Avanços na área foram apresentados em seminário on-line organizado pela FAPESP e pelo Instituto do Legislativo Paulista. Para especialistas que participaram do evento, é preciso oferecer assistência mais abrangente às famílias afetadas pelo transtorno (foto: Pixabay)
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A pesquisa genética tem proporcionado
avanços na busca de possíveis causas do autismo, bem como na detecção precoce
da doença e nos cuidados com a saúde dos indivíduos afetados. E os estudos
comportamentais têm auxiliado na inclusão social, na convivência familiar e na
educação de crianças com transtorno do espectro autista (TEA). Mas ainda há
muito a ser conquistado.
Estudo realizado pela Rede
Latino-Americana pelo Autismo identificou grande falta de assistência às
famílias de pessoas com TEA, por exemplo. “Das 3 mil famílias pesquisadas –
sendo mil do Brasil –, 37% não recebiam nenhum tipo de atenção. Isso é bastante
preocupante, pois essa população merece e requer assistência abrangente
nos diferentes setores do seu desenvolvimento, que vão além de saúde e
educação. O estudo também revelou os altos custos sociais e financeiros com os
quais essas famílias precisam arcar e que se refletem na sociedade. Por isso, o
objetivo tem de ser a inclusão total dessa população”, disse Cristiane Silvestre de Paula, professora da pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e pesquisadora do Departamento de Psiquiatria da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), durante um seminário on-line
realizado em setembro.
Com o tema “A Ciência e o Autismo”, o debate integrou a programação do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e
Inovação e teve o objetivo de mostrar avanços na pesquisa genética e
comportamental na área, além de discutir as principais necessidades dessa
população.
Entre as descobertas apresentadas no
evento estão três genes possivelmente relacionados com o desenvolvimento de TEA
– TRPC6, RBM14 e PRPF8 –, que foram identificados por pesquisadores
do Centro de Estudos do Genoma Humano e
Células-Tronco (CEGH-CEL) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado
no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).
“Hoje já está bem estabelecida a
importância da predisposição genética em relação ao autismo, contudo, ainda
temos muitas questões em aberto. Existem múltiplos fatores genéticos e
ambientais envolvidos. Além disso, a integração desses componentes genéticos e
ambientais também é importante como fator de risco”, explicou Maria Rita Passos Bueno, professora do IB-USP e pesquisadora do CEGH-CEL.
De acordo
com Passos-Bueno, até agora existem mais de 800 genes candidatos para o
autismo. No entanto, as formas monogênicas (que dependem de um único gene) são
as menos comuns. “Geralmente, os casos de autismo se encaixam em um modelo em
que os pais têm fatores de risco que se acumulam nas crianças e, quando é
ultrapassado o que os pesquisadores chamam de limiar, manifesta-se o quadro de
autismo.”
O laboratório liderado por Passos-Bueno
atende mais de 1.500 famílias de pessoas com TEA e algumas têm sido incluídas
nos estudos de genética. Foi a partir da análise de 33 trios (pai, mãe e um
descendente com autismo) que os pesquisadores descobriram dois novos genes
candidatos (PPRF8 e RBM14) e conseguiram
fechar o diagnóstico de autismo para as crianças participantes do estudo.
Em outro projeto, a equipe analisou
os cromossomos de 200 indivíduos com autismo. “Decidimos investigar mais a
fundo o gene TRPC6, que é importante para a
entrada de cálcio nos neurônios, fator essencial para o funcionamento dessas
células”, disse.
Após uma pesquisa em banco de dados,
o grupo observou que nos indivíduos com TEA havia uma frequência maior de
mutação nesse gene do que a encontrada na população em geral, sugerindo que
essas variantes do TRPC6 devem
contribuir para o risco de autismo.
Estudos in vitro feitos com neurônios derivados de células
de polpa dentária revelaram diferenças no funcionamento dos neurônios
analisados. “Observamos que quando utilizamos hiperforina – substância que
ativa especificamente esse canal de cálcio formado pelo TRPC6 – ocorre o resgate da morfologia e do
funcionamento normal dos neurônios derivados desses pacientes”, contou.
Para
Passos-Bueno, além de propiciar descobertas cientificamente relevantes, a
importância dos estudos genômicos está em dar retorno para as famílias. “São de
extrema importância os investimentos para que se continuem os estudos de
caracterização da arquitetura genética do autismo. Com eles esperamos aprimorar
o diagnóstico. Atualmente, conseguimos concluir diagnósticos genéticos em pelo
menos 10% dos casos. Outras perspectivas desses estudos estão em entender
melhor a patofisiologia do transtorno. E, o que todos nos desejamos, é um dia
poder desenvolver estratégias terapêuticas”, afirmou.
Fada do dente
Em outro
projeto conduzido na USP, que contou com mais de 400 dentes de leite doados por
pacientes de todo o país, os pesquisadores conseguiram avançar no entendimento
de como o TEA pode se manifestar em células cerebrais, como neurônios e
astrócitos. A análise foi feita em células cerebrais derivadas da polpa
dentária de crianças com autismo grau 3 e que não tinham nenhum gene
relacionado ao TEA.
