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sexta-feira, 19 de junho de 2020

Doença atinge territórios com maior precariedade urbana, mostra Pólis


Segundo levantamento realizado pelo Instituto Pólis, isolamento social não é realidade para trabalhadores informais, que são maioria em bairros com mais mortes;

Distritos em que há o maior número de mortes apresentam características sociais e estruturais semelhantes, sendo possível traçar um perfil das vítimas da pandemia na cidade – elas têm gênero, cor, CEP, renda e modelo de trabalho definidos;



O Instituto Pólis realizou um estudo a partir de bases de oito fontes oficiais (lista abaixo) para analisar como a pandemia de Covid-19 está atingindo as regiões e populações da capital paulista. A análise identificou que os distritos em que há o maior número de mortes apresentam características sociais e estruturais semelhantes, sendo possível traçar um perfil das vítimas da pandemia na cidade – elas têm gênero, cor, CEP, renda e modelo de trabalho definidos.

O estudo foi realizado entre 21 de março e 27 de maio, a partir de dados das secretarias de saúde municipal e estadual de São Paulo, assim como índices socioeconômicos do IBGE, Metrô, Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), Datasus, Rede Nossa SP e Mapa Digital da Cidade de São Paulo (GeoSampa). O intuito da análise, realizada por uma equipe multiprofissional, é entender quais fatores contribuem para o avanço da doença e como as desigualdades de infraestrutura e de condições socioeconômicas do município deixam algumas regiões mais vulneráveis do que outras.


Mulheres responsáveis pela casa estão mais expostas ao novo coronavírus

Pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) mostra que quatro (39%) em cada dez lares da região metropolitana de São Paulo são comandados por mulheres. Em 46% destas residências elas sustentam filhos e/ou netos, sem a presença de um cônjuge. Segundo o levantamento do Instituto Pólis, considerando a renda de até 1 salário mínimo a capital paulista tem, em média, 12% dos lares mantidos somente por mulheres.
Considerando esse cenário, o cruzamento de dados do Pólis aponta que mulheres de baixa renda e que são responsáveis pelo sustento da família habitam territórios mais vulneráveis ao coronavírus em São Paulo. O estudo mostra que as áreas da cidade com maior número de mortes coincidem com as regiões em que a concentração de famílias de baixa renda chefiadas por mulheres supera a média municipal. Entre os agravantes, está o fato de que a crise econômica tornou o isolamento social quase impossível para essa parcela da população que, em grande parte, atua na informalidade ou trabalha em áreas externas e/ou sem endereço fixo, sem a possibilidade de trabalhar em casa. O fechamento de escolas e creches também agravou a situação dessas mulheres, sobrecarregando suas rotinas nos cuidados com filhos e/ou netos.

Vidas negras são mais vulneráveis

As vítimas do novo coronavírus em São Paulo também estão sendo definidas pela cor da pele. Dados do boletim epidemiológico da Prefeitura de São Paulo, divulgado no final de abril, apontavam ainda que o risco de morte dessa parcela da população era 62% maior em relação ao de pessoas brancas. A análise realizada pelo Instituto Pólis corrobora o boletim municipal, mostrando que a maioria dos óbitos em razão da Covid-19 foi registrada em territórios com maior concentração de população negra.

No levantamento do Pólis, os distritos de Brasilândia e Cachoeirinha por exemplo, que contam com mais de 35% de residentes negros, despontam entre os distritos com mais mortes registradas. Além desses, os bairros Sapopemba, Capão Redondo, Jardim São Luís, Itaquera, Jardim Ângela e Cidade Tiradentes também apresentam cenário semelhante. Outros pontos em comum das localidades é que elas são afastadas das áreas mais consolidadas, ficando longe da maior parte da oferta de leitos hospitalares da capital, sendo eles de administração pública ou privada. Capão Redondo, por exemplo, não conta com nenhum leito de UTI em seu território. 

“Em análise, o instituto mostra que os fatores que ligam a pele negra com o risco de morte por Covid-19 em São Paulo não são biológicos, mas sim ligados à precariedade de infraestrutura à qual negros são submetidos historicamente. Pretos são grande parte da população de baixa renda, residentes de favelas, trabalhadores informais e que dependem exclusivamente do SUS para acesso à saúde”, comenta Danielle Klintowitz, coordenadora do Instituto Pólis.

Outro agravante é o acesso ao saneamento básico – as regiões em que a população preta é mais presente apresenta taxa de domicílios ligados à rede de esgoto municipal abaixo da média da cidade (89%). Alguns chegam a apenas 13%. A taxa de casas com água nesses locais também é menor do que a média de São Paulo (98%). Além disso, mesmo em territórios que contam com abastecimento, a água não é distribuída de maneira constante. “Por conta do controle de pressão realizado pela concessionária responsável, muitas residências em áreas não consolidadas experienciam intermitência no recebimento de água, ficando até 3 dias sem abastecimento, tornando o cumprimento de protocolos de higiene preconizados pela OMS uma tarefa quase impossível”, acrescenta Danielle.


Regiões mais atingidas

Observa-se que as regiões com maior situação de precariedade urbana são as mais castigadas pela doença. Afastados do centro da cidade, os bairros de Brasilândia, Sapopemba, Grajaú, Capão Redondo e Jardim São Luis são os mais afetados pelo novo coronavírus em números de óbitos absolutos. Pela análise, estes distritos apresentam equivalência nas taxas de residentes que são trabalhadores informais, negros, de baixa renda, com acesso limitado à equipamentos de saúde de média e alta complexidade, taxas de saneamento básico abaixo da média municipal, entre outros fatores de vulnerabilidade. 

