Conclusão apresentada na revista Trees, Structure and Function se baseia no mapeamento de 7 mil ocorrências registradas ao longo de três anos na capital paulista. Na estação chuvosa, a perda da vegetação de rua é influenciada principalmente por fatores climáticos, como chuva, temperatura e rajadas de vento (foto: Divisão de Arborização Urbana da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente)
A cidade de São Paulo, a maior e mais populosa da América Latina, registra diariamente queda de árvores, concentrada em meses de chuva e provocada, principalmente, pelos efeitos da temperatura, rajadas de vento e precipitação. No período seco, no entanto, essas ocorrências não estão diretamente ligadas a efeitos climáticos, mas sim à falta de manejo e de condições adequadas para a sobrevivência da vegetação de rua.
Essas constatações estão em estudo
publicado por um grupo de pesquisadores brasileiros na edição especial Urban Trees da revista científica Trees, Structure and Function. A investigação teve
apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/08783-0 e 20/09251-0).
Pela
primeira vez, os cientistas analisaram dados diários de queda de árvores na
cidade e identificaram cerca de 7 mil ocorrências em três anos. Ou seja, São
Paulo perdeu 1% de suas árvores viárias no período, o que representa, em média,
pouco mais de 6,2 quedas por dia. A maior concentração de casos ocorreu em 29
de dezembro de 2014, quando foram registradas 337 quedas em 24 horas no
município, levando ao inédito fechamento do Parque do Ibirapuera em decorrência
da derrubada de árvores provocada pela chuva.
Consideradas
peças-chave no processo de recuperação da qualidade ambiental nos grandes
centros urbanos, as árvores desempenham importante papel não só no sequestro de
carbono, ajudando a mitigar efeitos do aquecimento global e da poluição, como
também contribuem para reduzir impactos negativos de inundações e enchentes,
seja pelo aumento da área de solo mais permeável ou pela capacidade de
interceptar parte do volume das chuvas, diminuindo a velocidade e a quantidade
de águas escoadas superficialmente.
“Das 652
mil árvores de rua de São Paulo, 7.034 caíram entre 2013 e 2016. As análises
revelaram que a queda é impulsionada por temperatura, precipitação e rajadas de
vento, sendo que esses dois últimos fatores podem apresentar efeitos
retroativos, provocando a derrubada das espécies alguns dias depois do registro
do evento climático. Porém, tais associações com o clima não foram observadas
na estação seca, apesar de ainda registrar árvores caídas nesse período,
confirmando problemas no manejo e as inadequadas condições”, resumem os
pesquisadores no artigo.
Os dados
utilizados no estudo foram obtidos no Centro de Gerenciamento de Emergência da
Prefeitura de São Paulo. Não há, no entanto, informações sobre a localização
exata dos casos. Os pesquisadores fizeram uma análise da relação entre o clima
e a queda diária de árvores no município, avaliando não só o efeito imediato
como também o impacto da chuva e do vento alguns dias depois de registrado.
“Quando o volume de chuva é grande, a
árvore retém muito mais água, o que aumenta seu peso. Adicione a isso o fato de
que grandes quantidades de água no solo reduzem o atrito com as raízes,
aumentando a probabilidade de queda. Porém, se a terra está muito encharcada, o
aumento de peso do solo compensa a perda do atrito e a árvore pode não cair no
momento da chuva. Conforme vai secando, o peso do solo diminui, sem aumentar o
atrito, e ela pode cair”, explica Giuliano Locosselli,
pesquisador do Instituto de Botânica e coautor do artigo.
O trabalho também contou com a
participação do professor Marcos Silveira Buckeridge,
do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), e da
engenheira agrônoma Priscilla Cerqueira, diretora da Divisão de Arborização
Urbana da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente.
Segundo Locosselli, os resultados
mostram que o efeito do clima está concentrado na estação chuvosa. “Na seca,
existem árvores caindo sem causa climática aparente. Isso é um indicativo de
que elas estão sofrendo com a falta de cuidado e problemas estruturais que
ocorrem há algum tempo”, afirma, em entrevista à Agência FAPESP.
Entre
esses problemas ele aponta, por exemplo, podas realizadas de maneira incorreta
ou que afetam a estrutura e o equilíbrio da planta; calçadas que estrangulam e
dificultam o desenvolvimento das raízes e a falta de espaço para o crescimento
das árvores.
“As árvores com uma gestão deficiente
são vulneráveis a cair, mesmo sem nenhuma causa climática aparente. Já a
vegetação senescente (em processo de envelhecimento) pode
cair por sua capacidade reduzida de fotossíntese, enraizamento, crescimento e
pouca resistência a patógenos, que aproveitam as condições do clima urbano para
reprodução e desenvolvimento. Portanto, não é incomum encontrar árvores em
condições ruins, que podem cair sem razão aparente”, escrevem os pesquisadores.
