Especialista
Ricardo Hegele fala sobre a importância da saúde física e mental no trânsito
Com o aumento da expectativa de vida, envelhecer
com autonomia e independência tem sido um dos grandes anseios e desafios da
população.
De 2011 a 2020, a proporção de condutores com mais
de 61 anos de idade saltou de 11% para 17% no universo de motoristas do país.
O envelhecimento é um aspecto natural da vida
humana e fisiológico, porém ele pode trazer limitações físicas e mentais aos
motoristas. Não há uma idade imposta pelo Código de Trânsito Brasileiro para
que o idoso pare de dirigir. Por isso deve ser dada uma atenção especial a esse
segmento da população.
De acordo com o especialista em Medicina do
Tráfego, Dr. Ricardo Hegele, a concessão da habilitação não pode ser
baseada somente na idade cronológica. As limitações nesta faixa etária podem
aparecer de forma precoce ou mesmo tardiamente.
“Quando o problema é físico e o idoso apresenta
deficiências de mobilidade ou deficiências visuais e/ou auditivas será mais
provável que ele se conscientize de forma mais fácil e perceba que não pode
dirigir como antes e tome a iniciativa de parar a direção veicular. Essa
conscientização é mais difícil quando fatores cognitivos como perdas de
atenção, concentração e capacidade de avaliação se apresentam na forma de
diversas doenças e o idoso não percebe a perda das habilidades essenciais para
a condução do veículo. Nesses casos deve haver a atuação do médico, juntamente
com o apoio e informações da família do idoso”, explica Hegele.
O Código de Trânsito Brasileiro, alterado pela lei
14.071 de 13 de outubro de 2020, trata no artigo 147, parágrafo 2º, da periodicidade
do exame de aptidão física e mental que é realizado nos motoristas para a
obtenção e renovação da habilitação. A cada 5 anos para condutores com idade
igual ou superior a 50 anos e inferior a 70 anos e a cada 3 anos para
condutores com idade igual ou superior a 70 anos. Nesse artigo 147, no
parágrafo 4º, também há uma informação importante que muitos ainda desconhecem.
Quando houver indícios de deficiência física ou mental ou de progressividade de
doença que possa diminuir a capacidade para conduzir o veículo, os prazos
previstos nos incisos 1,2 e 3 do parágrafo 2º, eles poderão ser diminuídos por
proposta do perito examinador.
“Quando falamos em mobilidade humana, mobilidade
urbana, mobilidade em geral, especialmente se tratando de idosos, nós temos que
lembrar que a independência de muitos se caracteriza pelas habilidades para
dirigir veículos automotores. Os idosos, muitas vezes, não têm família próxima,
suporte que possa ajudá-los nas atividades de deslocamento e essa necessidade
se torna premente. Por isso que é tão importante ter cuidado com as
limitações, com as perdas do envelhecimento, para que o idoso possa permanecer
com a capacidade da sua própria locomoção”, pondera o médico.
Responsabilidades X Limitações
Para o especialista Ricardo Hegele, segundo
informações publicadas pela ABRAMET (Associação Brasileira de Medicina do
Tráfego), os idosos em geral são mais cuidadosos na direção veicular. Eles não
dirigem em excesso de velocidade ou alcoolizados, salvo exceções, utilizam
cinto de segurança com mais frequência que os demais condutores, não cometem
infrações conscientemente e cuidam da manutenção do veículo. “Mas ao mesmo
tempo nós temos que lembrar que de forma não consciente esses idosos acabam
desrespeitando algumas regras de trânsito porque não sinalizam manobras, acabam
desobedecendo alguns sinais de paradas, nos semáforos e não circulam no lado
direito da via, realizam certas conversões proibidas, e até retornos em locais
proibidos. Então, essas são características da direção veicular por parte dos
idosos”, comenta Ricardo.
Essas infrações que os idosos cometem na maioria
das vezes se devem a um déficit de atenção, chamado também de atenção
dividida, quando existem tarefas múltiplas mais complexas demandadas ao mesmo
tempo. Outras doenças que acabam surgindo com o envelhecimento, como as
osteoartroses, a redução da capacidade da acuidade visual e auditiva acabam
afetando os idosos e também podem aumentar o risco da possibilidade de
sinistros de trânsito.
