Segundo levantamento realizado pelo Instituto
Pólis, isolamento social não é realidade para trabalhadores informais, que são
maioria em bairros com mais mortes;
Distritos em que há o maior número de mortes
apresentam características sociais e estruturais semelhantes, sendo possível
traçar um perfil das vítimas da pandemia na cidade – elas têm gênero, cor, CEP,
renda e modelo de trabalho definidos;
O
Instituto Pólis realizou um estudo a partir de bases de oito fontes oficiais (lista abaixo) para
analisar como a pandemia de Covid-19 está atingindo as regiões e populações da
capital paulista. A análise identificou que os distritos em que há o maior
número de mortes apresentam características sociais e estruturais semelhantes,
sendo possível traçar um perfil das vítimas da pandemia na cidade – elas têm
gênero, cor, CEP, renda e modelo de trabalho definidos.
O
estudo foi realizado entre 21 de março e 27 de maio, a partir de dados das
secretarias de saúde municipal e estadual de São Paulo, assim como índices socioeconômicos
do IBGE, Metrô, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Datasus,
Rede Nossa SP e Mapa Digital da Cidade de São Paulo (GeoSampa). O intuito da
análise, realizada por uma equipe multiprofissional, é entender quais fatores
contribuem para o avanço da doença e como as desigualdades de infraestrutura e
de condições socioeconômicas do município deixam algumas regiões mais
vulneráveis do que outras.
Mulheres
responsáveis pela casa estão mais expostas ao novo coronavírus
Pesquisa
da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) mostra que quatro
(39%) em cada dez lares da região metropolitana de São Paulo são comandados por
mulheres. Em 46% destas residências elas sustentam filhos e/ou netos, sem a
presença de um cônjuge. Segundo o levantamento do Instituto Pólis, considerando
a renda de até 1 salário mínimo a capital paulista tem, em média, 12% dos lares
mantidos somente por mulheres.
Considerando
esse cenário, o cruzamento de dados do Pólis aponta que mulheres de baixa renda
e que são responsáveis pelo sustento da família habitam territórios mais
vulneráveis ao coronavírus em São Paulo. O estudo mostra que as áreas da cidade
com maior número de mortes coincidem com as regiões em que a concentração de
famílias de baixa renda chefiadas por mulheres supera a média municipal. Entre
os agravantes, está o fato de que a crise econômica tornou o isolamento social
quase impossível para essa parcela da população que, em grande parte, atua na
informalidade ou trabalha em áreas externas e/ou sem endereço fixo, sem a
possibilidade de trabalhar em casa. O fechamento de escolas e creches também
agravou a situação dessas mulheres, sobrecarregando suas rotinas nos cuidados
com filhos e/ou netos.
Vidas
negras são mais vulneráveis
As vítimas do novo coronavírus em São Paulo também estão sendo
definidas pela cor da pele. Dados do boletim epidemiológico da Prefeitura de
São Paulo, divulgado no final de abril, apontavam ainda que o risco de morte
dessa parcela da população era 62% maior em relação ao de pessoas brancas. A
análise realizada pelo Instituto Pólis corrobora o boletim municipal, mostrando
que a maioria dos óbitos em razão da Covid-19 foi registrada em territórios com
maior concentração de população negra.
No levantamento do Pólis, os distritos de Brasilândia e
Cachoeirinha por exemplo, que contam com mais de 35% de residentes negros, despontam entre os distritos com mais
mortes registradas. Além desses, os bairros
Sapopemba, Capão Redondo, Jardim São Luís, Itaquera, Jardim Ângela e Cidade Tiradentes
também apresentam cenário semelhante. Outros pontos em comum das localidades é
que elas são afastadas das áreas mais consolidadas, ficando longe da maior
parte da oferta de leitos hospitalares da capital, sendo eles de administração
pública ou privada. Capão Redondo, por exemplo, não conta com nenhum leito de
UTI em seu território.
“Em
análise, o instituto mostra que os fatores que ligam a pele negra com o risco
de morte por Covid-19 em São Paulo não são biológicos, mas sim ligados à
precariedade de infraestrutura à qual negros são submetidos historicamente.
Pretos são grande parte da população de baixa renda, residentes de favelas,
trabalhadores informais e que dependem exclusivamente do SUS para acesso à
saúde”, comenta Danielle Klintowitz, coordenadora do Instituto Pólis.
Outro
agravante é o acesso ao saneamento básico – as regiões em que a população preta
é mais presente apresenta taxa de domicílios ligados à rede de esgoto municipal
abaixo da média da cidade (89%). Alguns chegam a apenas 13%. A taxa de casas
com água nesses locais também é menor do que a média de São Paulo (98%). Além
disso, mesmo em territórios que contam com abastecimento, a água não é
distribuída de maneira constante. “Por conta do controle de pressão realizado
pela concessionária responsável, muitas residências em áreas não consolidadas
experienciam intermitência no recebimento de água, ficando até 3 dias sem
abastecimento, tornando o cumprimento de protocolos de higiene preconizados
pela OMS uma tarefa quase impossível”, acrescenta Danielle.
Regiões
mais atingidas
Observa-se
que as regiões com maior situação de precariedade urbana são as mais castigadas
pela doença. Afastados do centro da cidade, os bairros de Brasilândia,
Sapopemba, Grajaú, Capão Redondo e Jardim São Luis são os mais afetados pelo
novo coronavírus em números de óbitos absolutos. Pela análise, estes distritos
apresentam equivalência nas taxas de residentes que são trabalhadores
informais, negros, de baixa renda, com acesso limitado à equipamentos de saúde
de média e alta complexidade, taxas de saneamento básico abaixo da média
municipal, entre outros fatores de vulnerabilidade.
