Ao analisar pacientes com
metástase e caquexia, pesquisadores da USP e de Harvard concluíram que, quanto
melhor o condicionamento físico, maiores as chances de a terapia ser
bem-sucedidaO câncer de pulmão é o que mais mata entre os homens
e o segundo entre as mulheres
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Ao estudar um grupo de
pacientes com câncer de pulmão metastático, pesquisadores do Brasil e dos
Estados Unidos concluíram que o desempenho em testes físicos simples – como
sentar, levantar e caminhar – pode ser um parâmetro capaz de auxiliar o médico
na avaliação do prognóstico e na definição do tratamento.
A pesquisa, divulgada no European Journal
of Clinical Investigation, também identificou no plasma sanguíneo dos
voluntários duas substâncias – a serina e o M22G – com potencial de virarem
biomarcadores capazes de indicar quais pacientes têm mais chances de responder
ao tratamento com a quimioterapia.
O trabalho contou com apoio
(projetos 16/20187-6 e 19/17009-7) da
FAPESP e envolveu pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FM-USP) e da Harvard Medical School (Estados Unidos).
Como explica o primeiro autor
do artigo, Willian das Neves Silva,
a síndrome da caquexia-anorexia é comum entre pacientes com câncer em estágio
avançado e caracteriza-se por um intenso consumo dos tecidos muscular e
adiposo, com consequente perda involuntária de peso, e costuma estar associada
à falta de apetite, fadiga e diminuição da força muscular.
No caso do câncer de pulmão,
mais especificamente de tumores de células não pequenas, que são os mais
comuns, os resultados da pesquisa mostram que, ao avaliar a sobrevida dos
pacientes, não basta mensurar a quantidade de músculos. É preciso também levar
em conta a função muscular.
“Nós vimos que a função é mais
importante. Não é só ter músculos, mas o que o paciente consegue fazer com
eles. O estudo mostra que a aptidão física importa mais do que a massa
muscular. A maioria dos pacientes estava debilitada e sofrendo com caquexia
[perda acentuada de peso e massa muscular] em algum grau. O paciente que tem
melhor desempenho físico vive mais e isso não tem relação com o estado geral
dele”, explica Silva, que conduziu a investigação durante seu doutorado, sob a
orientação dos professores Gilberto de Castro Junior,
da FM-USP, Patrícia Chakur Brum,
da Escola de Educação Física e Esporte da USP, e Kathryn J. Swoboda, do
Massachusetts General Hospital, ligado à Harvard.
Segundo os autores, as
informações levantadas na pesquisa poderão ajudar o médico oncologista a direcionar
melhor o tratamento com a quimioterapia e a encaminhar quem, porventura,
precise de ajuda de uma equipe complementar ou de cuidados paliativos.
“Nós mostramos que os pacientes
com baixa performance nos testes físicos simples também tinham prejuízo em
termos de consumo de oxigênio, enquanto os pacientes com boa performance, não.
Nós acreditamos que o processo inflamatório associado ao tumor resulte em um
conjunto de metabólitos circulantes no plasma com potencial de gerar um efeito
negativo no metabolismo das células musculares. De alguma maneira, há um
prejuízo tóxico para essas células que diminui o consumo de oxigênio, levando
ao agravamento da doença”, explica Castro Junior.
De acordo com o Instituto
Nacional de Câncer (Inca), neoplasias de
pulmão são as que mais matam entre os homens e a segunda colocada entre as
mulheres. Os tumores são classificados de acordo com o tipo de célula presente
e cada um se desenvolve de uma forma diferente. O mais comum é o câncer de
células não pequenas, justamente o analisado nesta pesquisa. Ele corresponde a
mais de 80% de todos os casos.
“É um tumor muito frequente,
mas que tem sobrevida infelizmente curta, por volta de dez meses”, destaca
Castro Junior. Por isso, é importante enfatizar que é possível prevenir a
doença, já que em mais de 90% dos casos o câncer de pulmão está ligado ao
cigarro.
“Estamos falando de pacientes
por volta dos 60, 65 anos, mas que fumavam há bastante tempo”, ressalta o
médico.
Metodologia
A pesquisa foi realizada com 55
pacientes do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). A maioria era
de homens, todos fumantes. Eles receberam tratamento entre abril de 2017 e
setembro de 2020 e foram acompanhados, em média, por cerca de três meses, ao
longo dos ciclos de quimioterapia que receberam no hospital.
Aqui no Brasil, foram
realizados os testes físicos e a coleta dos exames de sangue e das tomografias.
