Com conteúdo qualificado nas mídias sociais e site oficial e ações ao longo do ano, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica mapeia os principais estudos do Brasil e do mundo sobre o impacto da pandemia no diagnóstico e tratamento do câncer e, com linguagem acessível e didática, alerta sobre prevenção e necessidade de retomada dos exames de rastreamento para redução dos casos, das descobertas em fase avançada e mortes por câncer
Antes
da pandemia, o câncer já gerava preocupação em todo o mundo por conta de
gargalos no diagnóstico, com altas taxas de tumores avançados até mesmo para
tipos de câncer que possuem exames de rastreamento como mamografia,
colonoscopia e Papanicolau. Além da descoberta tardia, que aumenta a
complexidade do tratamento e custos e reduz as chances de cura, havia também a
perspectiva do exponencial aumento da incidência da doença em duas décadas.
Quando Covid-19 ainda não era pauta mundial, a projeção da Organização Mundial
da Saúde (OMS) era de 19,3 milhões de casos em 2020 e um salto de 64,1% em 20
anos, ou seja, atingindo a marca de 30 milhões de novos casos em 2040 (1).
Paralelamente,
no Brasil eram esperados que entre 2020 e 2022 houvesse cerca de 625 mil novos
casos de câncer por ano (2). Considerando uma média de 60% de aumento em duas
décadas, chegaríamos à alarmante marca de 1 milhão de novos casos/ano em 2040
no país. Com a chegada da Covid-19, o câncer não deixou de existir. Pior que
isso, a doença evoluiu em agressividade, pois houve uma drástica redução de
exames e visitas /revisões com médicos e especialistas que poderiam
diagnosticá-la precocemente. Diante deste cenário, com a proposta de
conscientizar a população sobre a importância do cuidado com a saúde, a
Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) lança a campanha Não dá para esperar. Cuide-se. O câncer
não ficou de quarentena.
O
cirurgião oncológico e presidente da SBCO, Héber Salvador, explica que a ação
será um movimento permanente. “Vamos desenvolver inúmeras ações com o propósito
de conscientizar a população a estar atenta aos sinais do corpo, aos exames
indicados para sua faixa etária e, aos pacientes oncológicos, que não negligenciem
o tratamento. Será um movimento permanente, que irá abraçar as demais campanhas
que já são tradicionais ao abordar tipos específicos de câncer, como o Julho
Verde, Agosto Branco, Setembro Lilás, Outubro Rosa, Novembro Azul e Dezembro
Laranja. Além disso, temos também a tradicional Ação Nacional de Combate ao
Câncer da SBCO também em novembro”, detalha Héber Salvador.
O
impacto mundial da pandemia no câncer em números – A OMS, que havia projetado um aumento
superior a 60% na carga de câncer em todo o mundo até 2040, alertou para o
catastrófico impacto da pandemia nos últimos dois anos no diagnóstico de novos
casos de câncer. Os dados apontam que durante os meses iniciais da pandemia, o
diagnóstico de tumores invasivos caiu 44% na Bélgica; assim como na Itália, os
exames colorretais diminuíram 46% entre 2019 e 2020, enquanto na Espanha o
número de cânceres diagnosticados em 2020 foi 34% menor do que o esperado (3).
Em
sua Pesquisa Global Pulse, a OMS indicou que no último trimestre de 2021 houve
uma interrupção no cuidado do câncer (exames de rastreamento e tratamento) de
5% a 50% em todos os países do mundo. Esta situação (embora tenha melhorado
desde o primeiro trimestre de 2021 - quando os serviços foram interrompidos em
mais de 50% em 44% dos países e entre 5% a 50% no restante) refletirá
negativamente por alguns anos (4). Estudo publicado na revista científica
Journal of The American Medical Association (JAMA) evidenciou que a Holanda
observou uma queda de até 40% na incidência semanal de câncer e o Reino Unido
teve redução de 75% nos encaminhamentos por suspeita de câncer. Estes dados
foram obtidos a partir dos registros de janeiro a abril de 2019 comparados com
os mesmos meses de 2020 pela Quest Diagnostics, líder mundial em medicina
diagnóstica. Foram identificadas quedas significativas nas neoplasias malignas,
benignas, in situ e de comportamento não especificado (5).