Para
Cerqueira, um dos resultados importantes do trabalho foi apontar o papel do
efeito tardio de chuvas e rajadas de vento na queda. “Quem está na linha de
frente da prefeitura e acompanha a situação no dia a dia sabe que há registro
de queda o ano todo, mas considerávamos o período de seca dentro da
normalidade. É importante o resultado do estudo apontar esse efeito tardio da
condição climática. Agora temos que pensar em ações a serem adotadas
imediatamente após os dias de chuva forte e de vento para minimizar os riscos
de queda e, se acontecer, estar preparado para atuar”, diz a diretora da
Divisão de Arborização Urbana.
A pesquisa
não avaliou o impacto direto da idade nem da poluição na saúde das plantas.
Contudo, Locosselli afirma que o fato de um grande número de árvores em São
Paulo ter sido plantado nos anos 1950 e 1960 contribui para a vulnerabilidade e
probabilidade de queda.
Já em relação à poluição do ar, um
artigo publicado em 2019, também com a participação do pesquisador, apontou que
poluentes atmosféricos restringem o desenvolvimento de tipuanas (Tipuana tipu) – uma das espécies mais comuns na capital
paulista, interferindo nos serviços ambientais por elas prestados (leia em agencia.fapesp.br/30238/).
Sugestões
O estudo
aponta entre as ações necessárias para preservar as árvores de rua em São Paulo
a adoção de planos de manejo para o plantio que levem em consideração a
biologia das diferentes espécies, sua resiliência às condições climáticas
extremas e as características da infraestrutura local.
Sugere
ainda a implantação de programas de monitoramento das condições das árvores com
base em indicadores e de projetos educacionais para que as decisões sejam
tomadas pelas autoridades com o apoio da população, baseadas em dados técnicos
e científicos.
Cabe à
Prefeitura de São Paulo a competência legal para manejar as árvores de ruas, o
que inclui o plantio, a garantia da saúde fitossanitária, poda e substituição
quando necessário. De acordo com a Lei Municipal 10.365/87, o manejo das
árvores nas ruas é realizado por empresas terceirizadas contratadas pelo poder
público. A companhia de eletricidade também tem autorização para adaptar a copa
das árvores à presença dos cabos de energia.
Segundo Cerqueira, a Prefeitura de
São Paulo lançou, em setembro de 2020, o Plano Municipal de Arborização
Urbana, um instrumento que “define o planejamento e a
gestão da arborização no município para os próximos 20 anos visando ao aumento
da resiliência da cidade às mudanças climáticas, à qualificação da
paisagem e à satisfação da população”.
“Vários
pontos destacados no estudo em relação aos aspectos de manejo e plantio
convergem com problemas diagnosticados no Plano Municipal. Para cada um deles,
o documento da prefeitura detalha os programas e ações previstos para os
próximos anos”, explica a diretora da Divisão de Arborização Urbana.
No prazo
de cinco anos, quando o plano passará pela primeira revisão, há ações
prioritárias, como elaborar um protocolo de análise de risco de queda e um
projeto emergencial de manejo, incluindo a revisão dos planos contratados com
as empresas terceirizadas e do convênio da prefeitura com a concessionária de
energia elétrica para tentar reduzir a quantidade de podas, evitando acúmulo de
danos nas árvores.
“A
população está mais atenta com a arborização e tem participado cada vez mais.
Quando cai uma árvore, principalmente depois de chuvas, o aumento de chamadas é
considerável. Pretendemos aperfeiçoar o material técnico destinado à
população”, diz Cerqueira.
Com mais
de 12 milhões de habitantes, São Paulo tem uma área de 1.521 quilômetros
quadrados e clima subtropical. Cerca de 75% das ruas da cidade têm árvores de
várias espécies nativas, incluindo algumas da Mata Atlântica, e exóticas,
porém, estão concentradas em bairros mais centrais. Ampliar os bairros com
arborização também é um dos focos do Plano Municipal.
Próximos passos
Locosselli
disse que já começou um novo trabalho com Cerqueira e outros colegas, em que
estão analisando dados disponíveis a partir de 2012 referentes a 30 mil árvores
da cidade de São Paulo, geolocalizadas.
“Agora
vamos estudar o local da árvore para entender como o ambiente e o entorno
influenciam a queda. São 19 variáveis, incluindo, por exemplo, poluição;
largura e inclinação da calçada; características climáticas; altura de
edificações. Deve ficar pronto até o segundo semestre”, completa.
O artigo Climate drivers of tree fall on the streets of São Paulo, Brazil,
dos pesquisadores Giuliano Maselli Locosselli, Augusto Akio Lucchezi Miyahara,
Priscilla Cerqueira e Marcos Silveira Buckeridge, pode ser lido em https://link.springer.com/article/10.1007/s00468-021-02145-4.
Luciana Constantin
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/queda-de-arvores-durante-a-seca-na-cidade-de-sao-paulo-esta-ligada-a-manejo-inadequado-sugere-estudo/36067/
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