Com
a liberação pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do uso da
melatonina para a formulação de suplemento alimentar, o hormônio ganhou
destaque, mas gerou preocupação, já que a venda sem receita médica pode
resultar em uma série de problemas.
O
lado bom da melatonina
Segundo
a Dra. Claudia Chang, pós doutora em endocrinologia e metabologia pela USP e
Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM); a
melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal (uma pequena estrutura
do sistema nervoso central) e responsável pelo nosso ritmo circadiano que, além
de regular o estado de vigília e sono, controla temperatura corporal, equilíbrio
das células, níveis hormonais, entre outras funções.
“Quando
não há luz, por exemplo, a retina envia informações para uma região do cérebro,
o hipotálamo, que manda uma mensagem até o epitálamo, fazendo com que a
glândula pineal libere melatonina, promovendo o sono na ausência de luz. Daí a
relação da melatonina com o sono”.
De
acordo com pesquisas da National Sleep Foundation (NSF), pelo menos 40 milhões
de pessoas sofrem com mais de 70 tipos de distúrbios do sono, e 60% dos adultos
relatam ter problemas de sono algumas noites por semana ou mais. A maioria das
pessoas não é diagnosticada e tratada. Além disso, mais de 40% dos adultos
experimentam sonolência diurna severa o suficiente para interferir em suas
atividades diárias.
“A
privação do sono afeta a produção de novas células neuronais, gerando uma série
de déficits cognitivos, como fadiga, diminuição dos reflexos, sonolência,
envelhecimento precoce, queda da imunidade, dificuldade de concentração,
problemas de memória e até transtornos psiquiátricos. Por isso, dormir é uma
necessidade tão natural quanto comer. O momento do descanso é essencial para
repor as energias, ajudar o organismo a se recompor do estresse do dia, além de
auxiliar no sistema imunológico”, pontua o Dr. Adiel Rios, Mestre em
Psiquiatria pela UNIFESP, pesquisador no Instituto de Psiquiatria da Faculdade
de Medicina da USP e Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Onde
mora o perigo
Segundo
a endocrinologista Claudia Chang, ainda que haja critérios no uso da melatonina
como suplementação (ter mais de 19 anos, consumir até 0,21 mg por dia, não ser
gestante ou lactante e ter acompanhamento médico em casos de doenças), a
liberação do hormônio pode ser perigosa.
De
acordo com a própria ANVISA, apesar de necessária ao organismo, a substância
tem contraindicações – "há riscos associados à utilização da melatonina
que não podem ser ignorados: o consumo de medicamentos contendo a substância
pode causar inchaço da pele, boca ou língua, perda de consciência, depressão,
irritabilidade, nervosismo, ansiedade, aumento da pressão arterial e função
anormal do fígado, entre outros problemas”.
“Embora
não haja consenso científico sobre seus supostos benefícios, a melatonina se
popularizou, por meio das farmácias de manipulação, como uma substância
milagrosa não só para o sono, mas com promessas para tratar emagrecimento,
diabetes, enxaqueca e até mesmo câncer e doença de Alzheimer”, conta Claudia
Chang.
O
dermatologista Dr. Renato Pazzini, Membro do Corpo Clínico dos Hospitais Albert
Einstein e Oswaldo Cruz, reitera. “Muitas pessoas acreditam que a melatonina
soluciona problemas decorrentes do envelhecimento, como a flacidez da pele. De
fato, o hormônio facilita o transporte de aminoácidos para o interior das
células, proporcionando melhores condições para que sintetizem diferentes
proteínas, entre elas, o colágeno. No entanto, sua atuação é indireta. O uso da
melatonina, por si só, não tem efeito rejuvenescedor se não houver outros
tratamentos concomitantes e, principalmente, acompanhamento médico”, frisa
Pazzini.
A
maior preocupação dos especialistas é a liberação do hormônio no Brasil sem
necessidade de receita médica, motivando a “automedicação” (ainda que se trate
de uma suplementação). Dados do Conselho Federal de Medicina indicam que 77%
dos brasileiros fazem o uso de substâncias sem qualquer orientação médica.
Entre
os riscos da automedicação, a intoxicação é a mais perigosa. De acordo com o
Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, cerca de 30 mil casos de
internação são registrados por ano no Brasil por decorrência de intoxicação.
Outro risco da automedicação é o fato de que, se uma substância é ministrada na
quantidade inapropriada, ou ainda, se combinada a outra, ela pode mascarar
sintomas de uma doença mais grave.
“Mesmo que a melatonina tenha baixa
incidência de efeitos colaterais (dor de cabeça, sono fragmentado, aumento da
incidência de pesadelo, tontura, náuseas, sensação de estar dopado, sonolência
durante o dia e elevação dos níveis do hormônio prolactina), quando estes
ocorrem, a causa habitualmente é a utilização de doses elevadas (acima de 3 mg)
ou pela presença de substâncias ocultas na fórmula. Por isso, mesmo sem a
obrigatoriedade de receita médica, é fundamental buscar orientação especializada
antes de fazer uso de suplementação da melatonina”, finaliza o psiquiatra Adiel
Rios.