Outro
estudo, assinado por pesquisadores do Sidney Kimmel Cancer Center, da
Filadélfia, nos Estados Unidos e do National Health Service (NHS), do Reino
Unido, mostra redução de 89,2% no rastreamento de câncer de mama e de 85,5% dos
exames de investigação de câncer colorretal. Os dados foram obtidos a partir
dos registros de 278 mil pacientes, dentre eles mais de 20 mil do período de
covid-19. A pesquisa foi publicada no JCO Clinical Cancer Informatics, revista
científica da American Society of Clinical Oncology (ASCO). (6).
Recente - publicado em abril de 2022 na revista científica The American Surgeon - um estudo de coorte retrospectivo, que investigou o impacto da pandemia na triagem, diagnóstico e taxas de mortalidade das cinco principais causas de morte por câncer (pulmão/brônquios, cólon/reto, pâncreas, mama e próstata) mostra que as triagens diminuíram 24,98% para câncer colorretal e 16,01% para câncer de mama de 2019 a 2020. (7). A mesma revista, também em abril, trouxe um estudo que mostrou redução de mamografias de rastreamento em 44% e de 21% de redução de mamografias de diagnóstico (8).
Outro
levantamento feito pela SBCO, junto ao banco de dados do DATASUS, aponta que ao
menos 148 mil colonoscopias deixaram de ser realizados no Sistema Único de
Saúde nos últimos dois anos. O sistema registra a realização de 347.098
colonoscopias em 2019. Em 2020, quando houve medidas mais restritivas para
contenção da disseminação do SarsCov-2, o que incluiu o fechamento de serviços
de colonoscopia, foram realizados 241.329 exames (redução de 30,4% no ano
passado). Em 2021, foi registrada uma retomada na procura pelo exame,
porém, observou-se ainda uma significativa redução (304.004 colonoscopias, um
volume 12,4% menor em relação a 2019).
Outros números do país
-
Redução de 47% na realização de mamografias no SUS de janeiro a
julho de 2020 quando comparado ao mesmo período de 2019 – INCA.
- Redução
de 46,3% dos diagnósticos de câncer colorretal (intestino grosso
e reto) de janeiro a julho de 2020 quando comparado ao mesmo período de 2019 –
SBCO e A.C.Camargo Cancer Center.
- 61%
dos serviços de Radioterapia tiveram mais de 20% de redução do
movimento, sendo que 15% viram o número cair em mais de 50%.
- Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT).
- No Brasil, a média de deslocamento
para um procedimento de Radioterapia é de 76 quilômetros. Por sua vez, a
desigualdade de acesso escancara uma distância média que varia de 33 km no
estado de São Paulo a 1605,5 km, que é a distância média que precisa
ser percorrida por um paciente que reside em Roraima, estado que não
possui qualquer serviço de Radioterapia. No Acre, que também não conta com
Radioterapia, a distância ao serviço mais próximo é de 1487,3 km - Sociedade
Brasileira de Radioterapia (SBRT).
O
reflexo na cirurgia oncológica
- Até 2040, a demanda por cirurgias relacionadas
ao câncer deve aumentar 52%, chegando a 13,8 milhões de procedimentos
nos próximos 20 anos. Para dar conta desse cenário, estima-se que quase 200 mil
cirurgiões e 87 mil anestesistas adicionais sejam necessários para cumprir o
desafio. Além disso, também será preciso melhorar sistemas de
saúde para evitar mortes decorrentes de complicações pós-operatórias.
Estas previsões foram publicadas na revista científica The Lancet. (9).
O
impacto já é percebido na cirurgia oncológica no Brasil, pois os pacientes
estão chegando com tumores maiores e mais agressivos, o que exige procedimentos
mais extensos e qualificação profissional. Embora o panorama esteja melhorando,
por conta da queda dos números da pandemia e avanço da imunização contra
Covid-19, é missão da SBCO trabalhar pela retomada dos cuidados e exames
periódicos e que a população tenha, em dia, a sua mamografia, toque retal,
colonoscopia, dentre outros exames de rastreamento, assim como os meninos e
meninas vacinados contra o vírus HPV.