Para avaliar a capacidade física antes do tratamento, os pacientes tinham de se
levantar e caminhar por três metros, retornar e se sentar novamente; sentar e
levantar dez vezes; e, por fim, caminhar por mais seis minutos. Além disso,
para um grupo menor de 23 pacientes, foi medida a capacidade de resistência na
bicicleta, com máscara de oxigênio, aumentando constantemente a velocidade.
“Alguns desses pacientes tinham
perdido cerca de 30 quilos nos seis meses anteriores, mas vimos que, mesmo
aparentemente debilitados, eles conseguiam resistir ao exercício. Aí,
entendemos que não era uma relação direta entre a massa muscular e o
desempenho, e que aguentariam também a quimioterapia. Entendemos que a
atividade física é importante, mesmo que seja de acordo com a capacidade de
cada um, podendo colaborar positivamente durante o tratamento”, explica Silva.
Já em Harvard, foram realizados
os testes de metabolômica com o plasma sanguíneo coletado no Brasil e com
amostras de células musculares. Ou seja, foi feita a análise dos produtos
intermediários ou finais do metabolismo dessas células para tentar identificar
as moléculas que poderiam ser utilizadas como marcadores para a doença.
Foram identificadas duas
substâncias que podem ajudar a analisar, futuramente, os pacientes que terão
mais chances de responder ao tratamento: a serina e o M22G.
A serina é um aminoácido não
essencial ligado a diversos processos metabólicos. Conforme outros estudos já
comprovaram, o excesso de serina dentro das células está associado ao
crescimento das células tumorais. Entretanto, a inibição ou a privação de
serina pode ajudar a diminuir o tumor, por isso, ela tem sido sugerida como uma
opção para o potencial tratamento contra o câncer.
“O que nós mostramos é que
existe uma relação dessas substâncias com a performance desses pacientes e
talvez isso possa funcionar, no futuro, como um marcador de desempenho, mas nós
ainda precisamos estudar mais”, pondera Silva.
Segundo o pesquisador, em uma
próxima etapa, serão analisados novamente os dados de todos os pacientes do
estudo com auxílio de inteligência artificial. O objetivo é tentar encontrar
justamente os biomarcadores que podem ajudar a compreender o mecanismo da
doença.
Outro ponto importante será
entender se a atividade física durante o tratamento com a quimioterapia também
pode ajudar na melhora das condições gerais de quem está acometido pelo câncer
de pulmão.
Qualidade
muscular
Resultados recentes do
grupo publicados na
revista JCSM Communications demonstram que, além da inflamação
e da aversão à comida, o índice de gordura intramuscular também é um indicador
importante de sobrevida para quem tem câncer de pulmão metastático.
“Incluímos nessa nova análise
outro grupo de pacientes, que apresentavam performance status ainda
piores que o do estudo anterior e analisamos como um grupo único. Nesta nova
etapa, identificamos que os pacientes mais inflamados, que rejeitavam comida e
que tinham mais gordura presente no músculo, eram os que viviam menos. A
gordura intramuscular é um indicativo de um músculo com qualidade ruim, o que,
consequentemente, leva a uma performance ruim”, explica Silva.
A longo prazo, contam os
pesquisadores, a ideia é entender se os exercícios físicos poderiam funcionar
como uma espécie de “remédio” complementar ao tratamento.
“Nós sabemos que quem tem pior
função muscular tem pior sobrevida. Será que se nós, de alguma forma,
conseguirmos melhorar essa função muscular com exercício, conseguiríamos
reverter o processo e tornar essa célula mais resistente à inflamação? Quebrar
o ciclo vicioso de caquexia e perda muscular, ter um efeito antitumoral melhor
do tratamento do câncer? É o que nós queremos saber agora”, conta Castro
Junior.
Esses estudos são continuidade
do Projeto Temático “Câncer e coração: novos paradigmas
de diagnóstico e tratamento”, liderado pelo professor da
FM-USP Carlos Eduardo Negrão.
O artigo Physical
performance and plasma metabolic profile as potential prognostic factors in
metastatic lung cancer patients pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/eci.14288.
Já o estudo Food
Aversion, Systemic Inflammation and Intramuscular Adipose Tissue are Mortality
Predictors in Advanced Lung Cancer Patients está disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/rco2.106.
Cristiane Paião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/desempenho-em-testes-fisicos-pode-ajudar-a-direcionar-o-tratamento-do-cancer-de-pulmao/53011
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