Em
relação às taxas de óbitos a cada 100 mil habitantes, o mapa da doença se
afasta das extremidades e se concentra na região central de São Paulo: Pari,
Brás, Barra Funda, Limão e Belém. “Por haver mais pessoas morando nas regiões
periféricas, o maior número de mortes absoluto pode fazer com que se pense que
apenas a periferia está vulnerável, mas há de se analisar o contágio em
territórios precários mais centrais para que a situação não fuja do controle”,
comenta Danielle Klintowitz, do Instituto Pólis.
Trabalhadores
informais não têm direito ao isolamento social
Na
capital paulista o distanciamento social nunca chegou à marca de 70%,
considerada ideal por autoridades da saúde, ficando sempre na casa dos 50%.
Segundo análise do Pólis, a natureza do trabalho dos moradores da capital
paulista pode ser um dos principais fatores para esse cenário. O Instituto
levantou dados sobre os locais de residência e atuação dos trabalhadores
informais, que incluem autônomos, trabalhadores sem carteira assinada,
trabalhadores de negócios familiares e trabalhadores de negócios familiares sem
remuneração. As regiões que apresentam mais precariedade em questões
socioeconômicas, como baixa renda média e altas taxas de densidade demográfica
e domiciliar, também aparecem como locais em que o trabalho informal é o mais
recorrente entre os moradores.
O
distrito de Grajaú, por exemplo, conta com cerca de 70% de trabalhadores
informais entre os seus residentes. O bairro também é um dos que mais
registraram mortes em razão do novo coronavírus na cidade. Entre os moradores,
o local também abriga entre 25% e 37% de trabalhadores que não possuem local
fixo de trabalho e até 48% de pessoas que trabalham em ambientes externos, ou
seja, precisam sair de casa para exercer a atividade profissional e, portanto,
não têm a possibilidade de adotar o modelo home
office. O cenário se repete em Pari, que detém a maior taxa de
óbitos por 100 mil habitantes e tem 70% de sua população formada por
trabalhadores autônomos.
Outro
dado aponta o centro e a zona sul do município como as áreas em que grande
parte dos trabalhadores informais atuam. Dessa forma, muitos realizam grandes
deslocamentos diários pela cidade, principalmente porque é nas regiões mais
centrais de São Paulo que estão concentradas as linhas de metrô. Vale ressaltar
que por conta da flexibilização da quarentena na capital e região
metropolitana, haverá aumento de circulação de pessoas nessas áreas o que
contribuirá para altas nas taxas de contágio e óbitos, principalmente nos
distritos mencionados.
Atenção básica à saúde tem papel essencial no
controle da pandemia
O acesso aos recursos de
saúde pela população varia de acordo com o bairro em que se mora, conforme
mostra levantamento do Pólis, o que evidencia a falta de políticas públicas
municipais que considerem especificidades de cada bairro. A capital conta 468 Unidades
Básicas de Saúde (UBS), o que coloca uma média de 0,40 unidade para cada 10 mil
habitantes. A maior concentração está justamente nas regiões em que há poucos
leitos de hospitais, que são os bairros mais afastados do centro. Há locais em
que não há nenhuma disponibilidade de leitos hospitalares, como ocorrem em
Capão Redondo e Cidade Ademar.
Já nas regiões centrais o
cenário se inverte, com alguns distritos superando a marca preconizada pela
Organização Mundial da Saúde de disponibilizar de 10 a 30 vagas para cada 100
mil habitantes. Essa distribuição, em que a disposição de UBS é praticamente um
negativo da disposição de leitos hospitalares, chama a atenção para o papel que
a atenção básica desempenha no combate ao novo coronavírus.
O atendimento nas UBS pode
contribuir para a prevenção da Covid-19 e detecção dos primeiros sintomas, bem
como o tratamento dos casos mais brandos da doença. “Esta estratégia está sendo
pouco utilizada pela gestão pública, que tem apostado fortemente no reforço dos
leitos hospitalares, mas relegado o atendimento básico que poderia evitar que
muitos casos chegassem aos hospitais e UTIs”, analisa Danielle.
Vale destacar ainda a atuação
dos agentes de saúde na atenção primária. Esses profissionais estão mais
próximos da população e conhecem de perto as especificidades de cada bairro
pois acompanham os históricos médicos dos pacientes e conseguem identificar os
grupos de risco, seja pela idade ou por comorbidades.
Entre
os distritos com menor concentração de leitos hospitalares – públicos e
privados – por 100 mil habitantes estão muitos dos quais registraram grande
número de óbitos por Covid-19. São eles: Brasilândia (10.19 leitos), Sapopemba
(81.54), Cachoeirinha (206.94), São Mateus (116.67), Freguesia (115.232),
Jardim São Luís (87.73), Tiradentes (84.63), Jardim Ângela (63.64), Cidade
Ademar (0) e Capão Redondo (0).
Enquanto
isso, bairros que não registraram grande número de mortes concentram altos
índices de leitos hospitalares por 100 mil habitantes. São exemplos: Bela Vista
(3761.88 leitos), Jardim Paulista (2923.60 leitos), Consolação (2843.20
leitos), Santana (2184.20 leitos), Vila Mariana (1978.79 leitos), Mooca
(1624.32 leitos) e Morumbi (1529.06 leitos).
Os gráficos com os dados
analisados pelo Instituto Pólis podem ser consultados em www.agenciagalo.com/polis