Pesquisadores
da Esalq-USP e colaboradores mostraram que a taboa é capaz de retirar de solos
contaminados até 34 vezes mais manganês do que outras plantas encontradas em
ambientes semelhantes (foto: Wikimedia Commons)
A taboa, uma vegetação aquática
de aproximadamente 2,5 metros de altura, é capaz de retirar de solos
contaminados até 34 vezes mais manganês do que outras plantas encontradas em
ambientes semelhantes. Em comparação ao hibisco e ao junco, por exemplo, a
taboa acumulou, respectivamente, dez e 13 vezes mais manganês, demonstrando,
assim, seu potencial para recuperar de forma sustentável áreas afetadas por
rejeitos de minério de ferro.
Esse é um dos resultados obtidos em pesquisa publicada no Journal of Cleaner Production por cientistas da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo
(Esalq-USP) e colaboradores.
O artigo revelou que a Typha domingensis,
nome científico da taboa, é altamente eficiente na fitorremediação de manganês,
micronutriente potencialmente tóxico e com grande risco ecológico. A planta
apresentou concentrações de 6.858 miligramas por quilo (mg/kg) de manganês na
parte aérea enquanto outras espécies acumulam, em média, 200 mg/kg.
A pesquisa
de campo foi realizada no estuário do Rio Doce, distrito de Regência (ES),
local fortemente impactado pela deposição de rejeitos liberados após o maior
desastre ambiental registrado no Brasil – o rompimento da Barragem do Fundão,
em novembro de 2015, em Mariana (MG).
À época, o
desastre afetou 41 cidades em Minas Gerais e no Espírito Santo, provocando a
morte de 19 pessoas, e os rejeitos de minérios de ferro chegaram ao estuário
cerca de duas semanas depois. Estima-se que a degradação ambiental atingiu pelo
menos 240,8 hectares de Mata Atlântica e resultou em 14 toneladas de peixes
mortos. Várias ações vêm sendo adotadas desde então para tentar reduzir os
danos, mas a contaminação no estuário ainda persiste.
O estudo
mostrou que a capacidade de extração da taboa no estuário do Rio Doce chegou a
147 toneladas do minério, o que representa a remoção de 75,7 toneladas por
hectare (t/ha).
Outro trabalho realizado no mesmo local e publicado em janeiro deste ano
já havia demonstrado a capacidade de a taboa remover grandes quantidades de
ferro do ambiente quando comparada ao hibisco (Hibiscus tiliaceus),
que mede de 4 a 10 metros e tem flores amarelas (leia mais em: agencia.fapesp.br/37877/).
“Estamos trabalhando no Rio Doce desde 2015. Conseguimos chegar a um
nível de entendimento da dinâmica geoquímica de vários metais encontrados nos
rejeitos, como ferro, manganês e outros elementos potencialmente tóxicos. Isso
nos dá a oportunidade de avançar em estratégias mais adequadas para remediação dessas
áreas contaminadas. O acúmulo desse conhecimento permite não só avançar na
recuperação de regiões degradadas como também na busca por estratégias de
agromineração, contribuindo com uma exploração mineral mais sustentável”,
explica à Agência FAPESP o
professor Tiago Osório Ferreira,
professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq-USP e orientador do
trabalho.
Por meio
da técnica de fitorremediação, é possível reduzir o impacto em áreas afetadas
por minérios removendo partes das plantas que acumulam esses componentes. Já a
agromineração consiste no uso de estratégias agronômicas para cultivar plantas
com capacidade de extração de metais e depois, a partir da biomassa dessa
vegetação, concentrar aquele componente, diminuindo o impacto ambiental.
Atualmente, essa técnica é pouco usada no mundo, tendo alguns trabalhos em
andamento na Austrália, por exemplo.
A pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio de cinco projetos (19/14800-5, 18/04259-2, 21/00221-3, 19/19987-6 e 18/08408-2) e
é parte do doutorado de Amanda Duim Ferreira,
primeira autora do artigo.
“Já sabíamos por meio de trabalhos de outros pesquisadores que o
manganês é um problema na região, com a contaminação de água, solo e peixes. Ao
fazer o estudo voltado à análise da área impactada pelo rejeito rico em ferro,
imaginamos que a taboa e o junco [Eleocharis acutangula]
acumulariam mais manganês do que o hibisco, outra espécie arbórea presente no
local. Mas os resultados apontaram que a taboa chega a acumular 13 vezes mais
manganês na parte aérea do que as outras duas espécies. Já nas raízes, e por
meio do mecanismo de placas de ferro [adaptação fisiológica da planta que leva
à precipitação do óxido de ferro e à formação de placas], o resultado teve
menos impacto”, afirma Duim Ferreira, que também foi a primeira autora do
trabalho publicado em janeiro no Journal of Hazardous Materials.
De acordo
com o estudo atual, o acúmulo de manganês nas raízes e placas de ferro da taboa
foi de 18 mg/kg e 55 mg/kg, respectivamente.
Plantas
adaptadas a ambientes alagados capturam o oxigênio da atmosfera por meio da
parte aérea, levando-o até a raiz por espaços porosos (aerênquimas). Essa
oxigenação mantém o sistema radicular, responsável pela fixação, além da
absorção de água e de sais minerais.
A absorção
de matéria orgânica pelas plantas favorece a dissolução de óxidos de manganês e
a liberação de prótons pode desencadear a dissolução do carbonato de manganês.
Por outro lado, as plantas aquáticas também podem oxidar suas rizosferas
(região onde o solo e as raízes entram em contato) devido ao transporte interno
de oxigênio. Esse processo pode diminuir a biodisponibilidade de manganês.
Método
Para
realizar a pesquisa foram determinados parâmetros físico-químicos do solo (pH
rizosférico, pH do solo e potencial redox) e o teor de carbono orgânico total,
além da extração de manganês em locais naturalmente vegetados pelas três
espécies de plantas. Também foi realizado o fracionamento geoquímico do metal
nos solos estudados.
A
concentração de manganês foi determinada em cada compartimento da planta –
raízes, parte aérea e placas de ferro. Foram estabelecidos fatores de
bioconcentração e translocação, avaliando assim a capacidade da vegetação de
atuar como hiperacumuladora de manganês e seu potencial uso em programas de
fitorremediação.
“Esses resultados abrem um leque de possibilidades para o uso da
fitorremediação. Conhecendo esses mecanismos de absorção, é possível cultivar a
taboa usando diferentes estratégias agronômicas conhecidas para obter os
melhores resultados. Saímos do escopo da fitorremediação para a agromineração.
É nisso que estamos trabalhando”, complementa o professor, que coordena o Grupo de Estudo e Pesquisa em Geoquímica de Solos da
Esalq.
Agora Duim
Ferreira, que está fazendo estágio na Carolina do Norte (Estados Unidos),
trabalha na pesquisa de técnicas agronômicas para o plantio de taboa visando
aproveitar o potencial fitorremediador da planta.
“Estamos
aplicando diversas técnicas agronômicas com base no que já sabemos sobre o
período de plantio, época mais adequada, número de cortes por ano para aumentar
o potencial de produção de biomassa da taboa e remoção de manganês e ferro”,
diz a pesquisadora.
Segundo
ela, a taboa continua acumulando grandes quantidades de metais mesmo ao longo
dos anos – já foram realizadas coletas no estuário em 2019, agosto de 2021 e
fevereiro deste ano.
O artigo Screening for natural manganese scavengers:
Divergent phytoremediation potentials of wetland plants pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0959652622024064.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-mostra-que-planta-aquatica-pode-remover-o-excesso-de-manganes-em-solos-afetados-por-mineracao/39792/