O ser
humano é uma criatura dotada de dignidade. Uma vez que ele se torna consciente
dela, faz de tudo para que esta se mantenha intacta. É por isso que na última
sexta-feira (17/03) houve uma comoção tão grande de desconforto e revolta
envolvendo a megaoperação da Polícia Federal, nomeada como Carne Fraca.
O trabalho
da polícia revelou e desmontou um esquema envolvendo propina e funcionários do
Ministério da Agricultura, que teriam liberado carnes para venda sem passar
pela devida fiscalização. O esquema também envolveria funcionários de alguns
frigoríficos, que possuiriam irregularidades ligadas ao uso de produtos
químicos para mascarar carnes vencidas e de água para aumentar o peso dos
produtos comercializados.
A
possibilidade de que produtos adulterados, e acima de tudo impróprios para
consumo, terem ido parar na mesa da população deixou o país em revolta e
alerta, mesmo que ainda não haja explicações detalhadas de todo o ocorrido.
Ainda não houve pronunciamento oficial envolvendo marcas que devem ser
evitadas, porém, vários países pararam as exportações temporariamente,
indicando o mesmo medo dos brasileiros, o de ter sua dignidade ferida através
do consumo de um alimento que pode ser prejudicial à saúde.
Independente
das investigações, dadas às irregularidades como possíveis fraudes, propinas e
corrupção, denunciadas pela operação, o que precisamos colocar em debate é a
falta de ética praticada pelas empresas e órgãos denunciados. Quando há
irresponsabilidade ética nas corporações, nasce uma conduta institucional
irregular cujo resultado é a perda da confiança, credibilidade, respeito, ou
até mesmo comprometendo a saúde e dignidade do cliente.
O modelo
mental deste tipo de corporativo envolvido está ligado ao que chamamos na
filosofia de Maquiavélico Negativo. Nesse modelo o fim último, ou seja, o
propósito da organização, é o lucro e somente o lucro - e não o bem estar de
seus clientes. Isso era algo aparentemente aceitável no século XX, mas vem
mudando junto com diversas posturas e novos paradigmas do século XXI.
Nem
sempre a ferida na dignidade é notada, porém, quando a mídia esclarece a
população através da divulgação dos fatos, é possível notar que não apenas leis
foram quebradas, mas acima delas, a conduta moral foi ignorada. Mesmo que haja
grande competitividade no meio corporativo, o ideal para as empresas seriam um
pensamento a médio e a longo prazo envolvendo as melhores práticas, isto é, a
ética.
Não é o
bastante que a lei seja atendida. O problema é moral, e não apenas legal. Um
exemplo disso é a escravidão. Na época em que ela foi vigente, era legalizada.
Entretanto, a moral continuava a ser quebrada, considerando-se o ser humano
sempre como fim último, pois é detentor de dignidade. A lei só se modificou
depois que o princípio moral atingiu um nível de esclarecimento dentro da
população de o quanto tais condutas eram erradas.
Todos os
envolvidos na “Carne Fraca” sabiam do ocorrido e tinham consciência de que
quebravam a lei, no entanto, isso prova que apenas saber das leis não será
impecílio para que a barbárie predomine no comportamento humano. É preciso que
haja investimento profissional no nível de esclarecimento das questões éticas
para a humanidade, é o que chamamos de Inner Compliance.
Somente
através da luz da ética sobre as práticas corporativas é que será possível
evitar situações como essa. A esfera da moral, que é anterior à lei, é a que
verdadeiramente precisa ser mudada. Apenas com a real interiorização de valores
éticos positivos que alcançaremos mudanças em nossa cultura corporativa. O
verdadeiro problema não está no sintoma, a “Carne Podre”, está na moral
distorcida de quem atua no dia a dia das empresas que se deixam corromper em
busca de benefícios em curto prazo.
Samuel
Sabino - professor na Escola de Gestão da Anhembi
Morumbi, filósofo e mestre em bioética. Ele é fundador da Éticas Consultoria e
ministra o curso de Inner Compliance, com foco em ética no meio corporativo.
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