Com a
campanha 360º, que envolve conteúdo multimídia e qualificado nas mídias
digitais e ações externas com a população, a campanha, além de conscientizar a
população, visa engajar os mais de 1400 cirurgiões oncológicos membros da SBCO.
Paralelamente, é essencial também a atuação multiprofissional. “Precisamos
lutar pela maior oferta do ensino de Oncologia em todas as faculdades de
Medicina do país e que esta disciplina também figure na grade curricular de
outras áreas de saúde, essenciais para o cuidado multidisciplinar do paciente
oncológico, como Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia,
Enfermagem, dentre outras. Os médicos e os demais profissionais da saúde
precisam aprender a pensar oncologicamente. Com isso, a população será mais bem
assistida por eles em todas as etapas, da prevenção à reabilitação
pós-tratamento”, vislumbra Héber Salvador.
Referências
1 - Sung
H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, Bray F. Global
Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide
for 36 Cancers in 185 Countries. CA Cancer J Clin. 2021
May;71(3):209-249.
2 - INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA
SILVA. Estimativa 2020: incidência do Câncer no Brasil. Rio de Janeiro:
INCA, 2019a. Disponível em: https://www.inca.gov.br/estimativa/taxas-ajustadas/neoplasia-maligna-da-mama-feminina-e-colo-do-utero Acesso em: Acesso
em 26 abril 2022.
3 – https://www.euro.who.int/en/media-centre/sections/statements/2022/statement-cancer-services-disrupted-by-up-to-50-in-all-countries-reporting-a-deadly-impact-of-covid-19. Acesso em 26 abril
2022.
4 - Global pulse survey on
continuity of essential health services during the COVID-19 pandemic. Acesso em 26 abril
2022.
5 - Kaufman HW, Chen Z, Niles J, Fesko Y. Changes in the
Number of US Patients With Newly Identified Cancer Before and During the
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Pandemic. JAMA Netw Open.
2020;3(8):e2017267. Published 2020 Aug 3.
6 – London JW, Fazio-Eynullayeva E, Palchuk MB,
Sankey P, McNair C. Effects of the COVID-19 Pandemic on Cancer-Related Patient
Encounters. JCO Clin Cancer Inform. 2020;4:657-665.
7 - Concepcion J, Yeager M, Alfaro S, Newsome K, Ibrahim J,
Bilski T, Elkbuli A. Trends of Cancer Screenings, Diagnoses, and Mortalities
During the COVID-19 Pandemic: Implications and Future Recommendations. Am Surg.
2022 Apr 14:31348221091948.
8 - Cairns A, Jones VM, Cronin K, Yocobozzi M, Howard C,
Lesko N, Chiba A, Howard-McNatt M. Impact of the COVID-19 Pandemic on Breast
Cancer Screening and Operative Treatment. Am Surg. 2022 Apr
13:31348221087920.
9 - Perera SK, Jacob S, Wilson BE, Ferlay J, Bray F,
Sullivan R, Barton M. Global demand for cancer surgery and an estimate of the
optimal surgical and anaesthesia workforce between 2018 and 2040: a
population-based modelling study. Lancet Oncol. 2021 Feb;22(2):182-189.
Sobre a SBCO - Fundada em 31 de maio de 1988, a Sociedade
Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) é uma entidade sem fins lucrativos,
com personalidade jurídica própria, que agrega cirurgiões oncológicos e outros
profissionais envolvidos no cuidado multidisciplinar ao paciente com câncer.
Sua missão é também promover educação médica continuada, com intercâmbio de conhecimentos,
que promovam a prevenção, detecção precoce e o melhor tratamento possível aos
pacientes, fortalecendo e representando a cirurgia oncológica brasileira. É
presidida pelo cirurgião oncológico Héber Salvador (2021-2023).