Nas
redes sociais, na mídia, e todos os meios onde há voz, estão povoados de
questionamentos, argumentações e até conflitos ligados ao que nós englobamos a
esfera da corrupção. Haja visto os recentes escândalos envolvendo alimentos e
operações da polícia federal.
O
fato é que somos uma sociedade cada vez mais questionadora, inclinando nossa
evolução rumo a um reflexo extremamente positivo. Um dos elementos centrais se
dá pelo acesso à informação, que está cada vez mais fácil, assim como a postura
de colocar pautas em discussão dentro do que é cotidiano como as redes sociais.
Estamos
começando a aprimorar um processo de conscientização moral. Aos poucos
afastamos nossos pensamentos de atitudes reprováveis que beiram a barbárie,
porém ainda há um longo caminho a se percorrer. Isso porque muitas dessas
posturas ainda estão ligadas às pessoas na forma de cultura. O famoso “jeitinho
brasileiro” é algo cultural. O “malandro”, que aplica a antiga “lei de Gerson”,
que busca levar vantagem em tudo, ainda é uma figura quase folclórica
brasileira.
Não
é a toa que dentro das empresas, de órgãos públicos, a preocupação com o
benefício à curto prazo ainda é uma postura que leva à corrupção. O brasileiro
é ensinado de pequeno que é errado ser deixado para trás, e que para evitar
isso ele deve ser mais esperto e deixar os outros para trás antes. E é ai, nos
pequenos delitos, nos “jeitinhos”, que coisas que parecem pequenas e sem
importância ganham o caráter das primeiras corrupções.
A
raiz da corrupção não está ligada a qualquer golpe grande. A escala de um ato
corrupto não pode ser medida apenas pelos milhões desviados, pelas milhões de
pessoas afetadas. O ato mais simples tem repercussão e importância e planta
raízes no que nem sempre é crime pela lei, mas muitas vezes é crime moral.
Um
exemplo simples é o da procrastinação. Procrastinar não é algo que fere
financeiramente ninguém na empresa, certo? Você conhece o tempo do seu
trabalho; sabe que vai dar tempo para fazer tudo, então pode perder mais alguns
minutos vendo um vídeo na internet, correto? Bom, na verdade se a sua empresa
permite isso, então está mesmo certo.
Se
a empresa reconhece que o bem estar do funcionário está ligado a essa liberdade
de gerenciar o tempo; e que acredita que ele dará conta do trabalho e o fará
melhor por poder relaxar, então isso não é uma postura errada. Agora, se a
empresa não aprova isso, se ela até bloqueia a internet, mas o funcionário da
um “jeitinho” através de qualquer ferramenta, então não importa se o
funcionário entrega tudo em dia. Temos aqui um conflito de valor estabelecido.
A
política da empresa proíbe aquilo e mesmo que o funcionário terminasse todo o
trabalho na metade do dia útil e ficasse “sem nada para fazer” mais 4 horas,
não acessar o vídeo seria o correto. Ao driblar o sistema o funcionário rouba
da empresa. Rouba dela o tempo que ele vende como funcionário. Rouba dela
recursos como banda de internet, energia elétrica. São valores ínfimos às
vezes, mas ainda assim é um delito.
Talvez
o chefe veja, saiba disso. O diretor também, assim como o dono. Talvez eles não
se importem, porque também fazem isso. Mas nesse caso o certo seria alterar a
política da empresa. De repente até liberar a internet. Mas enquanto a política
não é alterada, uma mudança de valores, aquilo continua sendo um delito moral,
mesmo que não seja reconhecível ou cobrado como delito legal. O ideal de uma
boa política é aquela que as condutas apropriadas são antes passadas pelo crivo
do acordo.
É
nessas pequenas “tiradas de proveito” que nascem posturas de pensamento não
refletido sobre o que é ético. É ai que começa a corrupção. Talvez precisemos
rever metodologias de trabalho? Sim, é bem provável. Porém, enquanto isso não
ocorre deve-se evitar o pequeno delito moral.
Tudo
que começa a desrespeitar a postura ética cresce como cultura para desrespeitar
a postura legal. É assim que começa e o fim está no mal-estar gerado a milhares
de brasileiros que tem sua dignidade ferida através de “carnes podres”, fundos
desviados e todas as outras grandes corrupções que mancham as páginas dos
jornais.
Para
mudar isso é preciso buscar uma compreensão profunda da ética. O meio
empresarial é onde ela mais terá reflexo nos outros, mas ela sempre partirá de
dentro da reflexão interna de cada pessoa. Empresas são grupos de pessoas em
primeiro lugar e a moral está ligada ao modo de uma pessoa tratar a outra
considerando o respeito ou responsabilidade acima de tudo.
Samuel
Sabino - professor na Escola de Gestão da Anhembi
Morumbi, filósofo e mestre em bioética. Ele é fundador da Éticas Consultoria e
ministra o curso de Inner Compliance, com foco em ética no meio corporativo.
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