Além disso, é importante lembrar de
algumas doenças que são prevalentes em idosos, especialmente as perdas
visuais relacionadas ao glaucoma, catarata, retinopatia diabética e degeneração
macular relacionada à idade. Com o passar do tempo o idoso passa a ter uma
dificuldade maior de dirigir à noite. Ele tem um aumento no tempo de
recuperação após ofuscamento e uma perda na adaptação à visão com pouca
luminosidade. São situações em que há um prejuízo na acuidade visual.
Orientações importantes
Ricardo Hegele orienta que os veículos mais adequados
para os idosos são, preferencialmente, os que possuem transmissão automática,
que não exijam do idoso o esforço da troca das marchas e uso da embreagem.
Assim como possuir também uma direção hidráulica ou elétrica assistida, que
torna mais leves as manobras para a direção veicular. Pedais de acionamento de
freio ou acelerador com uma superfície maior são importantes para que o idoso
possa acessá-los e acioná-los com segurança. Outra recomendação importante
são os espelhos retrovisores amplos, maiores, tantos internos quanto externos,
para que o campo visual (que naturalmente reduz com a idade) seja mais adequado
à segurança do idoso.
Além de um veículo com condições mais adequadas,
vale salientar que os idosos devem evitar a direção veicular nos horários de
pico, com baixa luminosidade, à noite, ou na mudança da noite para o dia e
vice-versa, devido à penumbra. Essas modificações do dia para a noite, ou da
noite para o dia podem trazer uma dificuldade maior para a acuidade visual
da pessoa idosa.
“É importante deixar claro aos médicos do
tráfego que façam uma avaliação com cuidado, sempre com muito respeito e muita
atenção. Orientar, na medida do possível, todos os fatores de risco que o
motorista idoso possa ter na direção veicular. É importante que a cada
renovação da CNH, a cada avaliação que se faça desse motorista, ele seja
orientado sobre todos os cuidados possíveis na direção veicular, inclusive com
os cuidados da saúde, realizar revisões médicas periódicas no seu
oftalmologista, no seu cardiologista, no seu clínico, no médico que o
acompanha, além de ter os cuidados de manutenção do seu veículo. E sempre, a
qualquer sinal de alerta que possa trazer risco à direção veicular, buscar a
orientação do seu médico do tráfego. O nosso trânsito deve ser democrático,
acessível ,inclusivo e oportunizar para que todos possam utilizá-lo com
segurança”, conclui o especialista.
Dr. Ricardo Hegele - Graduado em Medicina e Direito. Especialista em Medicina do Tráfego e Especialista em Medicina do Trabalho. Vice-Presidente da ABRAMET (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego). Membro Fundador da ABRAPSIT (Associação Brasileira de Psicologia de Tráfego). Membro de Câmaras Técnicas Junto ao CFM (Conselho Federal de Medicina), CREMERS ( Conselho Regional de Medicina do RS) e Conselho Nacional de Trânsito ( CONTRAN). Perito Médico do DETRAN há mais de 25 anos. Atua profissionalmente há mais de 27 anos com coordenação e gestão de saúde de motoristas, unindo a sólida formação em duas áreas técnicas e acadêmicas com a prática diária da avaliação da capacidade física e mental dos condutores de veículos automotores. Na área acadêmica, atuando como professor no ensino da pós-graduação médica e psicológica há mais de 20 anos. Autor de diversos trabalhos de pesquisa na área da saúde do motorista. Agraciado com o troféu “Hilário Veiga de Carvalho”, máxima honraria da Medicina do Tráfego no Brasil e, também, recebeu o troféu “Reinier Rozenstraten”, máxima honraria da Psicologia de Tráfego pela atuação e serviços prestados à Psicologia de Tráfego no Brasil. Reconhecido com o prêmio “Nils Bohlin” pelo trabalho realizado em prol da segurança no trânsito do Brasil. Autor de livros na área da Psicologia e Medicina do Tráfego e também na área do Direito Médico.
Instagram: @ricardohegele
Spotify - Podcast Medicina do Tráfego Sem Fronteiras, com Ricardo Hegele
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