“Os neurônios derivados de pacientes
autistas tinham menos sinapses químicas e elétricas, ou seja, funcionavam
de maneira alterada. Também observamos que um dos principais neurotransmissores
[glutamato, um dos mensageiros químicos liberados pelos neurônios], secretado
em abundância no cérebro, era liberado em menor quantidade pelas células dos
indivíduos com autismo”, afirma Patrícia Beltrão Braga, professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas
(ICB-USP) e da Plataforma Científica Pasteur-USP.
Braga
também analisou os astrócitos, células cerebrais que, além de comporem a
barreira hematoencefálica (que protege o cérebro de toxinas e patógenos), são
responsáveis pela comunicação de todo o sistema nervoso com o sangue.
“Os
astrócitos não tinham sido muito estudados no contexto do autismo até então. Na
nossa pesquisa, realizada em cultura celular, vimos que os astrócitos de
indivíduos com TEA funcionavam de maneira tóxica, produzindo uma quantidade aumentada
do que chamamos de espécies reativas de oxigênio. Ou seja, essas células não
eram capazes de fazer a limpeza do sistema nervoso como normalmente fazem em
indivíduos neurotípicos", relatou.
Segundo a
pesquisadora, outra função dos astrócitos é remover o excesso de glutamato do
cérebro. No estudo, os pesquisadores observaram que esse papel também estava
comprometido nas células das crianças com TEA.
O grupo
analisou ainda quais moléculas inflamatórias estavam sendo produzidas pelos
astrócitos desses pacientes. “Nesses casos, havia no cérebro grande produção de
uma citocina pró-inflamatória chamada interleucina-6. Essa foi a primeira vez
que alguém mostrou que poderia estar acontecendo um perfil de neuroinflamação
no cérebro de crianças com autismo e que isso poderia ser compatível com todas
as alterações que a gente estava vendo até então”, afirmou.
Na fase seguinte do estudo, os
pesquisadores misturaram in vitro neurônios
e astrócitos derivados de um indivíduo neurotípico com os de um indivíduo com TEA
e observaram que isso fazia com que o número de sinapses aumentasse, passando
para uma quantidade próxima à observada em pessoas sem o transtorno.
Treinando a atenção
Em um estudo apoiado pela FAPESP, pesquisadores do Mackenzie e colaboradores
demonstraram como o treinamento com jogos computacionais pode fazer com que
questões ligadas à atenção progridam em crianças com TEA.
O projeto
envolveu 26 crianças entre 8 e 14 anos, submetidas a um treino computadorizado
progressivo para atenção. O modelo, denominado CPAT, foi desenvolvido por
pesquisadores da Universidade de Tel Aviv (Israel), em parceria com psicólogos
e pesquisadores da Universidade de Birmingham (Reino Unido), e tem foco em três
tipos de atenção: sustentada, seletiva e executiva.
Por meio
de jogos de computador e valorizando o lúdico, o programa vai sendo regulado de
acordo com o avanço de cada criança. “A ideia é que ela prossiga nas atividades
de acordo com suas necessidades”, disse de Paula.
As
crianças passaram por um protocolo vasto de avaliação e depois, durante dois
meses, receberam durante 45 minutos o treinamento do CPAT ou uma intervenção
controle. Ao final de dois meses, as crianças foram reavaliadas. Uma terceira
avaliação foi conduzida três meses após a conclusão das interações. Além da
atenção, houve melhora em questões correlacionadas, como desempenho escolar
(matemática, leitura e escrita) e inteligência (teste de QI), em relação ao
grupo controle.
“É um
resultado que nos deixa muito contentes, pois é difícil encontrar uma
intervenção de baixo custo, lúdica, capaz de trazer bons resultados e de ser
aplicada em larga escala nas escolas”, afirmou de Paula.
Como
destacou a professora do Mackenzie, não existe um tratamento único para os
sintomas centrais do autismo, que envolvem déficits relacionados a habilidades
sociais e de comunicação, bem como comportamentos estereotipados e repetitivos.
“Por isso é tão importante trabalhar a inclusão social, escolar, de saúde e na
sociedade como um todo, por meio de diferentes áreas de tratamento e cuidado.
Nesse sentido, essa população necessita de auxílio não apenas no que se refere
aos sintomas centrais do autismo, mas também em aspectos como a atenção”,
afirmou de Paula.
A
pesquisadora ressaltou ainda que pelo menos 50% dos indivíduos com TEA têm
déficit, dificuldades ou questões relacionadas com a atenção. “Estudos
mostram que 30% dessas pessoas tinham diagnóstico de transtorno de déficit de
atenção (TDAH) e nesses casos há maior prejuízo funcional”, disse.
O seminário “A Ciência e o Autismo”
pode ser conferido na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=cji0ST055eU.
Maria
Fernanda Ziegler
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudos-geneticos-e-comportamentais-tem-favorecido-o-diagnostico-e-a-inclusao-de-pessoas-com-autismo/37066/