Em relação às taxas de óbitos a cada 100 mil habitantes, o mapa da doença se afasta das extremidades e se concentra na região central de São Paulo: Pari, Brás, Barra Funda, Limão e Belém. “Por haver mais pessoas morando nas regiões periféricas, o maior número de mortes absoluto pode fazer com que se pense que apenas a periferia está vulnerável, mas há de se analisar o contágio em territórios precários mais centrais para que a situação não fuja do controle”, comenta Danielle Klintowitz, do Instituto Pólis.


Trabalhadores informais não têm direito ao isolamento social

Na capital paulista o distanciamento social nunca chegou à marca de 70%, considerada ideal por autoridades da saúde, ficando sempre na casa dos 50%. Segundo análise do Pólis, a natureza do trabalho dos moradores da capital paulista pode ser um dos principais fatores para esse cenário. O Instituto levantou dados sobre os locais de residência e atuação dos trabalhadores informais, que incluem autônomos, trabalhadores sem carteira assinada, trabalhadores de negócios familiares e trabalhadores de negócios familiares sem remuneração. As regiões que apresentam mais precariedade em questões socioeconômicas, como baixa renda média e altas taxas de densidade demográfica e domiciliar, também aparecem como locais em que o trabalho informal é o mais recorrente entre os moradores.

O distrito de Grajaú, por exemplo, conta com cerca de 70% de trabalhadores informais entre os seus residentes. O bairro também é um dos que mais registraram mortes em razão do novo coronavírus na cidade. Entre os moradores, o local também abriga entre 25% e 37% de trabalhadores que não possuem local fixo de trabalho e até 48% de pessoas que trabalham em ambientes externos, ou seja, precisam sair de casa para exercer a atividade profissional e, portanto, não têm a possibilidade de adotar o modelo home office. O cenário se repete em Pari, que detém a maior taxa de óbitos por 100 mil habitantes e tem 70% de sua população formada por trabalhadores autônomos.

Outro dado aponta o centro e a zona sul do município como as áreas em que grande parte dos trabalhadores informais atuam. Dessa forma, muitos realizam grandes deslocamentos diários pela cidade, principalmente porque é nas regiões mais centrais de São Paulo que estão concentradas as linhas de metrô. Vale ressaltar que por conta da flexibilização da quarentena na capital e região metropolitana, haverá aumento de circulação de pessoas nessas áreas o que contribuirá para altas nas taxas de contágio e óbitos, principalmente nos distritos mencionados.


Atenção básica à saúde tem papel essencial no controle da pandemia

O acesso aos recursos de saúde pela população varia de acordo com o bairro em que se mora, conforme mostra levantamento do Pólis, o que evidencia a falta de políticas públicas municipais que considerem especificidades de cada bairro. A capital conta 468 Unidades Básicas de Saúde (UBS), o que coloca uma média de 0,40 unidade para cada 10 mil habitantes. A maior concentração está justamente nas regiões em que há poucos leitos de hospitais, que são os bairros mais afastados do centro. Há locais em que não há nenhuma disponibilidade de leitos hospitalares, como ocorrem em Capão Redondo e Cidade Ademar.

Já nas regiões centrais o cenário se inverte, com alguns distritos superando a marca preconizada pela Organização Mundial da Saúde de disponibilizar de 10 a 30 vagas para cada 100 mil habitantes. Essa distribuição, em que a disposição de UBS é praticamente um negativo da disposição de leitos hospitalares, chama a atenção para o papel que a atenção básica desempenha no combate ao novo coronavírus.

O atendimento nas UBS pode contribuir para a prevenção da Covid-19 e detecção dos primeiros sintomas, bem como o tratamento dos casos mais brandos da doença. “Esta estratégia está sendo pouco utilizada pela gestão pública, que tem apostado fortemente no reforço dos leitos hospitalares, mas relegado o atendimento básico que poderia evitar que muitos casos chegassem aos hospitais e UTIs”, analisa Danielle.

Vale destacar ainda a atuação dos agentes de saúde na atenção primária. Esses profissionais estão mais próximos da população e conhecem de perto as especificidades de cada bairro pois acompanham os históricos médicos dos pacientes e conseguem identificar os grupos de risco, seja pela idade ou por comorbidades.


Entre os distritos com menor concentração de leitos hospitalares – públicos e privados – por 100 mil habitantes estão muitos dos quais registraram grande número de óbitos por Covid-19. São eles: Brasilândia (10.19 leitos), Sapopemba (81.54), Cachoeirinha (206.94), São Mateus (116.67), Freguesia (115.232), Jardim São Luís (87.73), Tiradentes (84.63), Jardim Ângela (63.64), Cidade Ademar (0) e Capão Redondo (0).

Enquanto isso, bairros que não registraram grande número de mortes concentram altos índices de leitos hospitalares por 100 mil habitantes. São exemplos: Bela Vista (3761.88 leitos), Jardim Paulista (2923.60 leitos), Consolação (2843.20 leitos), Santana (2184.20 leitos), Vila Mariana (1978.79 leitos), Mooca (1624.32 leitos) e Morumbi (1529.06 leitos).

Os gráficos com os dados analisados pelo Instituto Pólis podem ser consultados em www.agenciagalo.com/polis

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