Avaliação conduzida por grupo da Unifesp mostrou que a metodologia
do Proerd chegou a induzir efeitos contrários aos desejados em parte dos
adolescentes que receberam a intervenção. Para os pesquisadores, é preciso
ajustar melhor o conteúdo ao contexto brasileiro (foto: Pixabay)
Estudo conduzido por pesquisadores da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 30 escolas da capital paulista
mostrou que o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência
(Proerd), implementado no país desde a década de 1990, não teve efeito na
prevenção do uso de álcool e drogas nas crianças e adolescentes que
participaram da pesquisa e, em alguns casos, teve desfechos contrários aos
esperados.
Os resultados foram publicados em dois artigos, nas
revistas International Journal of Drug
Policy e Prevention Science.
“Esse é o programa de prevenção ao uso de drogas mais
disseminado no país. No Estado de São Paulo ele é obrigatório em todas as
escolas estaduais de acordo com lei de
2019. O programa original, criado nos Estados Unidos, é baseado em evidências
científicas e tem resultados positivos comprovados em muitos países. No Brasil,
porém, não houve adaptação à realidade dos estudantes e nunca havia sido avaliado”,
explica Zila Sanchez,
professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de
Medicina (EPM-Unifesp) e coordenadora do estudo, financiado pela FAPESP.
Foram acompanhados 4.030 estudantes do quinto e do sétimo anos
do ensino fundamental em escolas estaduais no município de São Paulo. Parte do
grupo assistiu às dez aulas do programa e a outra metade não passou pela
intervenção. As escolas foram sorteadas entre aquelas que não tinham recebido o
programa nos últimos três anos. Os questionários foram aplicados duas vezes em
cada grupo: antes da intervenção e nove meses depois.
De forma geral, não houve diferenças significativas entre os
grupos que receberam e não receberam a intervenção na prevenção do uso de
álcool e drogas. Em uma pequena parcela que já fazia o chamado binge drinking (consumir até cinco doses de álcool
em até duas horas) antes de passar pelo programa, porém, houve até três vezes
mais chance de manter essa prática do que no grupo que não participou do
programa. Os estudantes que receberam a intervenção relataram ainda uma maior
intenção de experimentar tabaco e de aceitar oferta de maconha no futuro.
Com base nos resultados, os especialistas recomendam que o
Proerd, que está presente em todos os Estados brasileiros, seja reformulado
levando em conta as diferenças culturais entre os dois países e o nível
educacional dos estudantes brasileiros.
“Percebemos que muitas crianças do quinto ano tinham sérias
dificuldades de leitura e escrita. E algumas das atividades do programa
envolvem essas habilidades, como escrever uma redação, por exemplo”, conta a
pesquisadora.
Os pesquisadores tiveram de adaptar a forma de aplicação do
questionário de avaliação para esse grupo de alunos. Em vez de perguntas e
respostas em forma de texto, foi desenvolvido um aplicativo com áudio. Desse
modo, os estudantes podem ouvir as perguntas e usar figuras e cores para as
respostas.
Além disso, algumas das situações descritas nos conteúdos são
traduções literais do programa norte-americano, sem que tenha havido adaptações
à cultura brasileira. Para os pesquisadores, isso pode influenciar a
compreensão dos conteúdos e explicar em parte por que o programa teve efeitos
contrários ao que se esperava em alguns grupos.
“Convidar amigos para assistir futebol em casa, ir ao shopping
sem os pais e jogar basquete não são comuns entre meninos e meninas de 12 anos
no Brasil. Mesmo algumas situações descritas que ocorrem no ambiente escolar
não são aplicáveis aqui, como sentar-se à mesa junto aos colegas durante os
intervalos das aulas ou usar armários para guardar os pertences. Em uma lição,
fala-se de ‘amigos trazendo vinho para o jogo’, enquanto os adolescentes
brasileiros consomem comumente outras bebidas nessas situações”, diz Juliana Valente,
coautora do estudo, realizado durante estágio de pós-doutorado na EPM-Unifesp
com bolsa da FAPESP.
Em outro projeto, cujos resultados serão
publicados em breve, Valdemir Ferreira Júnior constatou
que o programa não foi eficaz para evitar violência escolar no mesmo grupo
estudado.
Política pública
Criado originalmente em 1983 nos Estados Unidos pela polícia de
Los Angeles, o Dare (sigla em inglês para “educação para resistência ao abuso
de drogas”) é adotado em diversos países. No Brasil, o programa chegou em 1992
e ganhou o nome de Proerd, inicialmente aplicado em escolas do Rio de Janeiro.
Em 2008, o Dare norte-americano passou a adotar um novo
currículo, “Keepin’it REAL”, desenvolvido por especialistas da Pennsylvania
State University. No Brasil, o currículo foi atualizado em 2014 e ganhou o nome
“Caindo na Real”. O objetivo é aumentar habilidades psicossociais dos
estudantes, aumentando a experiência positiva na escola e ajudando na tomada de
decisões.
O Proerd está presente nos 26 Estados da Federação e no Distrito
Federal e é aplicado por policiais militares especialmente treinados para o programa.
O conteúdo foi adaptado pelo próprio Dare norte-americano para o Brasil. Em
nenhum momento o programa foi avaliado no país, ainda que sejam esperadas
avaliações regulares de iniciativas do tipo.
Em 2013, por exemplo, o Ministério da Saúde implementou no país
o #TamoJunto, com o mesmo objetivo do Proerd, em parceria com o escritório
brasileiro das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODC).
O grupo liderado por Sanchez avaliou o programa e detectou
algumas falhas. Com as sugestões dos pesquisadores, o currículo foi reformulado
e reaplicado a partir de 2018.
Estudo publicado no final do ano
passado, encabeçado por Sanchez e Valente, mostrou que alunos que passaram
pelo programa reformulado tiveram 22% menos chances de iniciar o uso de álcool
do que os não tiveram contato com os conteúdos, ministrados pelos próprios
professores.
“É importante frisar que as polícias militares têm uma grande
capilaridade em todo o Brasil e as escolas normalmente não têm professores
treinados para esse tipo de programa, o que seria o ideal. Por essa razão,
muitos diretores de escolas veem o Proerd como a melhor e, muitas vezes, a
única opção de tratar a prevenção ao uso de drogas”, lembra Sanchez.
Segundo a pesquisadora, a avaliação de programas não serve
apenas para dizer o que funciona e o que não funciona, mas ajuda a entender o
que está acontecendo para subsidiar mudanças que ajudem os programas a cumprir
seus objetivos.
Nesses casos, a chamada ciência da prevenção não recomenda a
extinção dos programas após a primeira avaliação, mas a reformulação a partir
dos resultados encontrados e uma nova rodada de avaliação.
“Quando falamos das nossas crianças e adolescentes, temos de
garantir sua segurança e bem-estar. Por essa razão, as adaptações deveriam ser
imediatas, o que garantiria ainda o uso dos recursos públicos da melhor forma
possível”, encerra Sanchez.
O artigo Effectiveness of a school-based
substance use prevention program taught by police officers in Brazil: Two
cluster randomized controlled trials of the PROERD pode ser
lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0955395921003182.
A publicação Short-Term Secondary Effects of
a School-Based Drug Prevention Program: Cluster-Randomized Controlled Trial of
the Brazilian Version of DARE’s Keepin’ it REAL está disponível
em: https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs11121-021-01277-w.
André
Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-em-escolas-de-sao-paulo-mostra-que-programa-de-prevencao-as-drogas-mais-comum-no-pais-e-ineficaz/37385/