas
que o Brasil vai fazer se realmente os países forem tomar o relatório do IPCC
ao pé da letra.”
PRESSA
Falando como vice-presidente do IPCC, Krug, disse que o painel
internacional de cientistas espera que, de posse do relatório, a Convenção do
Clima das Nações Unidas possa iniciar já neste ano um debate sério sobre o
aumento da ambição das metas do Acordo de Paris.
As metas nacionais (NDCs) colocadas na mesa
hoje não são suficientes para cumprir o objetivo do acordo do clima de manter o
aquecimento global “bem abaixo de 2ºC” neste século e fazer esforços para
limitá-lo a 1,5ºC. Só que a revisão da ambição dessas metas está marcada apenas
para 2023 – quando o nosso relatório diz claramente que a queda drástica nas
emissões precisa ocorrer até 2030. “Os autores têm certeza de que começar essa
discussão em 2023 é tarde demais”, disse a cientista.
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